As Revoltas Coloniais

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As Revoltas Coloniais

Revoltas Coloniais contra o poder metropolitano de Portugal ocorreram no Brasil durante os séculos XVII e XVIII. As Revoltas Coloniais ocorreram por motivos econômicos, entre eles, a alta cobrança de impostos por parte da Coroa Portuguesa.

Contestações ao poder da metrópole

Durante mais de 200 anos, a colonização do Brasil funcionou eficientemente, garantindo elevados lucros para a Metrópole portuguesa, conforme determinava a política econômica mercantilista. O sistema colonial, implantado no Brasil, inseria-se em um contexto mais amplo denominado Antigo Regime europeu, que, além do mercantilismo, contava também com a Monarquia Absolutista, sujeito e objeto das práticas mercantilistas. O Antigo Regime, portanto, conciliava, até o início do século XVIII, elementos do feudalismo, decadente, com elementos do capitalismo, em ascensão. A partir do século XVIII, porém, com a ocorrência da Revolução Industrial, observa-se que os elementos capitalistas presentes no Antigo Regime começaram a consolidar-se, passando a preponderar sobre os aspectos feudais remanescentes, gerando uma aguda contradição e permitindo a definitiva superação do feudalismo. Tal processo acabou determinando uma crítica ao colonialismo, elemento integrante do Antigo Regime, tanto na Europa quanto na América, culminando com o processo de independência das colônias americanas.

Elementos internos às colônias foram também responsáveis pelas lutas emancipacionistas travadas na América entre meados do século XVIII e início do XIX. Evidencia-se, nesse caso, o fortalecimento dos interesses das elites coloniais em oposição às exigências e exploração cada vez mais insuportáveis das Metrópoles.

No Brasil, o esgotamento do antigo sistema colonial tornou-se claro por ocasião das rebeliões nativistas e dos movimentos de libertação nacional, como veremos nesta aula.

Chamamos de Antigo Regime europeu a estrutura socioeconômica, política e cultural preponderante na Europa durante a Idade Moderna. Não se trata de um modo de produção específico, mas da conciliação de elementos de dois modos de produção diferentes: o feudalismo, em decadência desde a Baixa Idade Média, e o capitalismo, em ascensão a partir da mesma época. Consolidado a partir da expansão marítimo-comercial europeia, iniciado no século XV, o Antigo Regime europeu teve como características dominantes a presença do Absolutismo, que, objetivando fortalecer sua autoridade diante dos grupos sociais que o sustentavam - nobreza e burguesia - e das demais recém-formadas monarquias nacionais, pôs em prática a política econômica do mercantilismo, caracterizada pelos seguintes princípios: metalismo, balança comercial favorável, protecionismo e colonialismo. Tratava-se, portanto, de uma época de forte intervencionismo estatal na economia. Dessa forma, o colonialismo era o mecanismo que garantia o êxito da política mercantilista, isto é, as colônias eram os locais de aplicação do mercantilismo com vistas ao enriquecimento das potências europeias. A exploração colonial era regulada pelo Pacto Colonial, garantia da exclusividade do comércio colonial para sua respectiva metrópole.

Assim, entre os séculos XV e XVII, as atividades mercantis asseguraram uma grande concentração de capitais na Europa, sobretudo em mãos da burguesia, ao mesmo tempo em que propiciaram a internacionalização do comércio, integrando economicamente os mercados mundiais.

A Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo na Europa

À medida, porém, em que se processava o acúmulo de capitais na Europa, o mercado consumidor exigia um maior volume de artigos comercializáveis e, aos poucos, a burguesia passou a investir capitais acumulados no comércio na produção de mercadorias.

A indústria surgiu então, na Inglaterra de meados do século XVIII, favorecida por inúmeras circunstâncias - disponibilidade de capitais e mão de obra barata, abundância de recursos minerais, mercado consumidor em expansão, avanços tecnológicos – em um processo conhecido como a Revolução Industrial.

Graças a ela, o capitalismo converteu-se no modo de produção dominante na Europa, acarretando significativas mudanças em diferentes aspectos da vida europeia e mundial. A política e a cultura tiveram que se adaptar à nova realidade da fábrica. Além disso, as reminiscências do feudalismo também foram superadas.

O liberalismo econômico

O pioneirismo no processo de Revolução Industrial fez da Inglaterra a principal potência econômica da época, posição que conservou até o início do século XX (Primeira Guerra Mundial). Durante quase 70 anos, a Inglaterra foi o único país industrializado do mundo. Sua produção crescia rapidamente e o mercado europeu começou a mostrar-se insuficiente para as fábricas inglesas. Sendo assim, a Inglaterra buscou ampliar o mercado consumidor de gêneros industrializados e, nesse sentido, lutava contra as barreiras que se opunham ao livre comércio. O Pacto Colonial era, sem dúvida, a maior dessas barreiras e contra ele, a Inglaterra passou a lutar com afinco. Defendia a independência das colônias ibéricas, na medida em que, uma vez emancipadas do domínio de Portugal e Espanha, as ex-colônias converter-se-iam em mercados consumidores da produção industrial britânica, além de lhe fornecerem matérias-primas a baixos preços.

Assim, em finais do século XVIII, nasceu uma nova doutrina econômica: o liberalismo. Seu iniciador foi Adam Smith que, em 1776, publicou a obra A Riqueza das Nações, na qual condenava o intervencionismo estatal na economia, defendendo a liberdade econômica, a livre-concorrência, a livre iniciativa, a eliminação de entraves à produção e, sobretudo, à circulação das mercadorias. Atacava, consequentemente, a prática do Pacto Colonial, legitimando a luta pela independência das colônias em relação às metrópoles.

Não tendo como concorrer com a poderosa economia inglesa, as nações ibéricas veem na conservação e intensificação da exploração colonial a única forma de se sustentarem economicamente. Tal solução revelou-se, porém, ineficaz, pois só serviu para aguçar o descontentamento dos colonos com o domínio da Metrópole.

As rebeliões nativistas

Revoltas Nativistas

A favorável conjuntura europeia não é por si só suficiente para explicar as razões que levaram as colônias americanas a buscarem sua emancipação política em relação às Metrópoles europeias. É preciso verificar cuidadosamente os aspectos internos que favoreceram a difusão de ideias contrárias ao colonialismo, que foram determinantes para a superação do sistema colonial na América.

A colonização europeia das terras americanas, apesar de seu caráter nitidamente explorador, acabou por propiciar o crescimento econômico das colônias. Certamente, foi um reduzido grupo de grandes proprietários de terra e de comerciantes que se beneficiou desse enriquecimento, constituindo a elite colonial que, durante anos, concordou e colaborou com a exploração metropolitana, apesar de divergências circunstanciais. Todavia, a partir de meados do século XVIII, essa elite, já distante da velha metrópole, percebe quão insuportável e odiosa era a dominação metropolitana (monopólios, fiscalização rigorosa, alta tributação), além de se dar conta das vantagens econômicas da liberdade comercial.

Dessa forma, não interessava à elite colonial alterar a estrutura socioeconômica das ex-colônias: bastava o rompimento com os entraves político-administrativos que a impediam de vender seus produtos a preços mais vantajosos e comprar mercadorias mais baratas.

O descontentamento da popu­lação brasileira contra o domínio lusitano manifestou-se pratica­mente ao longo de todo o período colonial, intensificando-se a partir da segunda metade do sé­culo XVIII, quando o contexto europeu era favorável.

As primeiras rebeliões coloniais, no entanto, não defendiam a ideia de rompimento com Portugal. Essas manifestações, denomi­nadas rebeliões nativistas, ques­tionavam aspectos específicos do Pacto Colonial e não a dominação integral da Metrópole. Além disso, apresentavam um caráter local, não contando com uma consciência nacional. Tais movimentos, em síntese, foram esforços de defesa contra certos aspectos da exploração da Colônia pela Metrópole.

A aclamação de Amador Bueno

A capitania de São Vicente, em cujo litoral se fundou a primeira vila brasileira, logo ficou isolada de outras áreas vinculadas à lavoura de exportação. A produção de açúcar, que cedo se desenvolvera no litoral vicentino, não tivera condições de concorrer com as regiões nordestinas, mais próximas dos mercados consumidores e da Metrópole. Além disso, a estreiteza da baixada litorânea e a pobreza de seus solos também não estimulavam os esforços agrícolas. Nessas condições e expostos a ataques constantes de índios e contrabandistas, os vicentinos subiram a Serra do Mar.

Essa transferência de parte da população para o planalto, onde se localizavam as vilas de Piratininga e Santo André da Borda do Campo, resultou em maior isolamento e no aguçamento da pobreza. Para os primeiros paulistas, milho, sal e farinha de mandioca eram a dieta principal. Poucas trocas, pequeno consumo, economia de subsistência, com a produção de alguns gêneros similares aos europeus e reduzida exportação para o Rio de Janeiro, em certas épocas.

A principal atividade econômica que se desenvolveu na região ao longo dos séculos XVII e XVIII, foi o apresamento de indígenas para serem vendidos como escravos. Contra a escravização dos indígenas reagiram os jesuítas, exigindo da Metrópole sua efetiva proibição. As autoridades coloniais, apesar das ordens metropolitanas, negaram-se a respeitar a interdição da atividade de preação dos índios e incentivaram a expulsão dos jesuítas, em 1641, episódio chamado de "botada dos padres fora".

Por outro lado, à pobreza da população vicentina acrescia-se o isolamento político, fator que determinou, no mesmo ano de 1641, o episódio da Aclamação de Amador Bueno, quando chegou à Capitania e à vila de São Paulo a notícia da Restauração Portuguesa. Possivelmente insuflados por espanhóis, que frequentavam muito a região, os paulistas decidiram não aceitar a vinculação com a nova dinastia portuguesa de Bragança. E aclamaram Amador I, rei de São Paulo! Sem querer ser rei, Amador Bueno teve que se refugiar em um convento até que a exaltação autonomista dos seus conterrâneos passasse.

A Revolta de Beckman

Ao longo do século XVII, as regiões açucareiras de Pernambuco e da Bahia consumiam quase que completamente o enorme contingente de escravos africanos desembarcados no Brasil. Às demais áreas da colônia, a cara e escassa mão de obra negra era praticamente inacessível, como se verificava na Capitania do Maranhão.

Necessitando de braços para a lavoura, os colonos do Maranhão recorreram à escravização dos indígenas, o que gerou uma terrível oposição por parte dos jesuítas, que usavam os índios no extrativismo vegetal da Amazônia (“drogas do sertão”). Em 1653, chegou ao Brasil um grande número de padres jesuítas, entre os quais o Padre Antônio Vieira, para ajudar seus companheiros no combate à escravização dos índios.

Com o intuito de amenizar as tensões existentes entre colonos e jesuítas que disputavam a mão de obra nativa, o governo português criou a Companhia Geral do Comércio do Maranhão, que passaria a monopolizar o comércio da região, responsabilizando-se, em contrapartida, a fornecer anualmente, durante 20 anos, 500 negros para o Maranhão. Caberia ainda à Companhia abastecer a Capitania de artigos importados, inclusive gêneros alimentícios, e comprar tudo quanto fosse produzido na região. Em suma, a Companhia obtinha, dessa forma, o controle das atividades comerciais sobre o norte da Colônia.

A atuação da Companhia do Maranhão não correspondeu, entretanto, às determinações régias: muito pelo contrário. Os comerciantes da Companhia falsificavam pesos e medidas para lesar os produtores; ofereciam produtos de má-qualidade, alguns deles até deteriorados; as quantidades não eram suficientes e os preços excediam os valores estabelecidos.

Os colonos, cada vez mais descontentes com a situação, insurgiram-se contra o monopólio da Companhia, além de exigirem a expulsão dos jesuítas do território maranhense. Os líderes rebeldes foram os irmãos Manuel e Tomás Beckman. O governo metropolitano, além de extinguir o monopólio comercial da companhia, nomeou um novo governador para a região.

Atendida parte de suas reivindicações, o movimento perdeu força e foi debelado em 1685. Manuel Beckman e Jorge Sampaio, os líderes da revolta, foram executados, e os jesuítas permaneceram na região.

A Guerra dos Mascates

O extrativismo mineral, que ganhara impulso a partir do final do século XVII, aprofundou a crise da produção açucareira vivenciada pelas zonas produtoras do Nordeste desde a expulsão dos holandeses. Muitos lavradores deslocaram-se para as Minas e muitos traficantes de escravos passaram a dar preferência à região mineradora. Para os senhores de engenho nordestinos, o problema não era só a concorrência do açúcar antilhano, mas o deslocamento do eixo econômico colonial para o Centro-Sul do país. Muitos deles haviam contraído dívidas enormes com os mercadores a fim de recuperarem a produção de seus engenhos. Mesmo assim, continuavam a dominar a cena política: a Câmara de Olinda, controlada pela aristocracia açucareira, subordinava a população de Recife. Os comerciantes reinóis, conhecidos como mascates, apesar de credores dos senhores de engenho, eram a eles subordinados politicamente.

Pressionando o rei D. João V, os mascates conseguiram, em 1709, a elevação de Recife à categoria de vila. Quando da demarcação dos termos (territórios) das duas vilas, os senhores de engenho tomaram Recife e causaram a fuga dos mascates em direção à Salvador. O bispo Manuel Álvares, escolhido governador pelos rebeldes, cujo principal líder era Bernardo Vieira de Melo, deveria remeter a Portugal um documento em que explicasse as reivindicações dos vencedores.

O documento dos proprietários exigia, entre outras coisas, a anulação do ato que elevara Recife à condição de vila e do que permitira a eleição de comerciantes para as Câmaras Municipais. Reivindicava ainda o tabelamento do preço dos escravos africanos, a concessão de um porto aberto para que anualmente um navio inglês e outro holandês comercias­sem livremente, e a não hipoteca das terras como garantia dos empréstimos realizados junto aos mascates.

A intervenção do Estado não trouxe nenhuma vantagem aos pro­prietários: Recife foi confirmada como sede de município, Bernardo Vieira e seu filho morreram na prisão em Lisboa, enquanto outros líderes do movimento foram exila­dos para a Índia.

Em 1714, o novo governador, Félix José Machado, tinha a situação sob controle. A burguesia comercial estava fortalecida e os senhores tinham pouca influência no governo da capitania.

A Revolta de Vila Rica

A rigidez fiscal metropolitana não impedia o contrabando do ouro e diamantes nas regiões mineradoras. Preocupada com os descaminhos da riqueza, a Coroa procurou limitar a ação das Câmaras Municipais, que passaram a ser fiscalizadas por funcionários nomeados pelo rei (os juízes de fora) e foram impedidas de desobedecer às ordens dos governadores. As câmaras eram encarregadas de cobrar o quinto. No entanto, como estavam muito vinculadas aos interesses locais, o governo nomeou funcionários e designou contratadores para esse fim. A partir de 1718, as estradas foram fechadas e passaram a serem arrecadados os direitos sobre a circulação das mercadorias.

Apesar de tudo, a sonegação e o contrabando continuavam e, por isso, em 1719, a Intendência das Minas (órgão responsável pelo controle da exploração aurífera), determinou uma nova forma de arrecadação do quinto sobre o ouro extraído: as Casas de Fundição. Todo o ouro explorado deveria ser encaminhado a uma das quatro casas criadas, onde seria fundido e, depois de retirado o quinto, reduzido a barras marcadas com o selo real. A partir de então, só estava autorizado a circular o ouro em barras e as penas para quem desrespeitasse a lei eram rigorosas, chegando ao degredo perpétuo na África.

Em 1720, o descontentamento com o rigor fiscal adotado pela Metrópole causou um levante em Vila Rica. Nesse ano, o governador da capitania, Conde de Assumar, recebeu um documento dos donos das minas, liderados por Felipe dos Santos e Pascoal Guimarães, no qual reivindicavam o abandono do projeto de criação das Casas de Fundição e a extinção do monopólio régio sobre o sal.

Prometendo estudar a situação, o que o governador ordenou foi uma violenta ação contra os signatários do documento, com a queima de suas casas e a prisão de seus líderes.

Como exemplo para a população, Felipe dos Santos foi julgado sumariamente e condenado à forca e ao esquartejamento. O assassínio do minerador revelava o nível a que chegaram as tensões entre os interesses metropolita­nos e os da classe dominante local.

Os movimentos emancipacionistas

Em finais do século XVIII, eclodiram no Brasil movimentos emancipacionistas que manifestavam o claro desejo de romper com o domínio metropolitano. Ao contrário das rebeliões nativistas, tais movimentos não questionavam aspectos do Pacto Colonial nem apresentavam um caráter regional: propunham a extinção definitiva dos entraves metropolitanos ao livre comércio, bem como a obtenção da autonomia político-administrativa da Colônia como um todo.

Os anseios dos rebeldes encontraram eco na conjuntura internacional: a Revolução Industrial estimulava a abolição das barreiras comerciais mercantilistas; a Independência das colônias inglesas na América do Norte servia de exemplo; a difusão dos ideais iluministas dava sustentação ideológica aos movimentos.

Além disso, a segunda metade do século XVIII assistiu a uma intensificação da exploração metropolitana, evidenciada em uma política de arrocho fiscal. Ao mesmo tempo, a agricultura brasileira apresentava sinais de recuperação, revelando uma capacidade de enriquecimento. Finalmente, o sentimento que unia colonos do Brasil às tradições portuguesas já havia esmorecido. Pode-se afirmar que, no Brasil da segunda metade do século XVIII, já estavam amadurecidas as condições para exigir o fim do pacto colonial, o rompimento político com a metrópole lusa.

A Inconfidência Mineira

A Inconfidência Mineira

A exploração das minas brasileiras foi, durante a primeira metade do século XVIII, responsável pela sustentação da economia portuguesa, equilibrando o déficit comercial lusitano com a Inglaterra. A partir de 1750, porém, a extração aurífera dá os primeiros sinais de esgotamento, mas as autoridades metropolitanas julgam que a queda da arrecadação fiscal era motivada pela sonegação dos impostos e pelo contrabando. Sendo assim, intensificaram o controle sobre a atividade mineradora.

Já em 1750, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, fixou em 100 arrobas de ouro (cerca de 1500 kg) o imposto anual devido à Coroa por cada Câmara Municipal. Em 1763, percebendo que a arrecadação municipal não atingia esse montante, instituiu a derrama, cobrança compulsória dos impostos devidos em atraso, o que gerou enorme descontentamento entre as populações mineiras.

Ao arrocho fiscal, somavam-se as dificuldades encontradas pelos mineradores em obter, a preços justos, os gêneros de que necessitavam para manter a exploração aurífera. Em 1785, Dona Maria I, rainha de Portugal, proibiu a presença de manufaturas no Brasil, obrigando que as necessidades fossem satisfeitas com produtos vindos de Portugal, decisão que afetava duramente a população mais pobre. A Metrópole asfixiava a economia colonial, visando, essencialmente, a superar seus crônicos problemas econômicos.

Na segunda metade do século XVIII, tornou-se rotineira a ida de filhos de famílias ricas da Colônia para estudar na Europa. Esses jovens retornavam ao Brasil, impregnados pelas ideias correntes na Europa, como as do liberalismo, do inglês John Locke, e as ideias do Iluminismo, pregadas principalmente pelos franceses Montesquieu, Voltaire e Rousseau. A mesma ideologia que aprofundava a crise do absolutismo na Europa desmascarava a opressão da estrutura colonialista no Brasil. Mais forte ainda foi a influência da luta pela independência dos Estados Unidos da América, conquistada em 1781. A vitória mostrava que a independência de uma colônia era possível de ser alcançada. No Brasil, percebia-se a extrema dificuldade em se reformar o sistema colonial, que passou a ser enfaticamente questionado.

As jazidas de ouro esgotavam-se e os conflitos com a Metrópole aumentavam. Em 1788, desembarcou no Brasil, Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde de Barbacena, para assumir o cargo de governador da capitania de Minas Gerais. Sua missão era executar a derrama, cobrando, inclusive através do uso da força, os impostos em atraso.

À opressão metropolitana e à decadência da região aurífera somavam-se a influência das ideias revolucionárias iluministas e o exemplo da independência dos Estados Unidos. Paralelamente, crescia o nível de consciência dos setores intermediários e das elites da sociedade brasileira. A decretação da derrama foi o estopim para o surgimento de uma conspiração contra a Coroa.

Com exceção de Joaquim José da Silva Xavier, apelidado de Tiradentes, todos os líderes da Inconfidência Mineira eram pessoas ricas e poderosas, ligadas à exploração das minas e à produção agrícola. Esse fato é perfeitamente compreensível: afinal, os grandes proprietários eram os que mais interesses tinham em romper o pacto colonial. Para eles, a independência era essencial. Já as camadas mais pobres da população enxergavam em seus senhores os responsáveis diretos por suas condições de vida e trabalho e, assim, para esses grupos, inclusive os escravos, a independência pouco ou nada mudaria.

Tiradentes
Tiradentes

Os principais líderes da conspiração em Minas Gerais foram: Cláudio Manoel da Costa, poeta e rico minerador; Luís Vieira da Silva, religioso; Alvarenga Peixoto, próspero minerador e latifundiário; Tomás Antônio Gonzaga, intelectual e ouvidor de Vila Rica; Carlos Correia de Toledo e Melo, vigário e próspero minerador; José Alvares Maciel, estudante de Química; Francisco de Paula Freire Andrade, tenente-coronel, comandante do Regimento dos Dragões; os irmãos Francisco Antônio e José Lopes de Oliveira, o primeiro militar e o segundo, padre, ambos grandes proprietários rurais; Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, principal articulador político da rebelião e indivíduo de poucas posses.

Os rebeldes defendiam o fim do pacto colonial e o desenvolvimento de manufaturas têxteis e siderúrgicas, além do estímulo à produção agrícola. No plano político, alguns almejavam a república, enquanto outros pretendiam uma monarquia constitucional. Os interesses de uns e de outros ficaram claros quando surgiu a discussão sobre o problema da escravidão. Nas reuniões dos conspiradores, organizadas pelo tenente-coronel Freire de Andrade ou por Cláudio Manoel da Costa, a maioria dos conspiradores se opunha à abolição. Apenas Tiradentes e alguns outros advogavam a causa abolicionista. A sociedade escravista brasileira reelaborava a ideologia liberal europeia, colocando-a dentro dos limites por ela aceitáveis.

Mercado de escravos
Mercado de escravos

O movimento, contudo, não chegou a acontecer. Isolados da grande massa popular, sem pensar em armas para o levante, bastou uma denúncia para acordar os conspiradores de seu sonho. O denunciante foi Joaquim Silvério dos Reis, devedor de vultosa quantia aos cofres reais, que tencionava conseguir o perdão de suas dívidas através da delação, o que de fato ocorreu. Avisado da conspiração, o visconde de Barbacena suspendeu a derrama e iniciou a captura dos implicados.

Quase três anos depois se encerrou o processo que condenou à morte onze acusados. A sentença foi modificada e dez dos condenados foram perdoados da pena de morte, mas tiveram decretado o degredo perpétuo. A única sentença de morte mantida foi a de Tiradentes.

A Conjuração Baiana

Entre os diversos movimentos políticos e intelectuais que marcaram a crise do sistema colonial no Brasil, a Conjuração Baiana apresenta algumas características especiais. Diferentemente da Inconfidência Mineira, contou com a liderança de representantes das camadas populares (mulatos, negros livres, escravos). Seus objetivos eram mais abrangentes, não se limitando apenas aos ideais de liberdade e independência, que caracterizaram o movimento de Minas Gerais. O levante baiano propunha mudanças verdadeiramente revolucionárias na estrutura da Colônia: pregava a igualdade de raça e cor e o fim da escravidão, bem como a abolição de todos os privilégios. A participação maciça de alfaiates no movimento determinou que fosse também chamado de Conjuração dos Alfaiates.

Vários fatores internos e externos explicam a eclosão desse movimento desencadeado pelas camadas mais humildes do Recôncavo Baiano.

No final do século XVIII, a situação socioeconômica da região mostrava-se muito difícil. O renascimento agrícola, iniciado em 1770, recuperou parte da riqueza da região, sem diminuir, entretanto, as contradições sociais. A prosperidade beneficiou apenas os grandes comerciantes e proprietários de engenho. Houve mesmo um agravamento da escassez de alimentos, uma vez que a área de plantio para subsistência diminuiu diante do avanço da lavoura canavieira, gerando um au­mento nos preços desses produtos, que passaram a ser importados.

Entre 1797 e 1798 houve uma multiplicação de incidentes: soldados e homens do povo invadiram sucessivas vezes armazéns, roubando carne e farinha. Esse clima de rebeldia mostrava-se favorável à divulgação das ideias revolucionárias que andavam sendo pos­tas em prática na França.

A Revolução Francesa, ocorrida no final do século XVIII, destruiu definitivamente as instituições feudais, e suas ideias mais radicais atravessaram o Atlântico e influenciaram diver­sos movimentos em nosso continente. Livros e documentos divulgadores das novas teorias foram parar nas mãos dos revolucionários baianos.

Alguns baianos da elite também assumiram posições favoráveis à autonomia com relação a Portugal. Não chegaram, no entanto, a contestar a dominação interna da Colônia, uma vez que representavam a classe proprietária e escravista colonial. Reuniam-se na casa do farmacêutico Figueiredo e Melo, fundando a sociedade secreta Cavaleiros da Luz.

Apesar de seu caráter elitista, essa sociedade apresentava algumas exceções, já que alguns de seus membros aderiram a perspectivas revolucionárias mais amplas. Tenentes difundiam propostas radicais entre os soldados, conseguindo a adesão de todo o II Regimento Pago de Salvador. Na cidade, as pregações revolucionárias chegaram ainda aos mulatos. No interior, o professor Francisco Moniz Barreto semeava o ideal revolucionário entre escravos e mulatos. Destacando-se dos demais, o médico Cipriano Barata mostrou-se o mais ativo propagandista do movimento. Preocupou-se em atingir as camadas mais oprimidas, inclusive os escravos. Essa pregação dos membros mais radicais dos Cavaleiros da Luz, aliada à efervescência existente nas camadas pobres, deu ao movimento um caráter popular e um forte conteúdo de transformação social.

A Conjuração Baiana foi influenciada também pela independência do Haiti. Antiga colônia francesa situada nas Antilhas, o Haiti possuía uma população majoritariamente escrava. Uma sequência de revoltas de negros, extremamente violentas, resultaram na expulsão dos brancos e na proclamação da independência. O Haiti foi o primeiro país da América Latina a obter sua liberdade. Acredita-se que, na Bahia, as notícias dos levantes escravos do Haiti tinham influenciado seus habitantes.

Em 1798, a conspiração transformou-se em rebelião contra as autoridades metropolitanas. Na manhã do dia 12 de agosto, as pessoas que passavam por locais de grande movimento deparavam com a seguinte frase escrita em panfletos afixados em postes e muros: "Animai-vos povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que seremos todos iguais".

Como articuladores do movimento destacavam-se João de Deus Nascimento e Manuel Faustino dos Santos, ambos mulatos e alfaiates. Além deles, tiveram importante papel como organizadores os soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas Amorim Torres, também mulatos. O tenente Aguilar Pantoja chefiava militarmente o movimento.

Os revolucionários preocuparam-se bastante com os problemas específicos das camadas populares. Protestavam contra os impostos, defendiam a abolição da escravidão e propunham aumento de soldo dos soldados. Pregavam de acordo com pontos essenciais das doutrinas sociais francesas - igualdade, liberdade e representação popular soberana. Insistiam em um tópico que caracterizou a luta anticolonialista em toda a América: a liberdade de comércio.

A pretensão de uma república libertária e igualitária despertou os conflitos entre os diversos setores que se uniram contra a Metrópole. O projeto igualitário beneficiava os brancos pobres, mulatos e negros, mas não os senhores. As camadas inferiores terminaram por assumir o comando do movimento. Os senhores brancos retraíram-se, enquanto os mulatos desencadearam a rebelião. Cipriano Barata, apesar de afirmar que o movimento deveria acumular mais força antes de ser desencadeado, continuou na luta.

Depois de publicados e distribuídos boletins revolucionários, os conjurados mandaram uma carta ao governador, D. Fernando José Portugal, pedindo sua adesão ao movimento. Este, porém, não aderiu, e ordenou investigações, durante as quais foi preso o soldado Luís Gonzaga das Virgens. Preocupados, os outros conjurados procuraram passar à ofensiva.

O alfaiate João de Deus havia organizado um ousado plano para libertar o soldado preso. Entretanto, sem tempo para esperar o auxílio de seus partidários, recrutou pessoas à última hora. Entre elas encontravam-se três espiões. Os conjurados marcaram uma reunião no Campo do Dique, arredores de Salvador, para organizar os últimos preparativos para o assalto à prisão. A polícia, porém, avisada pelos delatores, cercou o local. Percebendo a trama, os conjurados se dispersaram.

Os conspiradores, entretanto, eram agora conhecidos e passaram a ser perseguidos. Os cárceres ficaram abarrotados de rebeldes. Dos membros da Sociedade dos Cavaleiros da Luz, porém, só foram presos Cipriano Barata, Moniz Barreto, Aguilar Pantoja e Oliveira Borges.

A violência da repressão expressou a popularidade do movimento. Seis dos réus foram condenados à morte e os demais tiveram pena de degredo ou prisão.

A intensificação das lutas de libertação aumentou a repressão metropolitana. A Coroa passou a conceder prêmios em dinheiro, privilégios e cargos importantes aos denunciantes dos chamados crimes de lesa-majestade.

A Conjuração Baiana, portanto, constituiu-se em mais que uma manifestação de desagrado com relação ao domínio lusitano. Ela mostrou possuir um caráter democrático, igualitário e popular, que se chocava com o simples projeto de independência proposto pelos grandes senhores rurais, que pretendiam manter a estrutura escravista tradicional.

A Insurreição Pernambucana

Pernambuco, desde o início da colonização, sofria o peso maior dos monopólios comerciais. A Guerra dos Mascates foi um exemplo de rebelião nativista contra os privilégios comerciais lusitanos na região.

Sem dúvida, Pernambuco, um dos polos da economia açucareira, foi um dos pontos onde explodiram com maior força as contradições entre Colônia e Metrópole. Seria também em Pernambuco, em 1817, com a família real portuguesa morando no Brasil, que ocorreria a maior rebelião colonial no Brasil.

A atração exercida pelas ideias francesas era enorme. Seus princípios permeavam as discussões das lojas maçônicas Patriotismo, Restauração, Pernam­buco do Oriente e Pernambuco do Ocidente, das sociedades secretas como o Areópago de Itambé e até mesmo do Seminário de Olinda. Os padres João Ribeiro e Miguelinho, juntamente com os líderes maçons Domingos Jorge Martins e Antônio Cruz, organizavam acirrados debates em torno das novas ideias. Tais discussões preparavam ideologicamente o terreno para que a semente da consciência nacional germinasse.

Em 1808, com a ocupação de Portugal pelos franceses, D. João foi obrigado a vir para o Brasil com toda a Corte portuguesa. Este fato acarretou novas e altas despesas para a Colônia. Para cobri-las, aumentaram-se os impostos e, com eles, as tensões coloniais. A insatisfação generalizou-se desde a aristocracia até as camadas mais populares, enquanto as ideias francesas circulavam, fermentando e impulsionando as manifestações antilusitanas.

O aumento dos impostos e o descontentamento diante dos monopólios comerciais lusitanos criaram um terreno propício para o desencadeamento de uma rebelião em Pernambuco.

Ao saber da conspiração, o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro ordenou a prisão dos conspiradores. O major José de Barros Lima resistiu e matou o oficial português encarregado da prisão. Esse episódio foi o estopim da insurreição.

Os rebeldes dominaram Recife e constituíram um governo revolucionário com representantes de várias classes. Os presos políticos foram libertados; criou-se a bandeira da República Pernambucana, extinguiram-se os títulos de nobreza e aumentou-se o soldo dos militares.

Emissários dirigiram-se para as províncias do Norte e Nordeste, visando a espalhar a revolução. Na Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte, as tentativas fracassaram rapidamente. O impacto da repressão oficial começou a desintegrar o movimento.

As tropas oficiais atacaram a República Pernambucana por terra e também por mar, cercando o porto de Recife com uma grande esquadra. A superioridade das forças metropolitanas levou à capitulação dos revolucionários. Os que não foram mortos em combate acabaram sendo presos, ocorrendo execuções sumárias na maioria dos casos.

A Insurreição Pernambucana, apesar do fracasso, deixou implantadas as ideias que, anos depois, alterariam uma vez mais o cenário pernambucano, durante a revolta de 1824.

Sumário

- Contestações ao poder da metrópole
i. A Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo na Europa
ii. O liberalismo econômico
- As rebeliões nativistas
i. A aclamação de Amador Bueno
ii. A Revolta de Beckman
iii. A Guerra dos Mascates
iv. A Revolta de Vila Rica
- Os movimentos emancipacionistas
i. A Inconfidência Mineira
ii. A Conjuração Baiana
iii. A Insurreição Pernambucana

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