Manuelzão e Miguilim - Guimarães Rosa

Manuelzão e Miguilim - Guimarães Rosa

Contexto histórico

1945 - Termina a Segunda Guerra Mundial. As explosões em Hiroshima e Nagasaki dão início à Era Atômica. Criação da ONU. Publicação da Declaração dos Direitos Humanos. Início da Guerra Fria.

1945 - Brasil: Deposição de Getúlio Vargas e início da redemocratização. Convocação de eleições, legalização de partidos políticos.

1946 - Eleição e posse de Dutra.

1945 a 1947 - Fundação de novas companhias siderúrgicas e de fábricas de alumínio. Proliferação de estabelecimentos bancários.

1950 - Eleição de Getúlio Vargas para a presidência da República.

1954 - Suicídio de Getúlio. Café Filho assume o posto.

1955 - Eleição de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Incentivos à indústria automobilística, siderúrgica e mecânica. Construção de Brasília e início da espiral inflacionária no Brasil.

1960 - Inauguração de Brasília e eleição de Jânio Quadros à presidência.

1961 - Renúncia do Presidente. Crise sucessória (Jango Goulart).

1964 - Golpe militar (31 de março). Início da ditadura.

Manifestações artísticas da época

Pintura

Divulgação das artes plásticas, fundação de museus. A partir de 1950, a Bienal de S. Paulo começa a atrair artistas plásticos do mundo inteiro. Surge o grupo concretista, que valoriza o geometrismo, aparecem os abstracionistas, que privilegiam a sugestão.

Teatro

Ariano Suassuna, Jorge de Andrade, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal revolucionam as artes cênicas, amadurecendo o processo iniciado por Nelson Rodrigues (Vestido de Noiva, 1943).

Literatura

Tanto a prosa como a poesia enriquecem-se e diversificam-se.

Poesia

a) Alguns poetas provêm da geração anterior, renovando suas técnicas e diversificando suas temáticas.

b) “Geração de 45”: grupo que rompe com as propostas dos primeiros momentos do Modernismo e propõe maior apuro vocabular, temas universalizantes, regras mais rígidas de versificação, reabilitação do soneto: Ledo Ivo, Geir Campos, Péricles da Silva Ramos, Mário Quintana.

c) No final dos anos 40, revela-se um dos mais importantes poetas da literatura brasileira - João Cabral de Melo Neto - , continuador das experiências modernistas e não filiado esteticamente a qualquer grupo.

Prosa

a) Romances e contos de sondagem psicológica - concentrados na análise do mundo interior das personagens, amadurecendo a prosa com textos cada vez mais penetrantes e complexos: Lygia Fagundes Telles e Clarice Lispector.

b) Romances e contos urbanos - continua o processo iniciado na década de 30, enfocando o conflito do indivíduo frente ao ambiente socioeconômico que o rodeia: Dalton Trevisan.

c) Romances, contos e novelas regionalistas - tendência aparentemente inesgotável da ficção brasileira, porém com renovações temáticas e experimentações linguísticas: Herberto Sales, Mário Palmério, Bernardo Élis e, principalmente, Guimarães Rosa - o grande inovador da prosa brasileira do século XX.

Vida e Obra

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (M. Gerais), a 27 de junho de 1908. O pai dedicava-se a atividade pecuária e o filho realizou seus estudos primários na terra natal (na “escola do mestre Candinho”) e em S. João del Rei. Terminou o segundo grau em Belo Horizonte (no Colégio Arnaldo), cursando posteriormente a Faculdade de Medicina.

Formado e casado, trabalhou como médico na cidadezinha de Itaguara.

1932, ingressou na Força Pública, por ocasião da Revolução Constitucionalista, e trabalhou sob o comando do coronel-médico Juscelino Kubitschek. Terminado o conflito foi viver em Barbacena, servindo no IX Batalhão de Infantaria.

Apaixonado por línguas estrangeiras, começou a estudá-las minuciosamente.

1934 prestou concurso para o Instituto Rio Branco (Itamarati), classificando-se em segundo lugar.

1937 escreveu a primeira versão de Sagarana, inspirando-se em aspectos típicos da vida e da linguagem do sertão mineiro.

1938 foi nomeado cônsul-adjunto em Hamburgo (Alemanha), onde recebe a notícia de que seus contos haviam obtido o segundo lugar no concurso Humberto de Campos, da Livraria José Olympio.

1942 com o rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha (Segunda Guerra Mundial) ficou “retido” em Baden-Baden, com outros diplomatas e com amigos brasileiros. Conheceu nessa época sua segunda esposa.

Libertado, passou pelo Brasil e rumou para a Colômbia, onde desempenhou as funções de secretário da Embaixada, até 1944.

1945 reformulou Sagarana e reeditou o livro em 1946. Seguiu para Paris, já chefe de Gabinete do Ministro João Neves, para participar da Conferência de Paz e de inúmeros congressos internacionais. Permaneceu em Paris de 1949 a 1951. Voltando ao Brasil, ocupou pela segunda vez a chefia de gabinete do Ministro João Neves.

1952 realizou um velho sonho. Viajou por 40 léguas e nove dias através do sertão, carregando um grande caderno onde anotava nomes de plantas e bichos, raças e cores de gado, canções populares...

A partir de 1953 fixou residência no Brasil, como chefe da Divisão do Orçamento do Ministério.

Em 1956 publicou Corpo de Baile (sete novelas em dois volumes) e Grande Sertão: Veredas (sua obra-prima e único romance). Recebeu vários prêmios e consagrou-se como grande e genial escritor.

1958 foi promovido, por Juscelino, a Ministro de 1ª Classe.

1961 recebeu o prêmio “Machado de Assis”, da A. B. L. pelo conjunto de suas obras. Começou seu reconhecimento internacional. Diretores do cinema novo interessaram-se por sua obra, e Roberto Santos adaptou e filmou “A hora e a vez de Augusto Matraga ”(conto de Sagarana).

1962 publicou Primeiras Estórias (21 contos curtos).

Em meados de 1967 lançou Tutameia, outra reunião de contos. Em 16 de novembro tomou posse na Academia Brasileira de Letras. Três dias depois (19 de novembro) sofreu um enfarte fulminante, vindo a falecer.

Nos anos de 1969 e 70 a Editora José Olympio publicou duas obras póstumas: Estas Estórias e Ave Palavra.

Segundo nota mencionada na obra de Gunter W. Lorenz, Diálogo com a América Latina (S. Paulo, E. P. U., 1973), Guimarães Rosa “tornou-se uma lenda viva no Instituto Rio Branco por sua versatilidade como poliglota: falava fluentemente espanhol, francês, inglês, alemão e italiano, e lia latim, grego clássico e moderno, sueco, dinamarquês, servo-croata, russo, húngaro, persa, chinês, japonês, árabe e malaio” (in Dácio Antônio de Castro, Guimarães Rosa: Primeiras estórias, p. 260).

Campo Geral, uma das sete novelas do livro Corpo de Baile foi publicada em 1956. Em 1964, a partir da terceira edição, essas novelas aglutinaram-se em três livros autônomos: Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, no Pinhém; e Noites do Sertão.

Resumo da Obra

Para a análise que se segue, foi utilizada a oitava edição de Manuelzão e Miguilim (Corpo de Baile), de João Guimarães Rosa, capa de Poti, Volume nº 12 da Coleção Sagarana, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1977).

Enredo de Campo Geral (Miguilim)

Um certo Miguilim - menino de oito anos - morava longe, no Mutum, no meio dos Campos Gerais - região chuvosa - com sua família: o pai Nhô Bero (Bernardo Caz), a mãe Nhanina (que não gostava do lugar) e os irmãos Drelina (Maria Andrelina), Chica (M. Francisca), Dito (Expedito, seu predileto) e Tomezinho (Tomé). O irmão mais velho, Liovaldo, há tempos morava com o tio Osmundo Cessim, irmão de Nhanina, em Vila Risonha de São Romão.

Vivia com eles um irmão do pai, tio Terez, uma tia-avó materna, vovó Izidra e alguns “agregados”: Rosa (a cozinheira), Maria Pretinha (auxiliar) e Mãitina (negra velhíssima, beberrona, acusada de prática de feitiçarias). Nos arredores viviam dois vaqueiros, Jé e Saluz (com a mulher Siarlinda e o filho Bustica).

Miguilim gostava muito de tio Terez. Quando completara sete anos, fora levado pelo tio para ser crismado no Sucuriju. Pela primeira vez saía de casa e sentira saudades. Na viagem, alguém comentou com ele que o Mistim era bonito. De volta à casa, foi consolar a mãe e desgostou o pai, sendo por ele castigado (não foi à pescaria no dia seguinte). Para consolá-lo, seu tio Terez, “de bom coração”, ensinou-o a armar “urupucas” para pegar passarinhos.

Os irmãos pediam presentes, mas ele não tinha trazido. “Caiu dentro do corgo, a água fundou... tinha um jacaré...”Inventava desculpas.

A família criava muitos cachorros: Gigão, Seu-Nome, Zerró, Julim, Caráter, Catita, Soprado, Floresto, Rio-Belo e Pingo-de-Ouro, a predileta de Miguilim, que ele passou a chamar de Cuca depois que seu pai a deu de presente para um dos vaqueiros.

Um dia Dito vem contar que o pai está brigando com a mãe por causa de tio Terez. Miguilim vai defendê-la e apanha muito, sendo colocado de castigo no tamborete. Vovó Izidra reclamava: em vez de bater, deviam é olhar a saúde desse menino! “No castigo, pensava nas surras que ele e Chica sempre levavam, na brutalidade do pai, que prometera amarrá-lo no mato, na história de João e Maria, comparando-a com a sua. Chica trouxe-lhe água para matar a sede; Dito, amizade, carinho e consolo.

Nhô Bero sai e tio Terez entra avisando que um temporal estava chegando. Vovó Izidra pede-lhe para ir embora, xingando-o de “Caim, que matou Abel”. Cai um tremendo temporal “- Por causa de Mamãe, Papai e Tio Terez, Papai-do-Céu está com raiva de nós de surpresa...”Todos vão para o oratório, rezar. Têm muito medo.

Depois da noite de chuva, o Pai retorna e o Dito vai ouvir as conversas dos adultos, que Miguilim achava brutas, chatas, secas: o garoto gostaria de não crescer nunca, permanecer criança.

Se o Deográcias, afamado curandeiro da região, aparece para cobrar uma dívida, vem acompanhado do filho Patori, garoto mais velho, malicioso, que se comprazia em ensinar bobagens para os meninos. Receita ervas para Miguilim não adoecer. Acha-o magro demais, “p’ra passar a héctico é só facilitar...”A mãe pensa em consultar outro curandeiro, Seo Aristeu, mas a família discorda.

Miguilim fica assustado. Pensa que vai morrer de tuberculose, pede para rezarem com ele. Resolve fazer uma promessa, um pacto com Deus: uma novena e um prazo de dez dias para sobreviver ou não à doença: “Ele queria, lealdoso. Deus aprovava. “Resolve brincar, aproveitar o tempo. Marcavam-se os garrotes, caçavam-se tatus. Miguilim ora escondia-se na tulha, isolando-se, ora procurava as pessoas, para repartir seus medos. Miguilim não conseguiu fazer a novena. No décimo dia, não sai da cama, esperando a morte chegar. Pensa no quanto gostava de todos, que cuidavam dele com gemadas, comida. Drelina e Dito percebem seu sofrimento: enquanto a primeira fica junto dele consolando-o, o irmão corre para chamar Seo Aristeu. Este vaqueiro é bonito, alegre, comunicativo, persuasivo. Conhece rezas e simpatias. Consegue convencer Miguilim de que ele está saudável, e não vai morrer.

Todos se alegram. O pai resolve dar-lhe o serviço de levar seu almoço na roça. Miguilim fica feliz, pois o pai come bem e não ralha mais com ele. Na volta pensa em como gostaria de inventar histórias bonitas como as de Seo Aristeu. Vai depressa pelo mato, com certo medo. Tio Terez espera por ele: quer notícias de todos e manda um bilhete para Nhanina, e aguarda a resposta para o dia seguinte.

O menino fica assustado - não sabe se deve ou não entregar o bilhete (Caim? Abel?). Perseguido pela dúvida e querendo saber se um gesto é bom ou mau, se deve ou não ser evitado, questiona Rosa, Nhanina, os vaqueiros Jé e Saluz, o Dito. Recebe respostas divergentes, que o deixam ainda mais confuso: não dorme aquela noite, nem entrega o bilhete à mãe. Reza para espantar os medos da noite.

Na manhã seguinte, a caminho da roça, pensa em desculpas variadas para justificar-se com tio Terez. Acaba por contar a verdade e chora. O tio compreende seus escrúpulos, louva-lhe o caráter, beija-o e vai embora. Miguilim perde-se no mato e assusta-se com um bando de macacos, que comem o almoço do pai. Miguilim sente vergonha, o pai e Luisaltino vão caçar os “bandidos”, descobrem os animais e riem-se do medo do menino. Voltam a casa, e o caso vira chacota.

Aliviado, Miguilim conversa com Dito: sobre o ato de rezar, filosofias de vida, dito tem uma sabedoria inata - parece que sabe das coisas, mesmo antes de saber que sabe.

Chovia novamente no Mutum. Vaqueiro Saluz chega com Luisaltino e a notícia de que Patori matara um moço acidentalmente e sumira no mundo. Seu Deográcias procurava o filho, desesperando-se.

Passam pelo local o Grivo - menino muito, muito pobre - vendendo cascas de árvores dentro de um saco. Dito e Miguilim gostam dele.

Junto com Luisaltino viera o papagaio Papaco-o-Paco: cantava cantigas folclóricas e apegou-se à cozinheira Rosa, que lhe dava comida e ensinava novos cantos e falas.

O veranico seguiu tranquilo: o Pai trabalhando, muito, Luisaltino conversando com Nhanina. Dito conta ao irmão que vira o vaqueiro Jé abraçando Maria Pretinha.

Siarlinda, mulher do vaqueiro Saluz, visita a família. Traz requeijão e doce de leite para vender; conta muitas estórias para os meninos, que adoraram as de assombração. A partir desse dia, Miguilim começa a contar histórias incríveis também...

Patori é encontrado morto. Nhô Bero vai ao enterro.

É noite de lua cheia e a família, feliz, vai fazer um passeio até o alto do morro. A mãe conversa com Luisaltino. Enciumado, Miguilim diz que “queria ver o mar, só para não ter uma tristeza”. A mãe o afaga e pega-o pela mão.

Na manhã seguinte, acordam felizes. Papaco-o-Paco tinha aprendido a chamar “Miguilim, me dá um beijim!”

Vieram tempos ruins: Siarlinda brigou com vaqueiro Saluz; esse teve dor de dentes e crise de hemorroidas; o cachorro Julim foi morto por um tamanduá. Pai adoeceu de pena, todos ficaram tristes. Um marimbondo ferroou Tomezinho. O touro Rio-Negro machucou a mão de Miguilim, que, nervoso, bate no Dito, que o viera consolar. Arrepende-se, envergonhado, e vai para o castigo no tamborete.

Dito procura o irmão, que se desculpa finalmente. Dito entende tudo: além de irmãos, são grandes amigos! “O ruim tem raiva do bom e do ruim. O bom tem pena do ruim e do bom”, filosofa Dito. Miguilim gostaria de ter o entendimento da vida e das coisas, como o irmão.

Naquela madrugada Maria Pretinha foge com o vaqueiro Jé. De manhã, Dito tenta encontrá-los no esconderijo perto do ninho das corujas, em vão. O mico-estrela escapa e a família tenta recuperá-lo. Na busca, Dito corta fundo o pé em um caco de pote. Sangra muito. Faz-se curativo com ervas. O menino prefere ficar na rede, de onde pode acompanhar o movimento da casa. Pede notícias de tudo e de todos para Miguilim, que se torna as pernas, os olhos, os ouvidos do irmão curioso.

Dito piora. O tétano provoca-lhe dores de cabeça, febres, vômitos, enrijecimento muscular.

Vovó Izidra reza o terço. Arma o presépio sozinha - é tempo de Natal - , para tristeza do Dito, que não pode ajudar: está sempre febril e sonolento. Miguilim não se afasta do irmão, inventando para ele estórias e mais estórias: “Deus mesmo era quem estava mandando”. Dito sorri e dorme. A doença vai enrijecendo suas pernas e nuca, em lenta agonia. Pede perdão a Miguilim por tê-lo invejado por causa do papagaio. Ele e Rosa tentam ensinar Papaco-o-Paco a falar o nome do Dito, mas não conseguem. É véspera de Natal.

O doente piora. Luisaltino sai em busca de Seo Deográcias e Seo Aristeu. Chegam Maria Pretinha e o vaqueiro Jé. Todos rezam no oratório.

Nhanina fica junto do Dito. Este chama Miguilim e passa-lhe o último ensinamento: que as pessoas podem ficar alegres - alegres por dentro, mesmo com coisas ruins acontecendo. Pede a história da cachorrinha Cuca - e morre.

Miguilim desespera-se e chora muito, mas consegue apreciar a homenagem daquela gente simples, que acorreu em peso ao velório. Sofre dor e raiva por muito tempo ainda: queria que o Dito voltasse... Começa a perguntar às pessoas o que pensavam e sentiam a respeito do irmão: “queria como algum sinal do Dito morto no Dito vivo, ou do Dito vivo mesmo no Dito morto”.

Rosa e Mãitina consolavam Miguilim e juntos fizeram um túmulo simbólico para o Dito, no quintal. Papaco-o-Paco um dia gritou: “Dito, Expedito! Dito, Expedito!” e todos se emocionaram muito.

O pai resolve levá-lo para a roça e dar-lhe trabalho, para ocupar-lhe a cabeça. Miguilim começa a mudar - passa a comer muito, a ficar preguiçoso, a achar que nada vale a pena: “tudo de repente se acaba em nada”. O pai continua violento com o menino, implicando com seus tombos, sua desatenção, sua falta de jeito para fazer as coisas. Fala um dia à mulher que quem devia ter morrido era Miguilim, e não o Dito. Vovó Izidra comenta: “Esse Bero tem osso no coração”.

Tio Osmindo Cessim e mano Liovaldo chegam de surpresa, para passar quinze dias com a família.

Miguilim continua trabalhando muito e pensando no Dito, nas suas falas, na sua sabedoria inata. Chegava cansado, ia jantar e tinha de aguentar amolações do Liovaldo, “tão malino quanto o Patori”.

Certo dia, Liovaldo judia do Grivo e Miguilim bate no irmão para defender o amigo. O pai surra-o tanto que ele decide matá-lo, quando crescer: “Pai tinha raiva com ele, mas Pai não prestava”. Fica triste com a mãe, incapaz de defendê-lo.

A pedido de Nhanina, Miguilim vai passar três dias com vaqueiro Saluz, galopando e campeando boiada. São três dias felizes, apesar do menino não conseguir enxergar os detalhes da natureza que o vaqueiro tenta mostrar-lhe. Só tem saudades de Rosa e Mãitina.

Ao voltar, ainda magoado, enfrenta o pai. Este, maldosamente, solta os passarinhos do filho e quebra suas gaiolas. Revoltado, Miguilim reúne todos os seus brinquedos no quintal e os destrói. Vai chorar no paiol, onde Liovaldo chega para “tentá-lo” e acaba sendo expulso por ele.

À noite, recusou uma moeda que tio Osmundo lhe oferece - “esse não é de envergonhar ninguém, não. Tem coisa de fogo”, elogia-o o tio.

Quando os dois partem, Miguilim se alegra: um dia iria embora também. Enquanto isso, capina a roça.

De repente, Miguilim fica doente: vômitos, dores na nuca, fraqueza.

Durante a doença, percebe o pai chorando e lamentando a má sorte dos filhos. Percebe que, à sua maneira, o pai gostava dele.

Recebe visita e um presente do Grivo: uma gaiola com um canarinho.

Torna a piorar, com febre e cansaço, quando acorda com um alvoroço: Nhô Bero matara Luisaltino e escapulira para o mato. Vovó Izidra reza com Miguilim. Naquela noite quando acordou, soube que o Pai havia se enforcado com um cipó.

Sara aos poucos. Recomeça os passeios. Tio Terez volta, vovó Izidra vai embora. Nhanina pergunta-lhe se aprovaria seu casamento com o Tio. Para o menino, tudo se tornara indiferente - só pensa no irmão morto.

Um dia chegam dois homens para caçar. Um deles usa óculos, é o Dr. José Lourenço, que estranha o olhar de Miguilim, faz alguns testes e percebe que ele é míope - “Esse rapazinho tem a vista curta”.

Põe seus óculos no garoto, que descobre a beleza do mundo pela primeira vez, e se deslumbra com o que vê. O médico gosta do menino e faz um convite para que volte com ele para a cidade, para estudar.

Miguilim fica indeciso, mas a mãe aconselha-o a ir - é sua grande chance de ser alguém na vida - “Mãe, é o mar?”

Toma banho, apronta-se para a viagem. Rosa prepara o lanche.

Antes de partir, pede emprestados os óculos mais uma vez. Achou o Mutum bonito, todos da família lindos: “Tio Terez parece com Pai...”

Todos choram, até o doutor seca uma lágrima furtiva.

Miguilim soluça: lembra do Dito, da Cuca, do Pai... “Sempre alegre, Miguilim!... Sempre alegre, Miguilim!...” Nem sabia o que era mais alegria ou tristeza.

Recebe os beijos da mãe e os doces da Rosa, para a viagem.