Contos Novos - Mário de Andrade

CONTOS NOVOS - Mário de Andrade

CONTEXTO HISTÓRICO

1885 - início da reurbanização do centro de São Paulo.

1889 - proclamação da República, eletrificação urbana.

1911 - inauguração do Teatro Municipal de São Paulo.

1913 - começa construção da Catedral Sé (estilo gótico).

República "café com leite" (cafeicultores)

1914-18 - Grande Guerra: crescimento da industrialização nacional, parque industrial e substituições de importações. Processo de imigração iniciado no final do século XIX. Greves. Influência dos movimentos de vanguarda europeus. São Paulo - locomotiva do Brasil.

1917 - Anita Malfatti: exposição - pintura expressionista e cubista.

1922 - Semana da Arte Moderna - início do Modernismo. Partido Comunista. Os 18 do Forte de Copacabana.

1929 - Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque.

1930 - Revolução e ascensão de Getúlio Vargas.

1930 até 1945 - Estado Novo. Segunda Guerra e ascensão do Nazifascismo. Década de 20: publicação de revistas e manifestos; Pau Brasil (1924); Verde-Amarelismo (1926); Antropófago (1928); Escola de Anta (1929); Sentimento de Unidade do NE.

Vida e Obra

Mário Raul de Morais Andrade (São Paulo, 1893 - São Paulo, 1945)

Nasce em São Paulo, em 9 de outubro de 1893, filho de Carlos Augusto de Andrade e Dona Maria Luíza (família pequeno - burguesa).

Enfrentou dificuldades para concluir seus estudos regulares (notas baixas, reprovações e críticas).

Em 1911 começa a estudar no Conservatório Dramático e Musical e descobre sua grande paixão: música.

Em 1917 perde o pai, forma-se no Conservatório, conhece Oswald de Andrade e Anita Malfatti e publica seu primeiro livro, uma gota de Sangue em Cada Poema.

Em 1922 lidera a realização da Semana da Arte Moderna. É nomeado professor do conservatório musical;

Publica seu livro de poemas Pauliceia Desvairada e participa da fundação da revista "Klaxoiv".

Logo adquire fama e respeito, por sua cultura e erudição.

Entre 1924 e 1929 empreende viagens por Minas Gerais, Amazonas e NE brasileiro, cujos folclores pesquisou e imortalizou em livros como Clã do Jabuti, Macunaíma, Ensaio sobre a Música Brasileira. Valoriza tanto o erudito como o popular.

Chefiou o Departamento de Cultura de São Paulo entre os anos de 1934 e 1938. Nesse posto, cria a principal Biblioteca de São Paulo, que recebe seu nome.

Em 1938 é afastado do cargo por motivos políticos e muda-se para o Rio de Janeiro, onde leciona Filosofia e História da Arte.

Volta a São Paulo em 1944 e trabalha no Patrimônio Histórico. Nessa ocasião, refaz as histórias de Contos Novos.

Falece em 25 de fevereiro de 1945, deixando uma obra extensa e admirável.

POESIA: Há uma Gota de Sangue em Cada Poema; Pauliceia Desvairada; Losango Cáqui ou Afetos Militares de Mistura com os Porquês de Eu Saber Alemão; Clã do Jabuti; Remate de Males; Poesias; Lira Paulistana (seguida de O Carro da Miséria).

PROSA: Primeiro Andar; Amar, Verbo Intransitivo; Macunaíma, o Herói sem Nenhum Caráter; Belazarte; Contos Novos; Táxi e Crônicas no Diário Nacional; O Furista Aprendiz.

ENSAIOS, CRÍTICA E CARTAS: A Escrava que não é Isaura; Ensaio sobre a Música Brasileira; Compêndio de História da Música; Modinhas Imperiais; Música, Doce Música; Namoros com a Medicina; Música do Brasil; O Movimento Modernista; Aspectos da Literatura Brasileira; O Baile das Quatro Artes; Padre Jesuíno de Monte Carmello; O Empalhador de Passarinho; Curso de Filosofia e História da Arte; Cartas de Mário de Andrade e Manuel Bandeira; Danças Dramáticas do Brasil; Música da Feitiçaria no Brasil; Aspectos da Música Brasileira; Aspectos das Artes Plásticas no Brasil; 71 Cartas de Mário de Andrade; Mário de Andrade (depoimentos 2); Cartas a Manuel Bandeira; Mário de Andrade Escreve Cartas a Alceu, Meyer e Outros; O Banquete; Cartas e um Jovem Escritor (correspondência de Mário de Andrade a Fernando Sabino) Cartas a Murilo Miranda; Itinerários (cartas a Alphonsus de Guimarães e Filho); Mário de Andrade por Ele Mesmo (correspondência entre Paulo Duarte e Mário de Andrade e entre Sérgio Milliet e Mário de Andrade); A Lição de Amigo (cartas a Carlos Drummond de Andrade).

OBRA COMPLETA: Obras Completas (em 20 volumes).

CONTOS NOVOS

A primeira edição dos Contos Novos data de 1947, dois anos após o falecimento de seu autor. O projeto original de Mário de Andrade previa a publicação de doze contos, escritos e reescritos entre os anos de 1930 e 1945, com o título de Contos Piores. Não conseguiu cumpri-lo em vida. Além disso, saíram só nove contos, porém verdadeiras obras-primas: "Com a velhice que está chegando, vivo apaixonado pela forma do conto, a sua concisão honesta a sua essência de comunicação direta do artista com o leitor", confessou Mário em entrevista, poucos meses antes da sua morte.

I - "Vestida de Preto"

O conto é narrado em primeira pessoa, por Juca, alter ego de Mário de Andrade, que começa comentando "não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade" e fala em seguida sobre suas relações familiares, diferenciando seu amor por Maria ("prima longínqua que frequentava a nossa casa") e pela Mãe ("jamais sofri do complexo de Édipo, graças a Deus").

Passa a narrar as "brincadeiras de família", de que se ocupava a criançada, sempre que se reunia, principalmente na casa de Tia Velha: "era suavíssimo e assustador".

Em uma dessas festas, já com "nove ou dez anos", Juca e Maria descobrem o amor: beijam-se pela primeira vez, no quarto repleto de doces. A experiência é fantástica, iluminada: "O beijo me deixara completamente puro, sem minhas curiosidades nem desejos de mais nada, adeus pecado e adeus escuridão! Se fizera em meu cérebro uma enorme luz branca, (...), proibindo pensar, imaginar, agir. Beijando."

Mas Tia Velha ("o tipo da bondade Berlitz, injusta, sem método") flagra-os no ato, expulsando-os do quarto - e do Paraíso, culpados do pecado.

A partir desse dia, as relações entre os primos "esfriaram". Maria passa a esnobá-lo: "Não caso com bombeado", ofende-o, aos quinze anos. Juca beija os livros simbolicamente: "era o segundo beijo que eu dava em Maria, último beijo, beijo de despedida, que o cheiro desagradável do papelão confirmou. Estava tudo acabado entre nós dois."

Juca descobre o amor pelos estudos; "Maria, por seu lado, parecia uma doida. Namorava com Deus e todo o mundo, aos vinte anos fica noiva de um rapaz bastante rico, noivado que durou três meses e se desfez de repente, para depois ela ficar noiva de outro, um diplomata riquíssimo, casa em duas semanas com alegria desmedida rindo muito no altar e partir em busca duma embaixada europeia, com o secretário, com o secretário chique seu marido".

Cinco anos depois, em visita à mãe de Juca, a mãe de Maria acusa-o de não querer a filha: "- Pois é, Maria gostou tanto de você, você não quis! ... e agora ela vive longe de nós.

Pela terceira vez fiquei estarrecido neste conto."

Mais um momento de epifania - Juca descobre que sempre estivera apaixonado pela prima, apesar de Violeta (para de dia ) e de Rose (para de noite). Toma uma bebedeira, naquela noite.

Maria, descasada, volta. Juca sente-se obrigado a visitá-la, na casa dos pais, "gente ricaça". A emoção do reencontro é forte: "Maria estava na porta, olhando pra mim, se rindo, toda vestida de preto. Olhem: eu sei que a gente exagera em amor... Mas se eu já tive a sensação da vontade de Deus, foi ver Maria assim, toda de preto vestida, fantasticamente mulher. Meu corpo soluçou todinho e tornei a ficar estarrecido.

"- Ao menos diga boa-noite, Juca..."

"Boa-noite, Maria, eu vou-me embora"... Meu desejo era fugir, era ficar e ela ficar mas, sim, sem que nos tocássemos"...

Com a alusão ao poema de Castro Alves, abre-se um leque de interpretações para o desfecho do conto: assustado com a sensualidade e sedução da moça, saudoso da lembrança do amor puro da infância, indeciso entre aceitar ou não o oferecimento que percebe nos olhos da prima ... Juca foge, definitivamente: "Um segundo, me passou na visão conturbada numa hora estilhaçada de quarto de hotel, foi horrível. Porém, não havia dúvida: Maria despertava em mim os instintos da perfeição. Balbucei afinal um boa-noite muito indiferente, e as vozes amontoadas vinham do hol, dos outros que chegavam."(Rio, 1939 - S. Paulo, 17-11-43)

II - "O Ladrão"

Narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, este conto tematiza a vida em um bairro operário de S. Paulo, no início dos anos 40. No meio da noite, um grito assustador de "Pega ladrão" espalha-se pelo bairro, acordando os moradores do cortiço, das casinhas, dos sobrados...

Solidários, os vizinhos se unem na perseguição, pela madrugada: os homens se organizam, as mulheres confraternizam-se, recebem crianças e vizinhos em casa. Servem café. No meio da pequena aglomeração soa um violino a tocar uma valsa triste. Todos aplaudem o violinista solitário. Ele bisa - a mesma música, pois só sabe uma!

A "caçada" resulta inútil, apesar de algumas visões do ladrão (alucinação coletiva) sobre as casas. Aproxima-se do grupo a "mulher do português das galinhas", "a vergonha do quarteirão", espalhando "um cheiro de cama quente" que perturba e excita os sete homens ali reunidos.

A italiana reage, não distribuindo café para eles, num gesto ostensivo de censura. Quebra-se a ilusão de confraternização.

O grupo vagarosamente se dispersa: alguns voltam para o recesso das casas, outros se dirigem ao ponto do bonde.

O bairro volta a rotina (1930 - 1941 - 1942)

III - Primeiro de Maio

Um narrador onisciente, em terceira pessoa, narra um dia "muito especial" na vida do 35, um carregador anônimo de malas da Estação da Luz. Imbuído de um profundo amor à pátria, o jovem sonhador planeja comemorar o dia universal do trabalho intensamente: levanta-se às 6 horas da manhã, veste-se de verde-amarelo (literalmente), toma banho, café e sai, disposto a "curtir" o 1º de maio. Quando se dá conta, percebe que está se dirigindo ao local de trabalho, onde seus companheiros, já sem ilusões, ridicularizam-no. Não se deixa abater - percorre diversos pontos da região central de São Paulo, onde espera participar de manifestações coletivas de protesto: Jardim da Luz, Brás, Parque D. Pedro, Estação da Luz, Praça da Sé, de novo em casa para o almoço, de volta ao Palácio das Indústrias, sede das comemorações oficiais.

Por todos os lados, o aparato policial inibe a formação de grupos e direciona a comemoração da data. Tomado de profunda frustração e rancor, o chapinha 35 vê seus camaradas como "fortes tão fracos" e fica horas parado, "diz que olhando a multidão". Sente-se ridículo na sua fantasia de bandeira do Brasil. Revolta-se. Sente ódio. Quer incendiar, agredir lugares públicos; em seguida, percebe que sua ira deve ser dirigida ao governo - ele é que precisa ser destruído (crítica à censura do Estado Novo); rejeita os gaúchos, torce pelos paulistas (seu nome é uma alusão ao golpe de estado de 1935, que revogou a Constituição de 34).

No final da tarde, totalmente desiludido, volta à Estação da Luz, onde confessa aos companheiros sua frustração. Chega um trem lotado. Os carregadores disputam as malas. O velhote da chapinha 22 (alusão à data da fundação do PC do B) não dá conta de carregar duas malas pesadas. No único gesto heroico do dia, ajuda fraternalmente o amigo a carregar seu fardo: "E foi escolhendo as duas malas maiores, que ergueu numa só mão (...). O 22 olhou para ele, feroz, imaginando que 35 propunha rachar o galho. Mas o 35 deu um soco só de pândega no velhote, que estremeceu socado e cambaleou três passos. Caíram na risada os dois." (p. 46).