TEXTO I
O DIREITO À LITERATURA

Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível,1 todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações.

Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação*. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa vontade.2 E durante a vigília a criação ficcional está presente em cada um de nós, como anedota, história em quadrinhos, noticiário policial, canção popular. Ela se manifesta desde o devaneio no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance.

Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.

Podemos dizer que a literatura é o sonho acordado das civilizações.3 Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade,4 inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente.

Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles. Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.

Antonio Candido
Adaptado de Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

* fabulação − ficção

TEXTO II
O PRIMO BASÍLIO

Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. E estava muito nervosa: não pudera dominar, desde pela manhã, um medo indefinidoi que lhe fizera pôr um véu muito espesso, e bater o coração ao encontrar Sebastião. Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com um estremecimentozinho de prazer. − Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações excepcionais! Havia tudo − a casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações do perigo! Porque o aparato impressionava-a mais que o sentimento; e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que Basílio!ii Como seria? (...) Desejaria antes que fosse no campo, numa quinta1, com arvoredos murmurosos e relvas fofas; passeariam então, com as mãos enlaçadas, num silêncio poético; e depois o som da água que cai nas bacias de pedra daria um ritmo lânguido2 aos sonhos amorosos... Mas era num terceiro andar − quem sabe como seria dentro? (...)

E ao descer o Chiado3, sentia uma sensação deliciosa em ser assim levada rapidamente para o seu amante, e mesmo olhava com certo desdém os que passavam, no movimento da vida trivial − enquanto ela ia para uma hora tão romanesca da vida amorosa! (...) Imaginava Basílio esperando-a estendido num divã de seda; e quase receava que a sua simplicidade burguesa, pouco experiente, não achasse palavras bastante finas ou carícias bastante exaltadas. Ele devia ter conhecido mulheres tão belas, tão ricas, tão educadas no amor! Desejava chegar num cupê4 seu, com rendas de centos de mil-réis, e ditos tão espirituosos como um livro...

A carruagem parou ao pé duma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole e salobre5 enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía, e a umidade fizera nódoas6. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás duma portinha, ao lado, sentia-se o ranger dum berço, o chorar doloroso duma criança.

(...)

Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de ferro com uma colcha amarelada, feita de remendos juntos de chitas diferentes; e os lençóis grossos, dum branco encardido e mal lavado, estavam impudicamente7 entreabertos...

Eça de Queirós
Obras de Eça de Queiroz. Porto: Lello & Irmão, s/d.

1 quinta − pequena propriedade campestre
2 lânguido − sensual
3 Chiado − bairro de Lisboa
4 cupê − antiga carruagem fechada
5 salobre − salgado
6 nódoas − manchas
7 impudicamente − sem pudor

TEXTO III
QUAL ROMANCE VOCÊ ESTÁ LENDO?

Sempre pensei que fosse sábio desconfiar de quem não lê literatura. Ler ou não ler romances é para mim um critério. Quer saber se tal político merece seu voto? Verifique se ele lê literatura. Quer escolher um psicanalista ou um psicoterapeuta? Mesma sugestão. E, cuidado, o hábito de ler, em geral, pode ser melhor do que o de não ler, mas não me basta: o critério que vale para mim é ler especificamente literatura − ficção literária.

Você dirá que estou apenas exigindo dos outros que eles sejam parecidos comigo. E eu teria de concordar, salvo que acabo de aprender que minha confiança nos leitores de ficção literária é justificada. Algo que eu acreditava intuitivamente foi confirmado em pesquisa que acaba de ser publicada pela revista Science, “Reading literary fiction improves theory of mind” [Ler ficção literária melhora a teoria da mente], de David C. Kidd e Emanuele Castano.

Kidd e Castano aplicaram esses testes em diferentes grupos, criados a partir de uma amostra homogênea: 1) um grupo que acabava de ler trechos de ficção literária, 2) um grupo que acabava de ler trechos de não ficção, 3) um grupo que acabava de ler trechos de ficção popular, 4) um grupo que não lera nada. Conclusão: os leitores de ficção literária enxergam melhor a complexidade do outro e, com isso, podem aumentar sua empatia e seu respeito pela diferença de seus semelhantes. Com um pouco de otimismo, seria possível apostar que ler literatura seja um jeito de se precaver contra sociopatia e psicopatia*.

A pesquisa mede o efeito imediato da leitura de trechos literários. Não sabemos se existem efeitos cumulativos da leitura passada: o que importa não é se você leu, mas se está lendo. A pesquisa constata também que a ficção popular não tem o mesmo efeito da literária. A diferença é explicada assim: a leitura de ficção literária nos mobiliza para entender a experiência das personagens. Segundo os pesquisadores, “contrariamente à ficção literária, a ficção popular tende a retratar o mundo e as personagens como internamente consistentes e previsíveis. Ela pode confirmar as expectativas do leitor em vez de promover o trabalho de sua teoria da mente”.

Na próxima vez em que eu for chamado a sabatinar um candidato a um emprego, não me esquecerei de perguntar: qual é o romance que você está lendo?

Contardo Calligaris
Adaptado de www1.folha.uol.com.br.

* sociopatia e psicopatia − doenças psicológicas caracterizadas pelo comportamento antissocial

PROPOSTA DE REDAÇÃO

O psicanalista Contardo Calligaris defende que se avalie o valor de uma pessoa, um político ou um profissional, verificando se eles leem literatura.

A partir da leitura do conjunto dos textos desta prova e de suas próprias reflexões, redija um texto argumentativo-dissertativo, em prosa, com 20 a 30 linhas, em que apresente seu posicionamento acerca do ponto de vista defendido por Calligaris, ou seja, de que é preciso levar em conta a leitura de literatura para avaliar a formação e os valores de uma pessoa. Utilize a norma-padrão da língua e atribua um título à sua redação.

Comentário da questão:

A redação representa um desdobramento da tarefa de leitura e interpretação dos diversos aspectos sugeridos pelos textos da prova, que deverão ser articulados a reflexões próprias. Em relação ao tema proposto, Contardo Calligaris defende que é preciso levar em conta a leitura da literatura de uma pessoa para melhor avaliar a sua formação e os seus valores. Ele argumenta que a literatura leva o leitor a se pôr facilmente no lugar do personagem ou do narrador, aprendendo dessa maneira a se pôr também no lugar dos outros na vida real. Dessa maneira, o leitor desenvolve empatia e respeito pelos outros, condições fundamentais para viver e trabalhar em grupo. A redação pede que o candidato discuta essa tese e esses argumentos, tomando uma posição própria a respeito deles. A avaliação é feita em cinco itens: adequação ao tema (se o enfrenta, se se distancia dele ou se apenas o tangencia); tipo de texto (se o propósito dissertativo é claro ou difuso); desenvolvimento da argumentação (se argumenta com pertinência, suficiência e coerência); estruturação do período e coesão (se constrói os períodos de maneira clara e coesiva); modalidade (se domina ou não a variedade padrão da língua).

Fonte: UERJ

UERJ 2015 - Prova Discursiva - Segunda Fase

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