Período Joanino

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O Período Joanino se iniciou em 1808, quando a Corte portuguesa e o rei D. João VI se mudaram para o Brasil, e se encerrou em 1821, quando esse rei retornou a Portugal. Durante o Período Joanino, a família real portuguesa habitou a cidade do Rio de Janeiro.

TRANSMIGRAÇÃO DOS BRAGANÇAS

Visando a abalar a economia da Grã-Bretanha, Napoleão I, imperador da França, editou em 1806 o Decreto de Berlim, que instituía o bloqueio de todos os portos do Continente Europeu às manufaturas britânicas. Essa medida se tornou conhecida pelo nome de " Bloqueio Continental".

Em seguida, para o apoio de Portugal -- tradicional aliado da Inglaterra -- para sua iniciativa, ordenou ao embaixador francês em Lisboa, M. Rayneval, que fizesse ao príncipe regente D. João as seguintes exigências:

  • imediata declaração de guerra à Inglaterra.
  • fechamento dos portos portugueses às embarcações britânicas.
  • incorporação das belonaves lusas à poderosa esquadra francesa.
  • sequestro dos bens de todos os súditos residentes em Portugal.

Para ganhar tempo, o príncipe português deu início a um dúbio jogo diplomático. Em primeiro lugar, propôs à Coroa Inglesa que simulasse estar em conflito aberto com Portugal. Recusado o pedido, em outubro de 1807, D. João determinou que se fechassem os portos do Reino às naus destinadas à Inglaterra ou provenientes do país. Logo após, dando prosseguimento à sua inequívoca política antibritânica, a Coroa lusa decretou a prisão dos cidadãos ingleses sediados em terra portuguesas e o confisco de seus bens.

Ao imperador francês, no entanto, não agradou a hesitante política do regente. A 27 de outubro de 1807, em Fontainebleau, Napoleão assinou um acordo secreto com o governo de Madri, segundo o qual Portugal e seus territórios ultramarinos seriam partilhados entre França e Espanha. Para a Inglaterra, ameaçada pelo poderoso inimigo francês -- Napoleão reunira todo o Continente Europeu em seu sistema de dominação -- era vital a permanência de Portugal em sua esfera de influência.

Entretanto, a Coroa Britânica não tinha condições de oferecer ao aliado lusitano auxílio eficaz contra a agressão bonapartista. Ciente da perda do território continental luso, a Grã-Bretanha procurou obter uma compensação mediante o domínio da grande colônia portuguesa da América. Nesse sentido, ainda em outubro de 1870 -- graças à hábil mediação do plenipotenciário inglês em Lisboa, Lord Strangford -- ministros portugueses e britânicos assinaram uma convenção secreta em Londres. Esse acordo determinava a transferência temporária da sede da monarquia lusitana para o Brasil. A 29 de novembro de 1807, com tropas invasoras franco-espanholas já às portas de Lisboa, a Corte embarcou para o Continente Americano.

O embarque da Família Real de Bragança, acompanhada por altos dignatários da nobreza, do clero, do funcionalismo e das forças militares, realizou-se sob chuvas torrenciais. A mando do príncipe D. João, a demente rainha D. Maria I, em meio a brados de desespero e protesto contra a retirada do governo para o Brasil, foi carregada à força para o interior de uma das naus.

Aos lamentos da rainha, juntaram-se as vaias do povo, revoltado com a fuga da Família Real.

Durante a viagem, a esquadra lusitana, comboiada por uma flotilha britânica sob o comando de Sidney Smith enfrentou forte tempestade. Em consequência, algumas naus, inclusive a que trazia D. João, foram obrigadas a aportar em Salvador, a 22 de janeiro de 1808. Dias depois, o regente prosseguia sua viagem, chegando ao Rio de Janeiro em meio a ruidosas comemorações, a 7 de março.

POLÍTICA ECONÔMICO-FINANCEIRA DE D. JOÃO

Logo após o desembarque, ainda em Salvador, o governador português declarou abertos, em caráter provisório, os portos da Colônia a "todas as nações amigas", franqueando-os ao comércio internacional (Carta Régia de 28 de janeiro de 1808).

Essa medida, aconselhada por José da Silva Lisboa (futuro Visconde de Cairu), correspondeu a uma imposição da nova realidade implantada com o advento da Corte Lusa, ou seja, à necessidade de fornecer recursos ao erário público para a montagem de um aparelho administrativo no Brasil. Dessa necessidade resultou a principal consequência da abertura dos novos portos: a fixação da tarifa alfandegária única de 24% ad valorem. A abertura dos portos teve ainda outras consequências importantes:

  • fez diminuir consideravelmente o contrabando, atividade até então em franco progresso na colônia brasileira.
  • forneceu recursos à Real Fazenda.
  • estimulou as trocas internacionais.
  • impossibilitou, em virtude do grande afluxo de mercadorias estrangeiras, o surgimento de manufaturas brasileiras.
  • deu "status" de cidade aos portos instituídos oficialmente (além disso, a grande afluência de naus estrangeiras aumentou a importância dos portos do Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luís, Belém, e , em menor escala, Desterro, Rio Grande e Santos).

Em decorrência do ato de abertura dos portos, a Inglaterra, cujas manufaturas inundaram o mercado da Colônia, praticamente excluiu a burguesia portuguesa do comércio brasileiro. Eliminadas as restrições monopolistas do Pacto Colonial (o exclusivo), base em que se assentara a dominação metropolitana, Portugal e sua camada mercantil passaram a não dispor de condições para enfrentar a concorrência estrangeira.

Além disso, a Grã-Bretanha logo cuidara de preservar a libertação comercial de que se fizera a grande beneficiária.

Em 1810, Lord Stangford -- apoiado na maciça presença naval inglesa em águas brasileiras -- e Rodrigo de Souza Coutinho, líder da facção anglófila que cercava o príncipe regente, firmavam dois tratados. Um deles dispunha sobre comércio e navegação, e o outro, sobre amizade e aliança. Ambos confirmaram o controle britânico sobre a vida econômica e financeira do Brasil.

Dentre as obrigações que compunham esses acordos, destacavam-se as seguintes:

  • tarifas alfandegárias preferenciais para as mercadorias inglesas ("no decreto de abertura dos portos fixa-se um direito geral de importação para todas as nações de 24% ad valorem. As mercadorias portuguesas seriam beneficiadas depois com uma taxa reduzida de 16%. Pelo Tratado de 1810, a Inglaterra obteve uma tarifa preferencial de 15%, mais favorável, portanto, à própria outorgada a Portugal" - Caio Prado Júnior)
  • D. João obrigava-se a não permitir o estabelecimento da Inquisição na América portuguesa.
  • o príncipe regente comprometia-se a abolir gradualmente o tráfico de escravos negros para o Brasil.
  • os súditos ingleses residentes no Brasil escolheriam seus próprios juízes; entretanto, nos domínios britânicos, os cidadãos luso-brasileiros estariam sujeitos à legislação britânica.

Na verdade, os tratados firmados em 1810 objetivavam:

  • assegurar a presença de uma esquadra inglesa em águas brasileiras.
  • manter o livre comércio.
  • obter liberdade de moradia e religião para os súditos ingleses aqui residentes.
  • fazer do Brasil a base para a conquista do comércio platino.
  • assegurar à Dinastia Bragança, fiel aliada da Inglaterra, a permanência no Trono Português.
  • proteger a posição comercial das colônias britânicas em relação a seu mercado metropolitano (os principais produtos agrícolas do Brasil -- o açúcar e o algodão, já cultivados nos domínios ingleses -- não interessavam, portanto, ao comércio britânico. Para a Inglaterra, nosso país era um mercado consumidor, e não fornecedor).
  • garantir para a Inglaterra o direito de nomear cônsules no Brasil.

A vinda da Família Real portuguesa modificou radicalmente a situação do Brasil que, de simples Colônia, ascende à posição de sede da Monarquia de Bragança.

Desse fato decorreu a necessidade de se realizar ampla reforma na vida econômica brasileira. Nesse sentido, tomaram-se diversas medidas, todas elas destinadas a abolir os antigos entraves à produção e ao comércio coloniais.

O alvará de 1º de abril de 1808 permitiu o estabelecimento de fábricas manufatureiras. A 30 de janeiro de 1810, o príncipe autorizou a livre venda de mercadorias pelas ruas e casas. Para justificar sua determinação, o regente alegou que o interesse geral exigia que fosse livre a todos os súditos buscar "na útil divisão do trabalho, conforme a escolha de cada um, os meios de subsistência".

Em prosseguimento à liberalização econômica, o alvará de 28 de setembro de 1811 possibilitou o comércio de quaisquer gêneros não expressamente vedados em lei.

A 18 de julho de 1814, permitiu-se a livre entrada de navios de qualquer nação nos portos dos Estados portugueses e a saída dos nacionais para portos estrangeiros.

Por fim, a 11 de agosto de 1815, suspenderam-se as proibições à ourivesaria, estabelecidas pela Carta Régia de 30 de julho de 1766.

Entretanto, a política econômica de D. João caracterizou-se por atitudes contraditórias. Desde sua chegada, o regente oscilou entre a necessidade de liberalizar a economia colonial e a de proteger os interesses da burguesia lusitana. Essa situação o levou a adotar, inúmeras vezes, posições e medidas de cunho mercantilista.

A plena aceitação dos princípios do livre-cambismo significaria destruir os fundamentos sobre os quais se apoiava a dominação reinol. Por outro lado, a nova realidade brasileira impossibilitava a manutenção dos embargos monopolistas do "exclusivo metropolitano". Os conflitos de interesse decorrentes desses fatores acentuaram as divergências de interesse entre os colonos e os comerciantes e agentes do Reino.

Para os brasileiros, era essencial a contínua ampliação da liberdade adquirida. Para os portugueses, era chegado o momento de restringi-la. A política de D. João, dúbia e vacilante, viria acentuar as contradições entre a Colônia e a Metrópole, tornando inevitável o rompimento entre ambas.

REALIZAÇÕES JOANINAS

Com a transformação do Brasil em sede da monarquia portuguesa, tornou-se necessário transferir para o Rio de Janeiro secretarias de Estado, tribunais e outras repartições públicas, antes estabelecidas em Lisboa. Também havia necessidade de adaptar à nova ordem os organismos administrativos aqui instalados.

A 11 de março de 1808, D. João, dando início a uma ampla reforma do aparelho estatal, nomeou os titulares dos ministérios que deveriam funcionar em nosso país: o da Guerra e Estrangeiros coube a D. Rodrigo de Souza Coutinho, depois, Conde de Linhares; o do Reino foi entregue a D. Fernando José de Portugal e Castro, futuro Marquês de Aguiar; o da Marinha coube ao Visconde de Anadia e o da Fazenda, a Antônio de Araújo de Azevedo, Conde de Barca.

O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro foi elevado à condição de "Casa Suplicação", passando a julgar, em última instância. Em seguida, o príncipe criou os Tribunais de Relação do Maranhão e Pernambuco e novas comarcas espalhadas por todo o território brasileiro, nomeando os respectivos juízes-de-fora. No setor militar, fundaram-se o Hospital e o Arquivo Militar, inúmeras academias bélicas e a Fábrica de Pólvora, além de se proceder à ampliação dos arsenais da Guerra e da Marinha.

Também as províncias se beneficiaram com a renovação administrativa do período joanino. As capitanias do Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Santa Catarina, antes subalternas passaram à categoria de autônomas.

Além disso, duas outras foram, então, criadas pelo regente: Alagoas e Sergipe D´el-Rei.

Com todos esses melhoramentos, o Brasil paulatinamente deixava de ser Colônia. A 16 de dezembro de 1815, um novo passo era dado em direção a independência: o Brasil era elevado à condição de Reino Unido ao de Portugal e Algarves.

A POLÍTICA EXTERNA DE D. JOÃO

A Ocupação da Guiana Francesa

Recém-chegado ao Brasil, o príncipe D. João historiou, em manifesto datado de 1º de maio de 1808, as razões e os principais eventos do conflito, entre o seu país e a França, cujo clímax fora a invasão do território metropolitano de Portugal. Pouco depois, a 10 de junho , o regente assinaria uma declaração de guerra a Napoleão. Entretanto, não dispondo de recursos para grandes cometimentos, D. João limitou-se a enviar uma expedição militar à Guiana Francesa.

Cumprindo as determinações de D. João, o governador do Pará, tenente-general José Narciso de Magalhães Meneses, organizou a referida expedição, comandada pelo tenente-coronel Manuel Marques d´Elvas Portugal, com a finalidade de subjugar com rapidez a possessão francesa. Após receberem reforços de terra e de mar, inclusive uma pequena contribuição naval inglesa, representada por uma flotilha capitaneada por James Lucas Yeo -- as forças luso-brasileiras passaram à ofensiva, marchando contra Caiena. A 12 de janeiro de 1809, depois de uma semana de simbólicos combates, o governador francês Victor Hughes capitulou, entregando a praça sob a condição de serem concedidas a seus soldados "honras de guerra" e assegurado seu transporte até a França.

A Guiana Francesa permaneceu em poder da Dinastia de Bragança durante quase nove anos, tendo sido governada pelo desembargador brasileiro João Severino Maciel da Costa, marquês de Queluz. Após a queda de Napoleão Bonaparte, Portugal, com o governo restaurador de Luís XVIII, propôs o restabelecimento da paz com a França.

Finalmente, em 1817, graças às disposições do Congresso de Viena, cessou a ocupação da Guiana, que foi restituída à soberania gaulesa.

Conquista da Cisplatina

Diversos foram os motivos que provocaram as intervenções luso-brasileiras no rio da Prata, durante o período de permanência da corte lusitana no Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, havia necessidade de impedir que a região fosse anexada por Bonaparte, pois este fatalmente estenderia sua política de ocupação às colônias castelhanas na América, uma vez que já dominava o território metropolitano espanhol. Esse motivo foi suficiente para justificar a oferta de proteção que, em nome do príncipe regente D. João, o ministro da Guerra e Estrangeiros, D. Rodrigo de Souza Coutinho, formulou em 1808 ao "Cabildo de Buenos Aires" (Câmara de Vereadores). Entretanto, como o governo do Rio de Janeiro mantinha estreitas relações com a Inglaterra e esta, anos antes, por duas vezes, procurara apossar-se daquela cidade portenha, foi recusado o oferecimento brasileiro, que provocara a desconfiança da burguesia mercantil de Bueno Aires em relação aos propósitos imperialistas luso-britânicos. Mas os portugueses contavam com outro argumento para interferir na região do Rio da Prata. Napoleão aprisionara todos os homens da família real espanhola de Bourbon, objetivando implantar em Castela a dinastia francesa. Nessas circunstâncias, D. Carlota Joaquina, a ambiciosa esposa de D. João, pertencendo à casa real castelhana , julgou que poderia se apresentar aos povos da Prata como sendo herdeira do trono da Espanha, estando, por conseguinte, habilitada a exercer uma "regência" na região.

Outro motivo da intervenção luso-brasileira foi a criação independente das Províncias Unidas do Rio da Prata e o fato de estas, julgando-se sucessoras naturais do antigo vice-reino espanhol com sede em Bueno Aires, ambicionarem a anexação do Peru, do Paraguai e de toda a banda oriental do Rio da Prata. Finalmente, outra razão da atitude firme do governo do Rio de Janeiro, relativamente aos assuntos platino, foi a necessidade de manter a fronteira conquistada durante a Guerra das Laranjas, em 1801, quando foram incorporados ao Brasil os Sete Povos das Missões do Uruguai.

Com a libertação de Buenos Aires do domínio da Espanha, à qual permaneceu fiel o governo de Montevidéu, não tardou que os argentinos procurassem estabelecer aliança com os elementos que, a Banda Oriental, eram também partidários da autonomia política. Assim, passaram a enviar tropas e recursos em apoio às colônias sublevadas da margem oriental, chegando, então, as guerrilhas à fronteira do Brasil.

O governo do Rio de Janeiro não poderia ficar indiferente à delicada e instável situação fronteiriça. Registrados os primeiros incidentes na linha divisória, D. João fez saber ao plenipotenciário espanhol Marquês de Casa-Irujo, que, embora não quisesse conquistar nenhum território pertencente à Coroa de Espanha, via-se obrigado a invadir e ocupar militarmente a Banda Oriental, com a finalidade de debelar a causa das perturbações aí em curso.

Realizando uma decisiva ação militar, D. Diogo de Souza, governador da Capitania de São Pedro, cruzou a fronteira, tomou Cerro Largo e, por Santa Teresa, atingiu a localidade de Maldonado. Diante da superioridade bélica das tropas luso-brasileiras, as forças de José Gervásio Artigas -- líder do movimento de independência do Uruguai -- foram obrigados a recuar, bem como as do argentino Rondeau, seu aliado.

Desafogada nossa fronteira meridional e atingidos, portanto, os objetivos desejados, registrou-se certa precipitação em negociar um armistício, devido à pronta intervenção da Inglaterra, interessada em evitar a implantação do imperialismo luso-brasileiro no Prata. Assim, conforme as disposições de um convênio firmado em 1812, as nossas tropas foram retiradas da Banda Oriental.

A primeira intervenção luso-brasileira não foi totalmente eficaz, pois seus efeitos acabaram sendo anulados pelas agitações de 1812 a 1816, quando Buenos Aires voltou a manifestar seu apoio aos rebeldes orientais. Renovando-se, então, as incursões ao território brasileiro, o governo português do Rio de Janeiro, mais uma vez, agiu militarmente.

Em 1816, forças luso-brasileiras novamente atravessaram a fronteira. Comandava-as Carlos Frederico Lecor, que trouxe de Lisboa 5 000 homens, artilharia pesada e cavalaria para a nova incursão militar. Lecor partiu do Rio de Janeiro por mar, desembarcou em Santa Catarina, seguindo por terra em busca do inimigo, enquanto a esquadra se preparava para adentrar o Rio da Prata e bombardear Montevidéu. Logo, as tropas luso-brasileiras obtiveram a vitória de Índia Muerta e a esquadra ocupou Montevidéu, a 20 de janeiro de 1817.

Para resistir à invasão, Artigas, o grande patriota uruguaio, não contou com o apoio do governo de Buenos Aires, então chefiado pelo caudilhesco "El Supremo" Juan de Pueyrredón, que lhe exigiu, como condição de ajuda, a incorporação do Uruguai à República Argentina. Mesmo assim, Artigas lutou desesperadamente durante três anos pela independência de seu país. Finalmente, em 1820, suas forças foram esmagadas em Taquarembó. Completava-se dessa forma a ocupação luso-brasileira da Banda Oriental.

Enquanto na América registravam-se esses acontecimentos, na Espanha, com a queda de Napoleão, voltavam ao trono os Bourbon, na pessoa do Rei Fernando VII. Por sua ordem, embaixadores espanhóis protestaram no Congresso de Aix-la Chapelle contra a invasão luso-brasileira da Banda Oriental. Respondendo às acusações o Conde de Palmela, representante de Portugal, declarou que o seu governo evitara que aquela região fosse incorporada às Províncias Unidas do Rio da Prata e estava pronto para restituí-la à Espanha, caso esta o indenizasse pelas despesas decorrentes das operações militares levadas a efeito pela dinastia de Bragança. Recusando a proposta, Fernando VII anunciou a formação de um exército, cujo objetivo seria a reconquista pela força dos domínios americanos de Castela.

Na impossibilidade de tratar com a Espanha, viu-se o governo de D. João VI forçado a negociar com o único poder constituído da Banda Oriental, a Cabildo de Montevidéu, tendo em vista a fixação da fronteira do Brasil com o Uruguai. Os limites estabelecidos na chamada Convenção de 1819 foram mais favoráveis ao Brasil do que os vigentes até então.

Carlos Frederico Lecor, comandante das tropas luso-brasileiras de ocupação da Banda Oriental, procurou fazer um governo marcadamente tolerante e simpático ao povo uruguaio. Sua política de orientação pacificadora logo produziria frutos: a criação da província Cisplatina, incorporada ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves a 31 de julho de 1821.

REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

Por volta do início do século XIX, Pernambuco já possuía uma tradição nativista secular, que se iniciara com a expulsão dos holandeses (1654) e se acentuara por ocasião da Guerra dos Mascates (1710). Devido à animosidade reinante entre brasileiros e portugueses, os reinóis chamavam de "cabras" aos nativos; estes, por sua vez, denominavam de "galegos", "corcundas", "marinheiros", ou "pés-de-chumbo" aos portugueses.

Paralelamente ao sentimento nativista, a independência dos Estados Unidos, os ideais políticos da Revolução Francesa e o movimento de libertação da colônias da América espanhola inspiraram os desejos libertários do povo pernambucano. A fundação do "Areópago de Itambé" foi fruto das ideias autonomistas acalentadas em Pernambuco. "Criado antes de 1800 sob a inspiração e direção do sábio Manuel arruda da Câmara, podemos considerar o Areópago de Itambé uma sociedade secreta política e maçônica no seu espírito" (Oliveira Lima).

O historiador Sérgio Buarque de Holanda ressalta que essas "sociedades na época organizadas em forma de areópagos ou academias, não se enquadravam na estrutura das lojas maçônicas. Eram núcleos, necessariamente secretos, em face de sua finalidade emancipacionista e da opressão do aparelho repressivo colonial, mas sem apresentarem a configuração específica das organizações maçônicas, tendo uma finalidade clara e precípua, que era a da libertação nacional".

Outra entidade que muito ajudou a propagação de ideias libertárias em Pernambuco foi o Seminário de Olinda, fundado pelo Bispo José de Azevedo Coutinho em 1800, na antiga Igreja e Colégio dos Jesuítas.

Desde 1804 governava Pernambuco Caetano Pinto Montenegro, de quem o povo dizia que "era Caetano no nome, Pinto na coragem, Monte na altura e Negro nas ações". Em sua administração, o processo revolucionário atingiu a fase explosiva. A ideia de independência alastrava-se não somente na sociedades secretas, mas também no interior dos quartéis e dos templos católicos.

Caetano Pinto constantemente recebia denúncias de que uma conspiração estava em andamento. Um fato, porém, apressou as medidas repressivas do governo: na festa da Estância, realizada em comemoração à expulsão dos holandeses, um oficial brasileiro do regimento "dos Henriques" espancou um português que insultara os coloniais com palavras pesadas. Pouco depois, a 4 de março de 1817, uma ordem do dia recomendava aos oficiais e soldados dos regimentos de Recife que evitassem a convivência com pessoas envolvidas em conspirações.

Dois anos após, seguindo recomendações de um conselho Militar, o governador ordenou a prisão de vários suspeitos, entre eles o Padre João Ribeiro, o cirurgião Vicente Peixoto, os comerciantes Domingos José Martins e Antonio Gonçalves da Cruz (apelidado "o Cabugá"), os tenentes Manuel de Souza Teixeira e José Mariano Cavalcanti e os capitães Domingos Toetônio Jorge e José de Barros Lima, este último cognominado "Leão Coroado", por sua grande bravura e por possuir uma calva em forma de coroa.

Encarregado de prender os civis, o marechal José Roberto executou a ordem prontamente. Ao brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa de Castro coube a detenção dos militares.

O oficial português, imprudentemente, ao dar voz de prisão ao capitão Barros Lima, insultou-o com termos de baixo calão. Imediatamente, o "Leão Coroado" atravessou-o com a espada, gritando: "morre, pois, infame". O falecimento do brigadeiro Barbosa de Castro marcou o início da insurreição.

O governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, informado dos acontecimentos, enviou ao local da sublevação seu ajudante-de-ordens, o tenente coronel Alexandre Tomás de Aquino Siqueira, que foi mortalmente ferido a bala. Percebendo a gravidade da situação, o mandatário pernambucano refugiou-se no Forte de Brum. Nesse momento, a insurreição ganhou as ruas. Logo se organizou um governo republicano, com a eleição de uma junta governativa composta de cinco membros: Domingos José Martins, representando o comércio; Domingos Teotônio Jorge, o exército; o padre João Ribeiro, o clero; Manuel Correia de Araújo, o latifúndio; e José Luís de Mendonça, a Justiça.

Além disso, foram enviados ao exterior representantes do governo revolucionário. Para os Estados Unidos seguiu Antônio Gonçalves da Cruz, encarregado de buscar armas; para a Inglaterra viajou Henry Koster (apelidado popularmente de "Henrique da Costa"), com credenciais que dariam a Hipólito José da Costa, jornalista brasileiro expulso pela Inquisição, o cargo de embaixador da República de Pernambuco junto à Coroa Inglesa; e a Buenos Aires os pernambucanos enviaram Félix José Tavares de Lima, com a missão de obter o apoio dos povos do Prata à causa pernambucana.

Enquanto se registravam esses acontecimentos em Pernambuco, a insurreição espalhou-se pelo Nordeste. Não tardaram a aderir ao movimento o Ceará, a Paraíba, o Rio Grande do Norte e Alagoas.

Para o Ceará, então governado por Manuel Inácio Sampaio, seguiram emissários do governo provisório. Os primeiros foram rapidamente aprisionados. Entretanto, o seminarista cearense José Martiniano de Alencar e mais dois companheiros chegaram à cidade do Crato onde obtiveram o apoio do capitão-mor José Pereira Filguieras, homem rude e ignorante, mas de grande prestígio na região.

No dia 3 de maio, após a missa, Alencar leu um manifesto revolucionário e fez uma oração em favor da independência.

No dia 4 de abril, reunidos no prédio da Câmara, Alencar e seus partidários proclamaram a República e em seguida nomearam os novos magistrados e os membros do Parlamento local.

O capitão Filgueiras, não acreditando no sucesso dos insurretos, voltou-se contra o movimento. Informado disso, o povo abandonou imediatamente a causa republicana. Em Crato, Filgueiras dissolveu a República e restabeleceu a antiga Câmara realista.

O governador da Bahia, Conde dos Arcos, providenciou a organização de forças militares para a restauração do domínio português nas províncias revoltadas. Sob o comando do marechal Cogominho de Lacerda, foi enviado um contingente de vanguarda para Alagoas. Do Rio de Janeiro partiu uma frota, comandada pelo almirante Rodrigo Lobo, que conduzia um grande exército, chefiado pelo general Luís do Rego Barreto.

Os insurretos não conseguiram resistir às operações militares governamentais. No dia 15 de maio, no engenho Guerra, travou-se decisiva batalha entre o exército republicano e o do marechal Lacerda.

As tropas revolucionárias, irremediavelmente batidas, tiveram de se retirar para o Recife. O governo provisório, consciente de que não poderia sustentar por muito tempo o bloqueio marítimo e o assédio das forças governamentais, procurou uma capitulação honrosa. Porém, Rodrigo Lobo exigiu rendição incondicional.

Domingos Teotônio Jorge, então chefe único do governo revolucionário, percebendo que nada adiantaria fazer correr mais sangue, retirou-se de Recife. Ao saber que a capital da província rebelada estava indefesa, Rodrigo Lobo ordenou o desembarque de seus homens, enviando simultaneamente ordens a Cogominho para que se aproximasse com suas tropas.

Selada a sorte da revolução, teve início a caça aos patriotas. Inúmeros insurretos foram açoitados publicamente. Engenhos foram confiscados e propriedades saqueadas. Domingos Teotônio Jorge, José de Barros Lima e o vigário Pedro de Souza Tenório foram executados após julgamento sumário, presidido pelo capitão-general Luís do Rego Barreto, que chegara a Pernambuco a 28 de junho para exercer o cargo de governador da província. Ao mesmo tempo, eram mortos na Bahia Domingos José Martins, José Luís de Mendonça e o padre Miguel Joaquim de Almeida e Castro (o "padre Miguelzinho", professor de retórica no Seminário de Olinda).

A 6 de agosto o príncipe regente ordenou que suspendessem as execuções e que se estabelecesse uma Alçada sob o presidência do desembargador Álvares de Carvalho. Entretanto, o governador Luís Rego, compreendendo que não convinha ao governo continuar a matança dos patriotas, apoiou o pedido de anistia que o Senado da Câmara dirigiu ao mandatário português. O herdeiro dos Bragança a concedeu no dia de sua coroação como rei de Portugal ( 6 de fevereiro de 1818), com o nome de D. João VI.

Sumário

- Transmigração dos Braganças
- Política Econômico-Financeira de D. João
- Realizações Joaninas
- A Política Externa de D. João
i. A Ocupação da Guiana Francesa
ii. Conquista da Cisplatina
- Revolução Pernambucana de 1817

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