O período regencial

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O Período Regencial, que ocorreu entre 1831 e 1840, foi o período intermediário entre o Primeiro e o Segundo Reinado. O Período Regencial foi iniciado após o imperador D. Pedro I ter abdicado em favor de seu filho. Como este não poderia assumir o trono pelo fato de ter apenas cinco anos de idade, foi feita uma transição em que o Brasil foi governado por regentes. O Período Regencial foi encerrado em 1840 por meio do Golpe da Maioridade, que garantiu a coroação do príncipe, D. Pedro II, como imperador do Brasil.

ASPECTOS ESTRUTURAIS E FACÇÕES POLÍTICAS

Partido Clube Político Ideologia e Programa
MODERADOS
"chimangos"
Sociedade defensora da liberdade e da Independência nacional.

Direita Moderada

  • pró-latifundiários
  • unitaristas
  • monarquistas
  • favoráveis à preservação do "status quo"
EXALTADOS
"farroupilhas" ou "jurujubas"
Sociedade Federal

Esquerda Liberal

  • pró-reivindicações populares
  • federalistas
  • monarquistas liberais ou republicanos

RESTAURADORES
"caramurus"

Sociedade Militar

Direita Radical

  • ultraconservadores
  • favoráveis ao retorno de D. Pedro I ao poder
  • unitaristas
  • monarquistas
  • pró-latifundiário
  • pró-manutenção de laços com Portugal e com os Braganças

A abdicação de D. Pedro I em favor de seu filho, o infante D. Pedro de Alcântara, abalou severamente a ordem político-institucional do Brasil, pois a menoridade do príncipe, então com 5 anos, impedia sua ascensão imediata ao trono. Além disso, não havia na família imperial um outro príncipe com idade superior a 25 anos que, de acordo com dispositivo constitucional, pudesse assumir a Regência do país durante o impedimento do legítimo herdeiro.

Assim, competia ao Parlamento, composto do Senado e da Câmara dos Deputados, escolher uma Regência - que deveria ser formada por três elementos - conforme dispunha a Carta Magna de 1824.

Senadores e deputados reuniram-se no Paço do Senado, a 07 de abril de 1831, horas após o ato de abdicação do imperador, a fim de eleger uma Regência Trina Provisória.

Para compô-la, foram escolhidos o brigadeiro Francisco de Lima e Silva e os senadores Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos, Marquês de Caravelas.

Tomando posse imediatamente, o primeiro governo regencial reintegrou quase todo o ministério de 19 de março, cuja demissão fora uma das causas de abdicação de D. Pedro I. Em seguida, procurando conter a agitação reinante no país, os regentes concederam anistia a todos os envolvidos em processos políticos. Por fim, o novo governo, após expulsar do Exército todos os elementos estrangeiros, publicou um manifesto, pedindo ao povo que se mantivesse calmo e disciplinado.

A situação política do Brasil, entretanto, não era tranquila: os oposicionistas do tempo do Primeiro Reinado - inicialmente reunidos na Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional - cindiram-se, após a abdicação, em duas grandes facções. A primeira, a dos moderados (apelidados de “chimangos “), agora no poder, visava à manutenção do status quo sociopolítico econômico, da estrutura latifundiária de produção e do unitarismo e centralismo administrativos, que caracterizaram o Primeiro Reinado. A segunda, a dos exaltados (alcunhados de “farroupilhas ou jurujubas”), cujo grêmio político era a Sociedade Federal, pregava a necessidade de uma profunda reforma institucional cunho federalista e mantinha vivas as aspirações populares de uma radical democratização da estrutura socioeconômica do Brasil. Algumas lideranças “jurujubas”mais radicais chegavam mesmo a postular a implantação da forma republicana de governo em nosso país.

Completando o cenário político dos primeiros momentos do período regencial, logo surgiu um terceiro agrupamento partidário: a extrema direita restauradora ou “caramuru”, propugnadora do retorno de D. Pedro I ao Brasil e ao poder. Adeptos de soluções altamente reacionárias, os restauradores, sob a liderança de José Bonifácio, combatiam com o mesmo vigor os arroubos revolucionários dos “farroupilhas“ e o conservadorismo moderado dos “chimangos “ governistas.

AS REGÊNCIAS TRINAS E O AVANÇO LIBERAL

No dia 07 de junho de 1831, a Regência Trina Provisória e o Parlamento, realidades políticas sob o controle dos “chimangos”, demonstraram sua disposição de contornar a intranquilidade social reinante no país desde a abdicação de D. Pedro I , atendendo a uma série de reivindicações “jurujubas”. Em primeiro lugar, a Câmara dos Deputados foi transformada numa espécie de Convenção Nacional, detentora de onipotência legislativa e titular do direito de supervisionar e limitar os poderes do governo regencial.

Em consequência, os regentes passaram a não dispor da maioria das atribuições do Poder Moderador, ficando proibidos de dissolver a Câmara e de conceder títulos nobiliárquicos, condecorações, ordens militares e outras distinções.

Finalmente, a 17 de junho, foi eleita a Regência Trina Permanente, composta dos deputados José da Costa Carvalho (futuro Marquês de Monte Alegre) e João Bráulio Muniz e do brigadeiro Francisco de Lima e Silva.

Assumindo o poder, a nova Regência, interessada em conter os desdobramentos revolucionários do movimento de cunho popular que levara D. Pedro I à abdicação, organizou um gabinete de orientação conservadora, para o qual entrou, como titular da pasta de Justiça, o autoritário padre Diogo Antônio Feijó. Este, que havia exigido por escrito que lhe fosse dada completa liberdade de ação nas questões referentes ao seu ministério, logo tomou severas providências para manter a ordem político-institucional então vigente, ameaçada pelas rebeliões de inspiração liberal que começavam a assolar o país. Entretanto, apesar dos esforços iniciais de Feijó e de seus auxiliares, o ambiente político era cada vez mais intranquilo em diversos pontos do território nacional, destacando-se os sucessivos levantes das guarnições militares do Rio de Janeiro.

Para as camadas proprietárias, coisa de seus privilégios de classe dominante, a agitação política reinante nos setores populares e nas forças armadas representava a ameaça de reformas radicais e democratizantes na estrutura socioeconômica brasileira, ainda modelada de acordo com padrões herdados do passado colonial. Assim, diante da maré revolucionária que parecia querer acabar com o modo de produção latifundiário escravista, as lideranças políticas conservadoras resolveram dar a Feijó a autoridade e os meios suficientes para extirpar da vida civil e das casernas o “perigoso vírus do liberalismo”

Como já dissemos, durante os primeiros anos da Regência trina Permanente, registraram-se no Rio de Janeiro inúmeros levantes e motins militares, provocados pela propagação dos ideais “jurujubas” entre as diversas unidades componentes das forças armadas. A aceitação da ideologia liberal por parte da tropa regular decorria não só da condição social inferior da maioria dos oficiais, suboficiais e praças, normalmente oriundos das camadas populares, como ainda da tradição de militância política revolucionária do soldado brasileiro, forjada nas rebeliões que prenunciaram a autonomia de nosso país.

O primeiro pronunciamento militar do período ocorreu a 12 de julho de 1831, com o levante do 26º batalhão de Infantaria, poderoso núcleo “jurujuba” localizado no morro de São Bento. Agindo com rapidez, no entanto, as forças fiéis à Regência conseguiram debelar a sublevação, sendo o batalhão insurreto transferido para a Bahia. Dois dias depois, revoltou-se o Batalhão de Polícia, reunindo-se a elementos populares e apresentando ao governo uma série de exigências, dentre as quais a imediata suspensão da pena imposta aos amotinados do dia 12. Em virtude da crise, a Câmara dos Deputados declarou-se em sessão permanente, outorgando plenos poderes à Regência, conforme fora solicitado pelo ministro da Justiça. Amparado politicamente, Feijó, atuando com firmeza, proibiu concentrações populares e prendeu os responsáveis pelas agitações , conseguindo, pelo menos temporariamente, restabelecer a legalidade.

Por longo tempo ainda, entretanto, o “vulcão revolucionário” ameaçaria as instituições. Com efeito, a situação do Rio de Janeiro era de grande intranquilidade. Todos os dias, os distúrbios se sucediam, e os “farroupilhas” , cada vez mais irritados com a orientação conservadora seguida pelos “chimangos” governistas, tornavam as ruas da cidade intransitáveis, em explosões anárquicas.

A 28 de setembro, um novo motim iniciava-se no Teatro Constitucional Fluminense, prontamente abafado pelo magistrado Saturnino de Souza e Oliveira, irmão de Aureliano Coutinho, na época intendente-geral da polícia. Pouco depois , a 07 de outubro, rebelou-se o Batalhão da Artilharia, com sede na ilha das Cobras. Após intenso bombardeio orientado pelo próprio regente Francisco de Lima e Silva, foi tomado o quartel dos insurretos e sufocado o movimento.

Os “farroupilhas” , percebendo que com simples manifestações de rua ou pronunciamentos militares isolados não conseguiriam derrubar o governo, planejaram um levante de maior amplitude nos primeiros meses de 1832. O movimento irrompeu a 03 de abril, quando, sob a liderança do major Miguel de Frias e Vasconcelos, revoltaram-se as guarnições das fortalezas de Villegangnon e Santa Cruz. Desembarcando em Botafogo, inclusive com artilharia, os amotinados marcharam para o Campo da Honra (atual praça da República), onde esperavam obter a adesão do povo carioca. Entretanto, foram atacadas por tropas fiéis ao governo, comandadas pelo Tenente-coronel Francisco Teobaldo Sanches Brandão, que conseguiram vencê-los e dispersá-los.

Atemorizada diante das proporções tomadas pela agitação militar, a Regência Trina Permanente resolveu debilitar as forças armadas regulares, por três motivos: eram em geral republicanas, tinham tendência libertária e seus motins e pronunciamentos possuíam conteúdo revolucionário contra os militares de carreira. O governo passou a empregar o Corpo de Guardas Municipais Permanentes, a Guarda Nacional e ainda criou um batalhão composto só de oficiais fiéis à ideologia política conservadora: o “batalhão Sagrado” , apelidado pelo mesmo Evaristo de Veiga de “bravos da pátria” .

A 30 de agosto de 1831, o ministro Feijó, determinado a expelir as forças militares da arena política, reduziu o efetivo das tropas regulares a 10.000 homens, ordenou a suspensão do recrutamento, facilitou as baixas do serviço, autorizou a demissão de cabos e soldados, suspendeu a promoção de oficiais e permitiu a concessão de licenças sem vencimentos aos que desejassem.

Em consequência, o Rio de Janeiro passou a não ter guarnição militar e, pouco depois, o ministro da Justiça, em plena Câmara dos Deputados, proferiu as seguintes palavras: “a tropa de primeira linha da capital desapareceu; as guarnições de terra, as rondas policiais, o auxílio à justiça são prestados pelos guardas nacionais."

Feijó realizaria o seu sonho. Em seu notável trabalho Um Estadista do Império, Joaquim Nabuco diria a respeito desse sonho: “A grande reputação da Regência será a de um estadista, o Padre Feijó, que revelou a maior firmeza de caráter na repressão da anarquia militar (...) primeira grande decepção do 07 de abril: a do exército, condenado, licenciado pelo partido e pelos homens que ele tinha posto no poder.”

Realmente, o interesse do governo regencial era substituir a força militar regular pela organização que se destinava a servir fielmente aos senhores de terra e de escravos, a Guarda Nacional. Esta “milícia cidadã”, cujos comandos eram providos pelos senhores, estava impedida, pela composição, pelo conteúdo e pela essência, de servir a qualquer causa popular e de sensibilizar-se ante qualquer definição das camadas mais desfavorecidas. Organizada pela lei de 18 de agosto de 1831, logo após os primeiros motins militares do Rio de Janeiro, dela escreveria um oficial estrangeiro: “milícia destinada a custodiar o exército e a marinha e a garantir a politicagem do grupo do famoso padre Feijó.”

Embora marcado por uma visão classista de cunho aristocrático, um dos diagnósticos mais precisos das primeiras fases do período regencial encontra-se na obra Fatos e Personagens em Torno de um Regime, de Otávio Tarquínio de Souza: “Sinal inquietante de quase anarquia da era regencial pode ser vislumbrado na indisciplina militar. O exército, no que dizia respeito à tropa, fora recrutado e encontrado em grande parte naquele elemento da população ainda socialmente indefinido. Grande parte da oficialidade reagiu, e houve até, no Rio de Janeiro, a organização de um numeroso corpo de oficiais-soldados, composto de meio milhar de oficiais de todas as patentes, que se colocou a serviço do governo, na repressão das arruaças e motins. Mas a indisciplina militar constituiu uma das causas mais sérias das desordens do período regencial, forçando, como medidas extremas, a quase dissolução da tropa regular e a criação, para substituí-la, da Guarda Nacional.”

Durante sua passagem pelo Ministério da Justiça da Regência Trina Permanente, Feijó adotou a tática de sempre apresentar ao país, e principalmente a Câmara, um retrato catastrófico da realidade política brasileira, que estaria na iminência de resvalar para a anarquia e o caos.

Agindo dessa maneira, o arguto ministro esperava conseguir cada vez mais poderes, ao seu arbítrio, de modo a esmagar a esquerda liberal “jurujuba” , acusada de levar a nação “à beira do abismo”. Entretanto, as manobras de Feijó encontraram forte resistência na imprensa, de inspiração liberal, na própria Câmara e na opinião pública. Com o objetivo de remover os obstáculos que se antepunham aos seus propósitos autoritários, Feijó tentaria, como recurso extremo, o golpe de Estado por via parlamentar.

O pretexto para romper a legalidade institucional foi dado a Feijó pelos “caramurus” restauradores, ao se sublevarem, no Rio de Janeiro, em abril de 1832. Aniquilado militarmente o levante, o ministro da Justiça , alegando que José Bonifácio fora o mentor intelectual do movimento, exigiu sua destituição do cargo de tutor do príncipe D. Pedro de Alcântara. A Câmara dos Deputados, por 45 votos contra 31, apoiou a proposta do ministro. Entretanto, no Senado Conservador, onde o velho Andrada ainda era dono de grande prestígio, o projeto governamental foi rejeitado por maioria de apenas um voto.

À vista desse resultado, os seguidores de Feijó ultimaram os preparativos do golpe cujo alvo ostensivo era o “partido” restaurador, mas que visava, na realidade, à dissolução de todos os agrupamentos políticos, notadamente aqueles de ideologia liberal. A manobra subversiva consistiria na demissão do Ministério e renúncia da Regência, transformando-se a Câmara em Assembleia Nacional, encarregada de votar, por aclamação, a chamada Constituição de Pouso Alegre, que daria então a Feijó amplos poderes para a repressão política.

No entanto, a Câmara, liderada pelo deputado Honório Hermeto Carneiro Leão, resistiu à manobra, debilitando-a. Assim o legalismo conseguia liquidar definitivamente a trama golpista reacionária do padre Antônio Feijó. Este, politicamente abalado, demitiu-se do Ministério da Justiça. A Regência permaneceu e o avanço liberal não fora ainda detido.

Desde a abdicação de D. Pedro I, discutia-se, no Brasil, a necessidade de alterações nos dispositivos da Carta Constitucional de 1824. Com efeito, os “farroupilhas” , apoiados em seus princípios federalistas, defendiam a concessão de maior autonomia às províncias e pregavam a democratização da estrutura socioeconômica brasileira, através de uma série de reformas de cunho liberal e popular. Por seu turno, a direita moderada “chimanga” , ciente da ameaça representada pela extrema-direita “caramuru” , estava disposta a aceitar, pelo menos parcialmente, as principais reivindicações “jurujubas”.

Apesar desse clima de conciliação reinante entre a esquerda liberal e o conservadorismo “chimango” , a realização de qualquer reforma institucional dependia da concordância do Senado que, juntamente com a Câmara dos Deputados, deveria votar uma lei preliminar, determinando quais os pontos da Constituição a serem alterados.

Houve grande dificuldade na obtenção do apoio dos senadores, porque estes se mostravam temerosos de que fossem transformados em temporários os seus cargos vitalícios. Finalmente, chegou-se a um acordo: foi aprovada a lei, segundo a qual caberia ‘legislatura seguinte - a iniciar-se em 1834 - a reforma da Constituição imperial.

Iniciados os trabalhos parlamentares, foram votadas as modificações propostas, visando a adaptar diretrizes federalistas ao regime monárquico representativo. Por fim, a 12 de agosto de 1834, foi aprovado o Ato Adicional à Constituição do Império, em sua maior parte redigido pelo influente deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Eram as seguintes as principais inovações então introduzidas:

  • criavam-se Assembleias Legislativas Provinciais, em substituição aos antigos Conselhos Gerais ( competia ao novo órgão provincial legislar sobre os poderes civis, judiciários e eclesiásticos locais, instrução pública, desapropriações, funcionalismo, orçamento, empréstimos provinciais, despesas e impostos, viação e obras públicas).
  • constituía-se o “Município Neutro” do Rio de Janeiro (“a Corte”).
  • suprimia-se o Conselho de Estado.
  • estabelecia-se que a Regência passaria a ser uma, durando quatro anos o mandato do regente, eleito pelo voto popular direto.

Apesar de suas disposições radicais, o Ato Adicional pouco vigorou, tendo produzido efeitos muito limitados. Indiscutivelmente, sua debilidade decorreu, pelo menos em parte, do progressivo enfraquecimento da esquerda liberal “jurujuba” , em virtude das agitações e dos motins que muito haviam assustado importantes parcelas da classe dominante e mesmo dos setores sociais médios.

Pouco a pouco, até elementos da esquerda liberal, notadamente os de formação ideológica precária, colocaram-se ao lado dos que clamavam pela ordem, exigiam disciplina e protestavam contra a anarquia. As perturbações políticas sucessivas os punham em desassossego e faziam com que perdessem as perspectivas, Em 1831, além dos motins e quarteladas do Rio de Janeiro, ocorreram o levante do Maranhão, a Setembrada e a Novembrada, em Pernambuco, a rebelião do Ceará. Contribuindo ainda mais para aumentar a intranquilidade reinante no país, em 1832, irromperam a Abrilada paraense e a “federação dos Guanais” , em Salvador.

Por toda a parte, parecia dominar a anarquia: eram frequentes os sintomas de que os Pregoeiros do apocalipse, da beira do abismo, pareciam ter razão. O Ato Adicional surgira em agosto. Em fins de novembro de 1834, D. Pedro I , então Pedro IV de Portugal, falecia. Assim, desprovida de líder e, consequentemente, destituído do sentido o seu propósito restaurador, a extrema-direita ficava em disponibilidade política. Paulatinamente, a direita moderada “chimanga” , agora inteiramente voltada à destruição da esquerda liberal, recebeu os elementos egressos do “partido caramuru” , o que criou uma nova correlação de forças.

Dessa maneira, o avanço liberal estava seriamente ameaçado. Pairava sobre o Brasil o espectro do “Regresso Conservador”.

AS REGÊNCIAS UNAS E O REGRESSO CONSERVADOR

Regência de Feijó (1835/1837)

Conforme o disposto no Ato Adicional a Constituição do Império, efetuaram-se, em 1835, em todo o território nacional, as eleições para a escolha do regente único. Dois foram os principais candidatos: padre Diogo Antônio Feijó, representante do conservadorismo “chimango” , e Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, ligado às hostes políticas de orientação liberal. Completado o quadro eleitoral, Costa Carvalho, Araújo Lima, Pais de Andrade, Lima e Silva e Bernardo Pereira de Vasconcelos também aspiravam ao supremo mandato de Regência, embora carecessem de apoio e prestígio suficientes para a obtenção da maioria dos sufrágios. Alcançando 2.826 votos, contra 2.251 dados ao seu principal oponente, a 12 de outubro de 1835, Feijó toma posse do cargo.

O novo regente, entretanto, teria de enfrentar forte oposição. De um lado, a debilitada esquerda liberal “jurujuba” , frustrada em seus objetivos e temerosa de um eventual endurecimento de repressão governamental, abandonou os meios legais de luta política, preferindo trilhar o caminho da insurreição. De outro, os “chimangos” mais radicais, apoiados pela extrema-direita “caramuru” , passaram a condenar as atitudes iniciais de Feijó, por eles consideradas “tolerantes e indecisas”. Com efeito, o regente, cuja saúde estava profundamente abalada, não era o mesmo homem autoritário e enérgico que ocupara o Ministério da Justiça da Regência Trina Permanente. Além disso, as camadas dominantes, em razão do impulso dado à estrutura latifundiária pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira, tinham agora maiores interesses econômicos a defender e, por conseguinte, exigiam vigor redobrado no combate ao radicalismo “farroupilha” . Por essas razões, levantaram-se contra Feijó as mais expressivas lideranças políticas da época, encabeçadas pelo agressivo Bernardo Pereira de Vasconcelos, que após longa militância liberal aderia à causa conservadora.

Visando a ampliar suas bases de sustentação política, os seguidores de Feijó fundaram o Partido Progressista, cujos componentes provinham dos setores menos radicais da esquerda “jurujuba” e de direita “chimanga” . Em resposta, a oposição conservadora reuniu-se em outra agremiação partidária à qual foi dada a designação de “regressista” . Tempos depois, durante o segundo Reinado, essas duas facções políticas dariam origem, respectivamente, aos poderosos Partidos Liberal e Partido conservador.

Malgrado todos os seus esforços de preservação política, a administração de Feijó e o “progressismo” tinham os dias contados. Inúmeras razões, tanto de âmbito externo quanto interno, contribuíram para o fracasso do regente. Em primeiro lugar, Feijó, apesar de sacerdote católico, não era bem visto pela Santa Fé. Não somente era favorável à abolição do celibato clerical, como também sustentava a candidatura, ao Bispado do Rio de Janeiro, de seu amigo padre Antônio Maria de Moura, cuja indicação fora recusada pelo Papado.

No entanto, as tensões e as crises mais graves enfrentadas pela gestão Feijó adviriam da conturbada atmosfera política reinante no país. Ainda em 1835, a eclosão de dois grandes movimentos sediciosos - a Cabanagem no Pará e a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul - abalaria profundamente o prestígio do governo junto às classes dominantes. Pouco a pouco, valendo-se bastante do alarme geral provocado pelas agitações sucessivas, a extrema-direita ganharia forças para impor alterações políticas destinadas a defender a ordem, a restabelecer a tranquilidade e a preservar a estrutura socioeconômica vigente. Por fim, a esmagadora vitória do reacionarismo anti-Feijó nas eleições legislativas de 1836 deixara patente a inevitabilidade da solução política “regressista”. Em consequência desse pleito, a maioria dos assentos da Câmara passou a ser ocupada por pessoas cujos interesses exigiam estabilidade e paz sociais. Implantava-se assim no cenário político brasileiro a hegemonia dos chamados "eleitores de campo” , isto é, predomínio do voto dos cafeicultores e senhores de engenho escravocratas em detrimento do eleitor urbano.

O historiador Octávio Tarquínio de Sousa, o grande biógrafo das principais figuras do período regencial, define os últimos momentos da administração Feijó da seguinte maneira: “O que se verificava era, incontestavelmente, uma reação conservadora” .

A 19 de setembro de 1837, Feijó, gravemente enfermo, sem apoio das lideranças parlamentares e importantes para vencer a Revolução Farroupilha, renunciou ao cargo de regente, embora ainda dispusesse de dois anos de mandato. Seu último ato foi a nomeação do senador pernambucano Pedro de Araújo Lima, o futuro Marquês de Olinda, para a pasta do Império. Conforme disposição legal, o titular desse ministério tornava-se automaticamente o substituto do regente.

A Regência de Pedro Araújo

A ascensão de Araújo Lima ao poder significou basicamente a consolidação política do “regressismo”. Logo após a sua posse, a novo regente organizou um gabinete de orientação extremamente retrógrada, apelidado de Ministério das Capacidades, devido ao prestígio dos nomes que o compunham: Bernardo Pereira de Vasconcelos (nas pastas da Justiça e do Império), Miguel Calmon du Pin e Almeida, depois Marquês de Abrantes (Fazenda), Joaquim José Rodrigues Torres, futuro Visconde de Itaboraí, (Marinha); Sebastião do Rego Barros (Guerra) e Maciel Monteiro (Negócios Extraordinários).

Em abril de 1838, realizou-se a segunda eleição para a Regência Una, sendo um dos candidatos o próprio Araújo Lima. Porta-voz das classes dominantes e apoiado em sólida maioria parlamentar, o futuro Marquês de Olinda não encontrou dificuldades em vencer seu concorrente, o “progressista” Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque.

Fortalecidos com o triunfo eleitoral, os “regressistas” , agora detentores exclusivos do poder, cuidaram de uma reforma das leis, no sentido de reforçar a autoridade e preservar a unidade nacional e o regime de produção latifundiário-escravista então imperante. Com esses propósitos em mente, os parlamentos - filiados à extrema-direita - elaboraram a Lei Interpretativa do Ato Adicional, cujo objetivo precípuo era coibir os excessos federalistas. Além disso, dispostos a centralizar o aparelho judiciário e os instrumento de repressão política, as lideranças reacionárias projetaram a remodelação do Código de Processo, que seria aprovada poucos anos depois, ainda durante os momentos iniciais do Segundo Império. Do seu lado, os liberais remanescentes, na oposição, começaram a reviver um plano que, ao tempo da regência de Feijó, era do agrado do “regressismo” : a antecipação da maioridade de D.Pedro de Alcântara.

Assim, como observa Nelson Werneck Sodré: “ liberais moderados e conservadores desaguam no mesmo estuário, o de um golpe parlamentar que, sem luta, sem abalo, sem controvérsia, mantendo o velho expediente da monarquia, fórmula salvadora desde o início do processo da independência, garantisse os seus privilégios, trouxesse pra eles a cobertura bem-aventurada da ordem e da paz, a tranquilidade. Elevaram ao trono, então, o jovem herdeiro para, à sombra dele, realizarem o “regresso” , isto é, o abandono total dos princípios liberais."

LEVANTES REGENCIAIS

Rebeliões do Período Regencial

A Cabanagem no Pará (1835/1840)

A Cabanagem no Pará se distinguiu por seu conteúdo dos demais movimentos insurretos do período regencial; sua característica marcante foi a amplitude que tomou, chegando a controlar o governo da Província por muitos anos.

A revolta teve início com a agitação de cunho liberal levada a cabo pelo cônego Batista de Campos, homem audaz e firme em seus princípios, entre os “cabanos” , denominação dada aos humildes sertanejos do sertão paraense. Batista de Campos, gozando simultaneamente de um grande prestígio entre as massas populares e junto às lideranças intelectuais de orientação revolucionária, conseguiu, em 1832, sublevar a comarca do Rio Negro e, assim submeter o então governador provincial Machado de Oliveira às suas diretrizes políticas.

Par pôr cobro a tal situação, a regência, em 1833, nomeou novas autoridades para o Pará: José Mariani e o tenente-coronel Inácio Correia de Vasconcelos, respectivamente, governador e comandante das armas da Província. Estes, entretanto, ao chegarem a Belém, foram repelidos pelo Conselho Provincial, inteiramente controlado pelos partidários de Batista de Campos.

Em dezembro do mesmo ano, chegaram novas autoridades ao Pará: Bernardo Lobo de Souza, governador, e o tenente-coronel José Silva Santiago, comandante das armas.

Logo após assumir o governo da província, Lobo de Souza deu início a uma política de severa repressão. Por meio de perseguições, deportações em massa e prisões arbitrárias, procurou restabelecer a “legalidade institucional” no Pará. Dessa forma, o governador, pouco a pouco, ia eliminando os indivíduos conhecidos por suas doutrinas subversivas que pregam e inoculam no seio da população e que ameaçam a ordem pública pela influência perigosa que exerciam entre as massas - (Domingos Raiol, in Motins Políticos do Pará).

Essas medidas de Lobo de Souza levantaram contra ele a animosidade popular e, em consequência, um intenso trabalho de agitação teve início, tanto em Belém, quanto entre a explorada população cabana do interior. Foi nessa ocasião que se envolveram no movimento os irmãos Vinagre, que seriam as figuras mais notáveis do levante.

Na madrugada de 07 de Janeiro de 1835, depois de concentrados nos arredores da cidade, milhares de sertanejos atacaram Belém e eliminaram o governador e o comandante das armas da Província do Pará. Imediatamente, as lideranças “cabanas”instalaram-se no governo, cabendo a Félix Antônio Clemente Malcher a presidência. Entretanto, desde o início, sua política hesitante e moderada desgostou os revoltosos.

Contrário aos extremismos, Malcher ordenou a prisão e deportação dos elementos mais populares da insurreição, como o radical Eduardo Angelin e o jornalista Ferreira Lavor. Paralelamente, aumentava o prestígio dos Irmãos Vinagre, notadamente o de Francisco Pedro, então comandante das armas da Província Sublevada. Tentando desfazer-se deste perigoso rival, o governador cabano tramou sua prisão. No entanto, não tendo o apoio necessário, foi deposto e executado, substituindo-o o próprio Francisco Vinagre, líder da facção esquerdista do movimento. Analisando a queda de Malcher, Nelson Werneck Sodré ressalta que: “a massa acreditava naquilo que lhe havia sido prometido: que os escravos seriam libertados, que as terras seriam entregues aos servos, que a existência miserável estava finda. Malcher não compreendeu a situação e inclinou-se para a posição de defensor da ordem, sem analisar os motivos da desordem e resolvê-la pela erradicação de tais motivos. Cindiu-se a direção do levante e as alas radicais, com Argelim e os irmãos Vinagre, decidiram-se pelo combate a Malcher.”

As manifestações pela vitória da facção mais extremada da rebelião cabana aterrorizaram as classes dominantes paraenses, notadamente os comerciantes de Belém que apelaram incontinente e desesperadamente para as autoridades centrais. Alarmada com o rumo dos acontecimentos, a Regência resolveu interferir com energia. Para sufocar a insurreição, foi enviado ao Pará um forte contingente militar sob o comando do marechal de campo Manuel Jorge Rodrigues, auxiliado por uma pequena esquadra comandada por John Taylor. Apesar da forte resistência cabana, o oficial legalista conseguiu assumir o governo da província. Entretanto, por pouco tempo se manteve na presidência, pois, em agosto de 1835, após sangrentos combates, os revoltosos, encabeçados por Eduardo Argelim, retomaram Belém.

Uma nova operação militar foi empreendida pela Regência para sufocar a Cabanagem. Em abril de 1836, as tropas de Francisco José Soares de Andreia entraram em Belém forçando Argelim à rendição.

Com a prisão do terceiro presidente cabano, restaurava-se a ordem na capital. No interior, contudo, Francisco Vinagre continuou a promover agitações, ajudado pelos setores mais esclarecidos da infeliz população “cabana”. Somente em 1840, no governo de João Antônio de Miranda, a paz voltaria a reinar em toda a província do Pará.

A Sabinada na Bahia
(1837/1838)

A Sabinada deveu seu nome ao cirurgião Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, audacioso agitador político que, pretendendo desligar o governo de sua província da jurisdição do Poder Central, proclamou a República Bahiense.

Um aspecto curioso da Sabinada, que a singularizava na história das revoltas do período regencial, foi a limitação imposta pelos próprios insurretos: a República Bahiense, então instaurada, deveria durar até a maioridade do Príncipe D. Pedro de Alcântara.

A 07 de novembro de 1837, instigada por Sabino Vieira, a guarnição da Fortaleza de São Pedro, localizada em Salvador, levantou-se em armas contra o governador legal da província, Francisco de Souza Paraíso, que, temendo pela sua segurança, refugiou-se a bordo de um navio. Sabino, senhor da situação, fez aclamar presidente da Bahia Inocêncio da Rocha Galvão, o qual, por encontrar-se nos Estados Unidos, foi substituído no cargo por João Carneiro da Silva Rego. Para si, Sabino reservou o modesto posto de secretário do governo republicano implantado pelos sublevados. Era, contudo, o verdadeiro motor da revolta.

Prontamente, organizou-se a reação legalista. Um novo governador legal da província, Antônio Pereira Pedroso, estabeleceu-se no Recôncavo. Ao mesmo tempo, para comandar as forças fiéis à Regência, chegou à Bahia, a 21 de fevereiro de 1838, o brigadeiro João Crisóstomo Calado.

Bloqueada a cidade de Salvador, por mar, dela se aproximaram, por terra, as tropas governamentais. Após duros combates de rua, durante os dias 13, 14 e 15 de março, os rebeldes foram forçados à rendição.

Presos e julgados os principais responsáveis pelo movimento, seis foram condenados à morte e três à prisão perpétua. Tais penas, no entanto, não se executaram: abrandadas posteriormente para simples degredo em território nacional, a medida beneficiou até o Dr. Sabino - deportado para Goiás e depois para Mato Grosso, onde faleceu em 1846.

A Balaiada do Maranhão
(1839/1841)

Ainda no período regencial, em 1838, irrompeu uma das mais importantes sedições da menoridade: a Balaiada, cujo nome derivou do apelido de um de seus líderes. Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, conhecido, por razões de ofício, como “Balaio”.

Na origem deste levante, as mesmas causas das demais insurreições da época: a luta das camadas médias urbanas e das classes populares contra o conservadorismo dos grandes proprietários rurais. Estes, no Maranhão, onde eram conhecidos como “cabanos”. enfrentavam severa oposição por parte de uma facção democrática radical, os “bem-te-vis”, cujos núcleo principal era a cidade de São Luís, capital da Província.

Valendo-se do enfraquecimento da administração maranhense em razão dos constantes conflitos entre “cabanos” e “bem-te-vis” e instigados pelas lideranças democráticas mais exaltadas, vaqueiros e lavradores, camponeses e artesãos, negros e mestiços, constituindo bandos armados, deram início à sedição em fins de 1838, no interior da Província.

A 23 de dezembro, um jornal conservador de São Luís informava: “ consta-nos que, há poucos dias, uma partida de proletários (se muito, quinze homens) atacaram o quartel da Vila da Manga, do qual se apoderaram”. Na edição seguinte, o mesmo periódico acrescentava que o ataque fora realizado “por um bando de miseráveis manchados de roubos e assassínios e impelidos ao crime pela ignorância e indigência e pela opressão de odiosos mandões”.

Como podemos perceber, pela leitura do “relato” jornalístico, a primeira preocupação da extrema-direita maranhense, diante da tomada da Vila de Manga por forças populares, foi desqualificar os rebeldes, que passaram a ser tratados como “indivíduos tirados da última ralé da sociedade”, tendo por chefes homens embrutecidos e ignorantes. A redenção dos líderes da Balaiada começou há bem pouco. Foi uma de suas iniciadoras a pesquisadora Carlota Carvalho, que conta o episódio da Vila de Manga, de modo inteiramente diverso de outros cronistas: “Raimundo Gomes Vieira, homem de reconhecida probidade e merecedor de toda confiança, fora encarregado pelo fazendeiro Padre Inácio de Moraes e Silva, de quem era administrador, de levar às férias e vender as boiadas da fazenda. No itinerário, passou pela imediações da Vila da Manga, onde o prefeito, adversário político do padre, prende-o e aos seus companheiros tangedores de bois. Foram inúteis os pedidos e explicações . Esgotados os meios persuasivos, Raimundo Gomes e seus auxiliares fugiram, invadiram e tomaram a cadeia e o quartel, soltaram os presos, apoderaram-se do armamento, deixando livres os soldados desarmados que acabaram por aderir à revolta. Estava iniciado o Movimento.” Amedrontadas, as autoridades provinciais determinaram, então, as primeiras providências: enviar uma força de trinta homens à Vila de Manga. Ao partir essa força, já chegavam rumores à capital do Maranhão de que a tropilha guerrilheira de Raimundo Gomes, após abandonar a região da Manga, passaria por Chapadinha, muito reduzida em seus efetivos. Engano, pois, para a surpresa das camadas proprietárias maranhenses, Raimundo Gomes logo surgiria em Tutoia, à frente de cem homens muito bem armados. Dias depois, em Barra Longa, ocorreria o primeiro choque dos sublevados com as forças do governo, quando os “irregulares” de Raimundo Gomes obtiveram uma expressiva vitória.

Após mais algumas semanas de luta, o governo do Maranhão foi obrigado a constatar que o bando de Raimundo Gomes dominava toda a faixa oriental da província, atraindo numerosos sertanejos, homens ásperos e afeitos ao combate, espraiando-se por muitas localidades. Em breve, começaram a surgir novas lideranças: Corisco, Relâmpago, Raio, Caninana, Sete Estrelas, Teteu, Tigre Andorinha, etc. Além disso, às margens do Itapicuru, zona de produção latifundiária baseada no trabalho escravo, o grupo guerrilheiro recebeu a adesão de milhares de negros fugidos, o que veio reforçar ainda mais a sua já extraordinária capacidade de combate. Finalmente, as forças do “preto Cosme” , chefe de um poderoso núcleo de quilombos, engrossariam as fileiras rebeldes, agora com um efetivo de mais de 2.000 homens.

Como bem observa o historiador Astolfo Serra, “reuniram-se, dessa maneira, para a luta rija todos os mestiços, todas as castas oprimidas, todos os resíduos humanos espalhados pelas perseguições ou acossados pelas violências dos poderes públicos ou dos senhores de engenho, numa solidariedade enorme e brutal, desgostosos aqui e ali nos vários quadros de perseguições , a se aproveitarem daquela chance de luta para se vingarem de seus sofrimentos."

Os choques militares pontilharam o ano de 1839: na Chapadinha, em fins de fevereiro, um pelotão policial foi atacado e dispersado pelos insurretos; a 18 de abril, na região de Angicos, a expedição repressiva do capitão Pedro Alexandrino entregava as armas, prisioneiras; em maio, o presidente da província ordenava a abertura de trincheiras na capital, para preservá-la do ataque rebelde, enquanto chegavam reforços das províncias vizinhas. Paralelamente, os amotinados prosseguiam em seu avanço, chegando às portas de Caxias, segunda cidade do Maranhão em importância, a 24 de março. Após um cerco de sete dias, tomaram a cidade; o pânico alastrou-se entre as camadas dominantes maranhenses, principalmente porque se constitui, em Caxias, uma Junta Provisória rebelde.

Interessada em conter a maré revolucionária que assolava o Maranhão, a Regência resolveu nomear presidente e comandante de armas da província o coronel Luiz Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias. Este, desembarcando em São Luís, no início de 1840, logo tomou providências para reprimir os balaios. Organizou três colunas volantes para batê-los isoladamente, forçando-os a abandonar as áreas conquistadas. Raimundo Gomes, que fugira para o Piauí, foi preso; Manuel Francisco dos Anjos, ferido e morto; e o preto Cosme, aprisionado e enforcado.

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Golpe da Maioridade

Em consequência dessas discussões, foi fundado em abril, por iniciativa do senador “progressista” José Martiniano de Alencar, o Clube da Maioridade, cuja finalidade era pôr termo regência Araújo Lima, pela antecipação da chegada de D. Pedro II ao poder. Para a presidência da referida sociedade, foi escolhido o deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e Silva e, para vice-presidência , o senador Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, ambos militares do Partido Liberal, agremiação política herdeira da tradição de lutas do “progressismo”.

Alencar, dando início à ação dos liberais em prol do maiorismo, apresentou um projeto ao Senado, declarando o imperador maior de idade. Entretanto, em virtude da presença largamente majoritária do “regressismo” na Câmara Alta, a proposta foi rejeitada já em primeira discussão, o que determinou o seu arquivamento sem a realização do segundo escrutínio.

Paralelamente às iniciativas parlamentares, era muito grande o movimento de opinião pública em torno da questão da maioridade. Nas ruas, circulavam jornais, pasquins, panfletos, versos e canções populares pedindo a transferência do poder a D. Pedro II . Crescia, assim, dia a dia, a corrente maiorista.

Procurando dar rumo legal à questão e, dessa maneira, conter o avanço da campanha maiorista, o deputado conservador Honório Hermeto Carneiro Leão propôs que, na legislatura seguinte, os parlamentares viessem autorizados pelos eleitores a reformar a Constituição, quanto à ida de mínima necessária para a coroação do imperador. Também esta solução, inadmissível naquele conturbado momento político, foi recusada pela Câmara.

Tendo sido proposta novamente, por Antônio Carlos, a votação da antecipação da maioridade imperial, o Governo resolveu adiar os trabalhos parlamentares e convidar para assumir a pasta do Império o reacionário senador Bernardo Pereira de Vasconcelos, ferrenho adversário da corrente maiorista. Respondendo a esse golpe, os deputados favoráveis à posse imediata de D. Pedro II, resolveram apelar para o Senado. Para aí se dirigiram conduzidos por Antônio Carlos e foram bem recebidos pelo presidente da Câmara Alta, Marquês de Paranaguá. Este ordenou imediatamente o envio de uma comissão composta de senadores e deputados, encarregada de solicitar ao imperador que entrasse “desde já “no exercício de suas funções constitucionais. D. Pedro II, depois de ouvir o conselho de alguns assessores, entre os quais o próprio regente Araújo Lima, aceitou.

Às 10 horas do dia 23 de julho, o Marquês de Paranaguá proclamava a maioridade antecipada de D. Pedro II. Pouco depois, o jovem imperador compareceu à Assembleia onde, sob grandes aplausos, prestou seu juramento: “Juro manter a religião Católica Apostólica Romana, a integridade e indivisibilidade do Império, observar e fazer observar a Constituição política da Nação brasileira, e mais as leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil, quanto em mim couber”. Essas palavras marcavam o início do Segundo Reinado.

Em sua maioridade, D. Pedro II nomeou seu primeiro ministério, composto de elementos liberais e maioristas. Formavam o novo gabinete os dois irmãos Andrada (Antônio Carlos e Martin Francisco), os dois irmãos Holanda Cavalcanti, Antônio Limpo de Abreu e Aureliano de Souza Coutinho. Esse Gabinete foi apelidado Ministério dos Irmãos.

O novo Ministério começou suas atividades, tentando pacificar o país mediante a concessão de ampla anistia aos envolvidos nas revoltas do período regencial. Em seguida, como os liberais não dispusessem de maioria na Câmara dos Deputados, cuidaram de se fortalecer nas eleições legislativas de 13 de outubro de 1840, exercendo acentuada pressão política em diversos centros eleitorais do país. Não foi sem razão, portanto, que as referidas eleições ficaram conhecidas como as “do cacete “. Além disso, o Ministério dos Irmãos procurou, ainda com o objetivo de fortalecer o Partido Liberal, derrubar todos os funcionários públicos e magistrados ligados ao “regressismo”.

Afinal, em 1841, o imperador exonerou esse Ministério - que estava dividido em torno de uma questão administrativa - substituindo-o por outro, conservador. Foi mantido, entretanto, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Aureliano Coutinho. Concluiu-se, então, que era esse o político que chefiava o grupo que costumava se reunir na residência do mordomo da Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva, situada próxima ao Rio da Joana, motivo pelo qual o grupo ganhara o apelido de clube do Joana. Esse grupo era acusado de influir decisivamente na opinião do jovem e ainda inexperiente imperador.

O segundo Gabinete do Império contou também com a colaboração de antigos políticos, como José Clemente Pereira, agora ardoroso “regressista “, e Miguel Calmon du Pin e Almeida. Entre as realizações do novo Ministério, destacaram-se:

  • a reforma do Código de Processo Criminal.
  • a restauração do Conselho de Estado, que fora abolido em virtude do avanço liberal do decorrer da Regência.
  • a criação da Chefia de Polícia nas Províncias, cargo que visava a dar aos governos provinciais melhores meios para assegurar a ordem pública em todo país.

Sumário

- Aspectos Estruturais e Facções Políticas
- As Regências Trinas e o Avanço Liberal
- As Regências Unas e o Regresso Conservador
i. Regência de Feijó
ii. A Regência de Pedro Araújo
- Levantes Regenciais
i. A Cabanagem no Pará
i. A Sabinada na Bahia
ii. A Balaiada do Maranhão (1839/1841)
- Golpe da Maioridade

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