Governo de Campos Salles

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O governo de Campos Salles (1898-1902) marcou o início da República do Café-com-Leite e a Política dos Governadores no Brasil. Quarto presidente do Brasil República, Campos Salles assumiu a presidência em uma época em que a situação financeira do país estava caótica. O governo de Campos Salles iniciou grandes reformas econômicas austeras no Brasil.

Mecanismos da República Oligárquica

O presidente mais impopular da República do Café foi Manuel Ferraz de Campos Salles, fazendeiro paulista, jornalista, político, republicano histórico, ex-Ministro da Justiça do Governo Provisório, ex-Governador do Estado de São Paulo e eterno conservador.

Foi o Presidente que melhor serviu à República Oligárquica, em detrimento do País. Os cafeicultores e as finanças internacionais deveram a ele o saneamento das finanças nacionais, o estrangulamento da indústria nacional e a instalação de uma poderosa máquina política oligárquica. O povo deveu-lhe um dos quatriênios mais sofridos de sua vida.

O problema financeiro ocupou todas as atenções do governo de Campos Salles. Quando assumiu o poder, os florianistas estavam encarcerados ou apaziguados e o Rio Grande do Sul pacificado, mas as greves e agitações de rua permaneciam incontroláveis, a inflação galopante e a crise do café (de 1896) sem solução. O Ministério, escolhido a dedo, compunha-se de pessoas de sua inteira confiança e sem ligações partidárias.

Campos Salles aboliu o despacho coletivo, e decidiu que “quem mandava no Brasil era o Presidente”: concentrou em suas mãos a maior soma de poderes da República Civil.

A grande figura do governo de Campos Salles foi Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda. As ideias deste médico homeopata e solteirão, descendente de ricos fazendeiros de Mato Grosso, político de dia e farmacêutico de noite, nada tinham de novo. Para ele, o fundamental era “ equilibrar o orçamento nem que isso arruinasse pelo desamparo às melhores iniciativas, contanto que a saúde financeira se espelhasse - como a do organismo na limpidez dos olhos - no câmbio”. Frio, cético, homem de negócios, darwinista por instinto e educação, Joaquim Murtinho pretendia curar os males do Brasil da mesma forma como tratava de seus clientes, isto é, pela dieta. Para ele, o problema essencial do Brasil era o desequilíbrio do Tesouro. Para resolvê-lo, eram indispensáveis : a deflação, a implacável contenção de despesas, o aumento dos impostos, o abandono das obras públicas, o retorno aos campos e o afastamento do Estado de qualquer atividade industrial. Não tinha a mais vaga ideia de que o problema financeiro estava diretamente ligado ao problema econômico. Considerava o simples saneamento da moeda suficiente para incentivar a livre concorrência que, automaticamente, reergueria as forças econômicas do País. Os mais fracos ou menos adaptáveis sucumbiriam na concorrência, como acontecia no processo biológico de Darwin.

Ninguém entendia melhor Joaquim Murtinho do que o Presidente, que concordava com ele. “É tempo de tomarmos o caminho certo. E nos esforçarmos para exportar tudo quanto pudermos produzir em melhores condições do que nós.” O Brasil produzia melhor café, algodão, açúcar, erva-mate, borracha, cacau e minérios. Os outros países produziam, melhor que o Brasil, máquinas, ferramentas, objetos industrializados de todo o tipo. Os menos desavisados perceberiam, nesta teoria, os conceitos básicos da ideologia colonialista do “Brasil essencialmente agrícola”. Murtinho e Campos Salles pretendiam liquidar a indústria nacional, desfazer o esforço industrialista dos ministérios da República da Espada e atrair braços e capitais estrangeiros. Estes, entretanto, haviam sido afugentados pelo descalabro financeiro e só retornariam se o governo equilibrasse as finanças, aumentasse a taxa cambial e eliminasse o iminente perigo da bancarrota total.

Campos Salles já havia removido os obstáculos aos investimentos estrangeiros: cinco meses antes assinara um contrato, mediante o qual os Rothschilds forneceriam o “funding-loan” de que o Brasil necessitava. Foram necessários seis meses de conversações, uma viagem de Campos Salles à Europa e uma visita do Sr. Toothal, emissário de London and River Plate Bank.

O “funding-loan” (solução adotada também pelo governo de Pellegrini, na Argentina) consistia no seguinte: os famosos banqueiros ingleses emprestariam ao Brasil 10 bilhões de libras em títulos depositados em Londres, garantidos pela hipoteca das rendas alfandegárias do Rio de Janeiro (e de outros portos em caso de necessidade), das rendas do serviço de abastecimento de águas da capital e da estrada de Ferro Central do Brasil. O prazo de amortização da dívida era de dez anos, com juros anuais de 5 % . O contrato determinava também a queima total de papel-moeda em quantidades iguais às das prestações vencidas em Londres. Procurava-se assim deflacionar a economia brasileira, elevar o câmbio e restabelecer a confiança dos meios financeiros internacionais no Brasil.

O “funding-loan” não foi a única medida financeira tomada pelo governo de Campos Salles. O ministro Joaquim Murtinho criou o imposto de consumo e o do selo (todos os produtos comercializados deviam ser selados). Estendeu a rede fiscal por todo o País, arrendou estradas de ferro a companhias estrangeiras, elevou as taxas alfandegárias e conteve rigidamente os salários e todo tipo de despesas. O resultado foi imediato: a deflação arrasou o poder aquisitivo, o comércio e o crédito bancário (o Banco da República do Brasil fechou as portas); as falências sucederam-se; caíram os preços das exportações e subiram aos das importações.

O governo Campos Salles encerrou sua gestão com saldo em ouro nos bancos londrinos, mas o Brasil havia se empobrecido ainda mais. O tesouro estava rico e os Rothschilds satisfeitos, mas a carestia de vida, o problema da moradia, o aumento dos preços dos produtos de primeira necessidade, o desemprego e a estagnação econômica fizeram com que grevistas e descontentes saíssem às ruas: em 1898 os foguistas da Central do Brasil, em 1899 os operários de uma fábrica de fósforos em Vila Mariana ( São Paulo) , cruzaram os braços. Seguiram-se os da fábrica de tecidos em São Caetano. No ano seguinte, por três dias os cocheiros do Rio armaram piquetes; em 1901 os ferroviários da Estrada de Ferro Paulista solidarizaram-se com os grevistas da Estrada de Ferro Sorocabana. Também os monarquistas: em 1900, Campos Salles teve de sufocar dois levantes monarquistas sem importância mas sintomáticos. Campos Salles seria para sempre o “Presidente do imposto do selo” e um dos homens públicos mais odiados da República Velha.

A uma comissão que foi reclamar contra os impostos excessivos, o Presidente respondeu: “Não posso obrigar ninguém a ser patriota. Mas, concordem ou não concordem, protestem ou não protestem, hei de fazer cumprir a lei.” Campos Salles parecia não dar muita importância aos protestos, mas, para impedi-los, criou uma máquina perfeita, que só seria destruída pela Revolução de 1930. O Presidente não admitira oposição: queria as Câmaras funcionando a todo vapor, aprovando suas iniciativas e sua política financeira e orçamentária. Com essa finalidade, mudou o estatuto da Câmara dos Deputados e instalou a Comissão de Verificação de Poderes, também conhecida como reconhecimento, degola ou guilhotina. De acordo com as disposições de Campos Salles, o presidente da nova Comissão seria o presidente da Câmara de gestão anterior.

Nomearia os quatro membros da Comissão Verificadora, que confirmaria ou não os candidatos eleitos em nível federal e estadual. Através desse mecanismo, o presidente da Comissão seria conhecido antecipadamente e a oposição nunca teria vez, pois a Comissão só reconhecia aqueles que recebem diploma, ou seja, uma ata geral, assinada pela maioria da Câmara Municipal. Em outras palavras, só entravam na “panelinha” a situação, os candidatos do partido oficial e dos partidos estaduais.

Dominar o Congresso não era suficiente. Era necessário que o mecanismo da Comissão de Verificação atingisse o interior, isto é, os Estados e os grandes latifúndios.

Com essa finalidade, o saneador de moeda introduziu na República Velha a política dos governadores. Segundo este acordo tácito entre os presidentes e os governadores estaduais, o governo federal ajudaria a manter os políticos favoráveis ao governo nos Estados e, em troca, os governos estaduais se comprometeriam a apoiar maciçamente a política do governo federal. Esta troca de favores garantiria a permanência da República do Café no governo federal e dos grandes latifundiários nos governos estaduais.

Uma boa explicação do funcionamento desse acordo foi dada por João Pinheiro, então governador de Minas Gerais, em resposta a alguém que lhe pedia orientação política: “Não há nenhuma dificuldade. Diga sempre que é solidário com o governo. Tudo se reduz a obedecer. Obedeça e terá acertado politicamente. Do contrário, o senhor sabe, estou aqui com o facão na mão, para chamar à ordem aqueles que se insurgirem. A minha missão principal é esta: manobrar o facão, ou em cima, quando se trata de política federal, ou embaixo, quando estadual”. Uma das maiores consequência da política dos governadores foi o fortalecimento do coronelismo e das oligarquias estaduais. O termo coronel origina-se de patente da guarda Nacional, concedida ou comprada pelos grandes fazendeiros, comerciantes ou industriais, espalhando-se as instituições praticamente por todos os municípios.

“O uniforme e as insígnias tornam-se símbolos representativos de privilégios legais. A fragilidade dos poderes centrais permite a formação de lideranças dos mais aptos e poderosos. Socialmente, o coronel exerce uma série de funções que o fazem temido e obedecido. É o chefe do clã, título que engloba não só a sua família, mas o cabroal que vive em função do seu prestígio, da sua força, do seu dinheiro. Aos agregados, ele dispensa favores: dá-lhes terra, tira-os da cadeia e ajuda-os quando doentes; em compensação, exige fidelidade, serviços, permanência infinita nas suas terras, participação nos grupos armados, etc. É juiz, é comerciante e agricultor, é conselheiro. Quando ele quer, ninguém o contraria; quando ele dita, todos o obedecem. Seu aliado e complemento é o doutor. O termômetro da afirmação do coronel está na manifestação popular do povo. É através deste que ele mantém o prestígio e pressiona para obter os favores necessários para continuar e dominar internamente. Porém, só se conseguem favores quando se é partidário do governo.” (Edgar Carone).

O Coronelismo, fenômeno típico do latifúndio, ganha maior força com a política dos Governadores. O sistema eleitoral foi bem definido por um coronel: “Deem-me um delegado, que ganharei qualquer eleição”. Como em todo país cujo sistema eleitoral não se baseava no voto secreto, as eleições, no Brasil, eram controladas pela mesa eleitora, que chamava a votar vivos e mortos, voluntários de cabresto e eleitores fantasmas. Devido ao Coronelismo, o Brasil transformou-se na grande e bem-comportada fazenda, governada sem oposição, pelas grandes famílias regionais. Os Acioli tomaram conta do Ceará; os Nery, do Amazonas; os Rosa e Silva, de Pernambuco; os Murtinho, de Mato Grosso.

Campos Salles não tinha mais problemas com a oposição; seu programa financeiro desenvolvia-se exatamente de acordo com seus planos. Seu principal objetivo era, como ele próprio afirmava, “acabar com as grandes reuniões políticas, onde a maioria deliberava pois esta é uma função que pertence a poucos e não à coletividade”. Além do domínio das oligarquias da legalização da violência, da degola da oposição e do fortalecimento do Coronelismo, a política dos governadores proporcionou aos Estados de maior população (e maior colégio eleitoral), absoluto controle político. Dessa forma, somente São Paulo e Minas Gerais apresentavam candidatos à presidência: a um paulista sempre sucedia um mineiro e vice-versa. Um jornalista deu a esta gangorra política o nome de Política do Café com Leite. Várias vezes, o governo de Campos Salles, os grupos oligárquicos disputaram a liderança estadual. Mato Grosso, São Paulo e Pernambuco foram palco de várias dissidências e agitações, reprimidas por intervenções apesar da promessa de neutralidade do Presidente.

Em Mato Grosso, Campos Salles confiou o governo a seus amigos, os Murtinho; em São Paulo, enfrentou a oposição de Prudente de Morais e em Pernambuco, a da família do vice-presidente Rosa e Silva. Mais tarde, em 1910, o grande caudilho da República Velha, Pinheiro Machado, encontraria uma solução para este problema: as salvações através da regulamentação da intervenção governamental, que seriam utilizadas para salvar as oligarquias situacionistas.

José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, geógrafo e historiador, foi a maior figura política externa da República. Durante a presidência de Prudente de Morais, o grande diplomata (titular do Ministério das Relações Exteriores de 1902 a 1912) defendera, brilhantemente, os direitos do Brasil sobre a região das Palmas ou das Missões, no extremo oeste de Santa Catarina. A questão entre a Argentina e o Brasil foi submetida ao arbitramento (solução constitucional para as questões externas) do presidente dos Estados Unidos, Cleveland, que decidiu a favor do Brasil (1895). No mesmo ano, os ingleses se estabeleceram na Ilha da Trindade (Espírito Santo). O Brasil recorreu novamente ao arbitramento: o Rei D. Carlos I, de Portugal, deu-lhe ganho de causa. Da mesma forma, foi solucionada a Questão do Amapá; a Guiana Francesa pretendia que sua fronteira com o Brasil se estendesse além do Rio Oiapoque. Esta pendência de difícil solução teve grande repercussão: em Paris falava-se num novo Texas brasileiro. Em 1900, o Conselho Federal suíço arbitrou a favor do Brasil, novamente defendido pelo Barão do Rio Branco.

Campos Salles havia escolhido secretamente o nome do sucessor. Joaquim Murtinho, provável candidato, não foi escolhido por ser solteiro; Bernardino de Campos por ser contra sua política monetária. Campos Salles queria garantir a continuidade de seu programa político-financeiro, por isso decidiu não indicar para sua sucessão um republicano histórico: apresentou à convenção do Partido Republicano os nomes de Rodrigues Alves e Silviano Brandão (setembro de 1901). As eleições a bico de pena de 1º de março de 1902 apontaram, como sempre, a tranquila vitória dos situacionistas contra a suposta oposição de Quintino Bocaiuva e Justo Chermont. A 15 de novembro de 1902, Campos Salles pagou pesado tributo ao descontentamento que sua gestão provocara; uma imensa vaia acompanhou-o durante o trajeto do Palácio do Catete à estação ferroviária, onde embarcaria para São Paulo. Perto da Estação e durante a passagem do trem pelos subúrbios cariocas, milhares de pessoas assobiaram e vaiaram o Presidente que se retirava. Apesar de profundamente ferido em sua vaidade, o saneador das finanças partia tranquilo: os partidos não tinham mais nenhuma expressão nacional, a imprensa estava subvencionada para defender o partido situacionista, o câmbio estava alto, o Tesouro estava rico para facilitar a gestão da nova presidência, os Estados estavam sob controle e, acima de tudo, seu sucessor, Rodrigues Alves, estava eleito. O último serviço que Campos Salles prestou à pátria foi escolher um monarquista para sucedê-lo.

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