Engenharia Genética

  • Home
  • Engenharia Genética

Filósofos gregos, há mais de 2 mil anos, já se preocupavam em encontrar uma explicação para a herança biológica, ou hereditariedade, dos caracteres. No entanto, foi apenas a partir de 1900 que se compreendeu o mecanismo pelo qual se dá a transmissão de características de pais para filhos.

Evolução das ideias sobre a hereditariedade

A pangênese foi a primeira hipótese de que se tem notícia sobre hereditariedade. Proposta em 410, por Hipócrates - médico e filósofo grego ( 460 a.C. - 377 a.C ) - conhecido como o "pai" da Medicina, que é também um dos "pais" da Genética.

Segundo a pangênese, cada órgão ou parte do corpo de um organismo vivo produziria partículas hereditárias chamadas gêmulas, que seriam transmitidas aos descendentes no momento da concepção. Essas gêmulas produzidas e provenientes de todas as partes do corpo, migrariam para o sêmen e seriam passadas para os filhos. O novo ser construiria seu corpo, portanto, a partir das gêmulas recebidas dos pais.

Embora não contendo explicação correta, tem valor como método de investigação científica. Hipócrates foi capaz de identificar o problema a ser investigado, talvez o passo mais difícil do procedimento científico, propondo uma hipótese criativa e plausível para a herança dos caracteres.

Foi uma das explicações mais consistentes para a herança biológica, sendo aceita até o final do século XIX. O próprio Charles Darwin chegou a adotá-la como explicação para a hereditariedade, o que, mais tarde, trouxe críticas à sua teoria evolucionista.

Aristóteles - filósofo grego ( 384 a.C. - 322 a.C ) - aproximadamente um século depois de Hipócrates, escreveu um tratado em que falava sobre o desenvolvimento e hereditariedade dos animais.Nesse tratado ele defendia a existência, no sêmen do pai, de algum tipo de substância responsável pela herança.

Descartava, assim, certas ideias então vigentes, que atribuíam as semelhanças entre pais e filhos exclusivamente a causas espirituais e emocionais.

Aristóteles fez diversas críticas à pangênese. Segundo ele, essa hipótese não explicava como uma pessoa podia herdar características presentes nos avós, mas ausentes em seus pais. O exemplo em que Aristóteles se baseou foi o de uma mulher branca, casada com um homem negro, cujo filho era branco, e o neto tinha pele quase negra.

A descoberta dos espermatozoides

Os antigos sabiam da importância do líquido seminal dos machos para o nascimento dos filhotes, porém, desconheciam como a fêmea participava do processo.

A dúvida sobre a participação efetiva das fêmeas de mamíferos na reprodução provinha do fato de se ignorar, que também elas, como as aves e os peixes, produzem óvulos. Essa ignorância permaneceu até 1672, quando o holandês Graaf, dissecando fêmeas de várias espécies de mamíferos, descobriu que, na época da reprodução, apareciam pequenos inchaços na superfície de seus ovários.

Em 1667, o microscopista holandês Antonie van Leeuwenhoek ( 1632 - 1723 ) descobriu que o sêmen expelido pelos machos no ato sexual continha milhares de criaturas microscópicas, que nadavam freneticamente: os espermatozoides.

Ele imaginou que os espermatozoides podiam ter relação com o nascimento de um novo ser, penetrando no ovo e estimulando seu desenvolvimento.

Essa ideia, confirmada dois séculos mais tarde, foi inicialmente contestada por muitos cientistas, que achavam que os espermatozoides eram simplesmente micróbios parasitas que se desenvolviam no sêmen.

O pré-formismo - século XVII

Os microscópios eram ainda precários e suas imagens de má qualidade.

Apesar disso, alguns pesquisadores, usando a força da imaginação, julgaram ter visto um pequeno indivíduo no interior de cada espermatozoide. Surgia, assim, a hipótese pré-formista, ou pré-formismo, segundo a qual o espermatozoide continha, em seu interior, um ser microscópico totalmente formado.

Curiosamente, havia também aqueles que advogavam a presença de um ser pré-formado no óvulo, e não no espermatozoide.

Com o desenvolvimento dos microscópios, o pré-formismo foi descartado.

Em meados do século XIX foi demonstrado que os espermatozoides penetram no óvulo, confirmando a antiga previsão de Leeuwenhoek. Logo em seguida, estudos microscópicos mostraram que os espermatozoides se originam de células presentes nos finos túbulos que constituem os testículos.

A ligação entre estas e outras descobertas foi consolidando a ideia de que um novo ser surge sempre da união de duas células, os gametas ( do grego gamos, união, casamento), uma fornecida pelo pai - o espermatozoide - e outra fornecida pela mãe - o óvulo.

A herança pelo sangue

A noção de que os caracteres hereditários são transmitidos aos filhos através do sangue existe desde a Antiguidade e estendeu-se até o século XIX.

É daí que provêm expressões que usamos até hoje, como casamento consanguíneo, para indicarmos a união entre pessoas da mesma família; cavalo puro-sangue, quando nos referimos a um cavalo de raça.

Mendel e os fatores hereditários

Em 1865, o monge austríaco Gregor Mendel concluiu que cada característica era determinada por um par de fatores hereditários.

No momento de formar gametas, os fatores se separavam (segregavam), de modo que o gameta era portador de apenas um fator relativo a cada característica.

Na época em que foram publicados, os trabalhos de Mendel não tiveram o devido reconhecimento. Cerca de 35 anos depois, porém, já no início do século XX, as ideias enunciadas por Mendel foram redescobertas, lançando as bases da Genética.

Somente em 1900, depois da morte de Mendel, três outros cientistas, Correns, Tshermak e De Vries, de forma independente, confirmaram através de experimentos os resultados e as conclusões de Mendel.

A teoria cromossômica da herança - década de 1920

No início do século XX os fatores hereditários idealizados por Mendel foram localizados: estavam nos cromossomos de todas as células.

Na década de 1920, consolidava-se a teoria cromossômica da herança, segundo a qual os fatores hereditários, já então denominados genes, se distribuíam ao longo do comprimento dos cromossomos.

Muitos genes começaram a ser localizados, mapeados e estudados através das análises de cruzamentos experimentais. Surgia, assim, a Genética moderna.

A descoberta do material hereditário

Na década de 1940 foram obtidas as primeiras evidências de que a substância hereditária era o ácido desoxirribonucleico, conhecido pela sigla DNA.

Em 1953, James Watson e Francis Crick propuseram o famoso modelo da dupla-hélice para a molécula de DNA, que explicava as características dessa substância como material constituinte dos genes.

A decifração do código genético

Na década de 1960 os cientistas descobriram que os genes contêm instruções escritas em uma espécie de código molecular, o código genético.

Atualmente já é possível isolar genes de um organismo e transplantá-los para outro, onde esses genes podem vir a funcionar. Isso é feito através da Engenharia Genética.

A Engenharia Genética, mais apropriadamente chamada tecnologia do DNA recombinante, é um conjunto de técnicas que permite aos cientistas identificar, isolar e multiplicar genes dos mais diversos organismos.

Esse procedimento trouxe respostas a muitas questões teóricas e práticas da Biologia e começou a ajudar a humanidade na melhoria da qualidade de vida. 

O Projeto Genoma Humano

Cientistas de diversos países fazem parte de um arrojado programa estabelecido pelo governo norte-americano e destinado a mapear os genes dos 23 pares de cromossomos que compõem o cariótipo humano.

grande objetivo da missão é detectar e localizar os genes causadores de doenças hereditárias, a fim de que, por meio da tecnologia do DNA recombinante, tornem-se possíveis a prevenção e a erradicação dessas doenças.

O programa recebeu o nome de Projeto Genoma Humano e tem como objetivo mapear centenas de milhares de genes nos nossos cromossomos. Estimou-se que, no homem, existia entre 1.000 e 2.000 genes por cromossomo. Já são conhecidas milhares de doenças genéticas que afetam a humanidade.

I Doença de Gaucher - deficiência enzimática.
II Câncer de cólon, familial - 1/200 pessoas têm o gene. Destas, 65% virão a ter a doença.
III Retinite pigmentosa - degeneração progressiva da retina.
IV Doença de Huntington - degeneração neurológica com início tardio.
V Polipose do cólon, familial - crescimento anormal do tecido, que frequentemente, leva ao câncer.
VI Hemocromatose - absorção anormalmente alta de ferro da dieta.
VII Ataxia espinocerebelar - degeneração de nervos no cérebro e na medula, levando à perda de controle dos músculos.
VIII Fibrose cística - pulmões cheios de muco, atrapalhando a respiração.
IX Exostose múltipla - tumores ósseos e de cartilagens.
X Melanoma maligno - câncer originado nas células da pele.
XI Neoplasia endócrina múltipla - tumores em glândulas endócrinas e em outros tecidos.
XII Anemia falciforme - anemia devido a problemas nas hemácias, que têm a forma de foice, fechando arteríolas e capilares.
XIII Fenilcetonúria (PKU) - deficiência de uma enzima, que resulta em retardo mental.
XIV Retinoblastoma - tumor congênito de retina.
XV Alzheimer - doença neurológica, degenerativa, que leva à senilidade precoce.
XVI Tay-sachs - doença letal causada por ausência de uma enzima do metabolismo dos lipídios.
XVII Rim policítico - cisto que leva à insuficiência renal.
XVIII Câncer da mama - 5 a 10% dos casos.
XIX Amiloidose - acúmulo nos tecidos de uma proteína insolúvel.
XX Distrofia miotônica - degeneração muscular que afeta adultos.
XXI Hipercolesterolemia, familial - taxas elevadíssimas de colesterol, já na infância.
XXII Deficiência ADA - suscetibilidade a infecções (crianças criadas em "bolhas").
XXIII Esclerose amiotrófica lateral - degeneração neurológica.
XXIV Neurofibromatose (tipo 2) - tumores nos nervos auditivos.
XXV Hemofilia - falta de uma proteína, que resulta em problemas na coagulação sanguínea.
XXVI Distrofia muscular (de Duchenne e de Becker) - deterioração progressiva da musculatura.
XXVII Adrenoleucodistrofia - doença degenerativa, neurológica (discutida no filme O óleo de Lorenzo).

Concluída a primeira etapa do Projeto Genoma, os pesquisadores se voltam para um outro desafio e complexa frente de estudos: a identificação de genes e o sequenciamento de proteínas.

A identificação de proteínas - projeto proteoma - representa papel fundamental para a compreensão do genoma. Alguns cientistas acreditam que a genética não trará todas as respostas, visto que os processos orgânicos estão na dependência de outras substâncias, como as proteínas, que exercem papel essencial em praticamente todos os processos biológicos dentro das células.

Técnica da reação em cadeia da polimerase ( PCR )

Clone significa um conjunto de indivíduos geneticamente idênticos, sejam eles gêmeos monozigóticos, mudas de roseira obtidas de pedaços de seu caule ou planárias que se obtêm partindo-se uma delas ao meio.

Em genética, estende-se o conceito para a multiplicação de genes idênticos. Quando se detecta o gene de interesse, faz-se sua clonagem, ou amplificação gênica, para produzir milhares, milhões, bilhões de genes iguais. Isso pode ser feito, cultivando, indefinidamente, um clone de bactérias, já que ao se dividir, a bactéria duplica seus genes. O mais surpreendente, todavia, é que se pode clonar diretamente o gene, fora de qualquer ser vivo, pela técnica da reação em cadeia da polimerase ( polymerase chain reation = PCR ).

A dupla hélice do DNA é submetida a uma temperatura de 98oC, o que provoca a separação das duas fitas. A seguir, em presença da enzima DNA-polimerase (resistente ao calor, por ser obtida de algas que se reproduzem em fontes termais), cada fita é completada por nucleotídeos existentes no meio, formando-se assim duas moléculas completas. Em seguida, o ciclo recomeça, são produzidas 4 moléculas, e assim por diante.

Essa técnica é especialmente útil:

  • Em criminologia, quando se têm amostras de DNA muito pequenas para serem analisadas.
  • É também utilizada para duplicação de DNA encontrado em material fossilizado, de épocas passadas ou remotas. Verificou-se, recentemente, pela comparação do DNA do homem atual ( Homo sapiens sapiens ) com o DNA tirado de fósseis do Homo neanderthalensis, que as diferenças são grandes demais para que as duas formas tenham sido raças da mesma espécie.
  • É a técnica de utilização mais fácil para obtenção de grandes quantidades de DNA para se usar em Engenharia Genética.

DNA recombinante

Em Engenharia Genética, a expressão DNA recombinante indica o resultado obtido a partir de pedaços de DNA de fontes diferentes, ligados entre si. Às vezes, os DNA provêm de dois organismos diferentes, como é o caso do gene para insulina humana ligado ao DNA de bactéria. Outras vezes, um pedaço de DNA de um organismo pode ser ligado a um DNA sintético, feito em laboratório pela junção de nucleotídeos na sequência desejada.

Para se conseguir o DNA recombinante, é preciso “cortar” as moléculas de DNA que se quer recombinar e em seguida “colar” suas extremidades (enzima DNA-ligase). Para isso, os pesquisadores utilizam as enzimas de restrição. Essas são enzimas obtidas de bactérias que as produzem naturalmente para se defender da invasão de alguns vírus; elas têm a propriedade de “cortar” o DNA de dupla hélice do invasor em certos pontos, específicos para cada tipo de enzima de restrição. Assim, os pesquisadores usam essas enzimas para “cortar” em laboratório os tipos de DNA que eles objetivam “colar” mais tarde.

Diversas indústrias produzem e vendem essas enzimas, empregadas em larga escala nos laboratórios de Genética Molecular de todo o mundo.

Cortar DNA com enzimas de restrição é hoje um procedimento corriqueiro em laboratórios de Genética Molecular. Por exemplo, uma amostra de DNA purificado, extraído de glóbulos brancos do sangue de uma pessoa, pode ser tratado com uma determinada enzima de restrição. Os fragmentos obtidos podem ser separados uns dos outros por meio de eletroforese. Essa técnica permite separar moléculas de acordo com seu tamanho e carga elétrica. Uma vez separados, os fragmentos podem ser comparados aos de outro DNA.

A eletroforese de DNA cortado com determinada enzima de restrição fornece um padrão de faixas típico de cada pessoa. Com exceção dos gêmeos univitelinos, não existem dois indivíduos cujo DNA seja igual. Moléculas de DNA de duas pessoas diferentes serão cortadas em pontos diferentes e darão fragmentos de diferentes tamanhos.

A análise do padrão de fragmentos de DNA originados pela ação das enzimas de restrição é hoje o método mais seguro para se identificar pessoas, já sendo largamente utilizado em investigações policiais e em testes de paternidade.

As impressões digitais eram consideradas a melhor assinatura biológica, mas a genética molecular desenvolveu esse modo mais sensível e preciso para distinguir uma pessoa de todas as demais, recorrendo ao estudo do DNA.

Importância das bactérias na Engenharia Genética

A célula bacteriana, além do seu cromossomo, possui pequenas moléculas de DNA circulares, os plasmídeos, não essenciais à bactéria, mas que contêm alguns genes. Os plasmídeos mantêm uma existência independente do cromossomo maior; sua duplicação, no entanto, é sincronizada com a da bactéria, garantindo assim sua transmissão para as bactérias-filhas.

É nos plasmídeos que as técnicas de Engenharia Genética incorporam os genes “estranhos” à bactéria, experimentalmente. A bactéria, agora transgênica, passa a produzir as proteínas que esses genes codificam, o plasmídeo se duplica junto com o gene enxertado e os descendentes da bactéria (clones ou colônias) conservam a capacidade de produzir tal proteína.

plasmídeos que possuem genes responsáveis pela síntese de enzimas que destroem um antibiótico antes que ele faça mal à bactéria ( plasmídeos R, de resistência ). A passagem de plasmídeos R de uma bactéria para outra é rápida e eficiente. Quando dois ou mais tipos de plasmídeos R estão presentes em uma mesma bactéria, os genes de um deles podem passar para o outro. Esse mecanismo faz com que surjam plasmídeos R muito complexos, portadores de diversos genes para resistência a diferentes antibióticos.

Essa propriedade de os genes para resistência a antibióticos passarem de uma molécula de DNA para outra fez com que os cientistas os chamassem de transposons ou genes saltadores. Os transposons podem sair de um local do cromossomo e se inserir em outro local, tanto no mesmo cromossomo como em um cromossomo diferente.

Os transposons não são exclusivos de bactérias: já foram identificados em diversos organismos, inclusive em nossa própria espécie.

Sumário

- Evolução das ideias sobre a hereditariedade
i. A descoberta dos espermatozoides
ii. O pré-formismo - século XVII
iii. A herança pelo sangue
iv. Mendel e os fatores hereditários
v. A teoria cromossômica da herança
vi. A descoberta do material hereditário
vii. A decifração do código genético
- O Projeto Genoma Humano
- Técnica da reação em cadeia da polimerase
- DNA recombinante
i. Importância das bactérias na Engenharia Genética