Romantismo em Portugal

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Romantismo em Portugal

O Romantismo em Portugal se iniciou em 1825 e se estendeu até o final do século. O Romantismo é a escola literária que sucedeu o Arcadismo: surgiu em uma época histórica em que grandes transformações ocorriam na Europa. O início do Romantismo em Portugal foi marcado pela publicação, em 1836, de A Voz do Profeta, de Alexandre Herculano.

1. Datas

  • 1825: publicação do poema narrativo Camões, de Almeida Garrett - início do Romantismo em Portugal.
  • 1865: "Questão Coimbrã" - polêmica entre os românticos tradicionais e os jovens realistas - início do Realismo em Portugal.

2. Contexto histórico

Na Europa, o fim do século XVII e o início do século XIX assistem a grandes mudanças, entre as quais a crise das monarquias nacionais absolutistas e a Revolução Francesa, que teve como consequências:

  • a disseminação dos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade;
  • a ascensão da burguesia ao poder;
  • o surgimento do Liberalismo em política, moral, economia e arte;
  • uma nova escala de valores, com o predomínio do interesse pelo enriquecimento;
  • transformações históricas, sociais e culturais. 

Portugal vive um período de turbulências e instabilidade: a primeira metade do século XIX é marcada por vários acontecimentos conflitantes:

  • 1808 -1821: vinda da família real para o Brasil;
  • 1820: revolta do exército - início do período conhecido com "Vintismo";
  • 1822: Nova Constituição, com o regresso de D. João VI;

Independência do Brasil - piora da situação política portuguesa;

  • 1822 a 1833: disputas pelo poder entre irmãos - clima de desordem;
  • 1847: início do governo da Regeneração, apoiado pela burguesia - maior estabilidade;
  • quadro social desolador:
    • economia agrícola;
    • 80% da população analfabeta;
    • exílio voluntário de vários intelectuais, como Almeida Garrett e Alexandre Herculano. 

3. Origens do Romantismo

As origens do Romantismo encontram-se na Alemanha, no movimento "Sturm und Drang" (Tempestade e Ímpeto), que envolveu artistas como Goethe, Herder, Schiller, os irmãos Schlegel no combate ao racionalismo clássico, e no culto da subjetividade. Na Inglaterra,Edward Young, Walter Scott e Lord Byron também pregavam o domínio da emoção e da subjetividade, o romance histórico, com a exaltação do passado nacional.

Mas foi a França o centro do movimento e o polo divulgador do Romantismo na Europa: artistas como Chateaubriand, Lamartine, Musset e Victor Hugo abraçaram as características do movimento e pregaram a liberdade de expressão ("sem regras, nem modelos").

4. Características gerais do Romantismo 

A subjetividade, visão de mundo filtrada pela vivência pessoal do artista e derivada de suas emoções e sentimentos, é a grande característica do romantismo, da qual derivam outras como:

  • individualismo, egocentrismo, narcisismo;
  • predomínio da emoção e do sentimento sobre a razão - "derramamento de emoções" ou "descabelamento romântico";
  • excesso de sentimentalismo e carência de razão - desequilíbrio, anarquia, ilogismo;
  • prevalência da imaginação e do idealismo sobre o plano do real e do concreto;
  • fuga à realidade, evasão, escapismo - a fantasia como única saída para o desespero - o artista cria mundos em que o "eu" possa encontrar consolo;
  • retorno ao medievalismo, ao passado remoto - referências a terras exóticas, a lugares distantes;
  • busca, na Natureza, de remédios para os males para os males do coração - a natureza, para os românticos, é dinâmica e expressiva, refletindo as emoções do artista, ao contrário da natureza árcade, que é sempre perfeita, estática e convencional;
  • instabilidade emotiva, tipicamente adolescente - "estética de adolescentes";
  • nacionalismo, exaltação da pátria, ufanismo;
  • distanciamento dos padrões preestabelecidos de Arte, em contraposição às regras do Arcadismo;
  • no plano formal, a liberdade de expressão - a língua como veículo das emoções do "eu":
  • no apogeu do Romantismo, conhecido como Ultra-Romantismo, a deserção total, através da morte: os ultra-românticos sentem tédio, morbidez e pessimismo diante da vida, atitude conhecida como "Mal-do-Século",
  • preferência pela paisagem noturna, principalmente no Ultra-Romantismo, por ser ela mais propícia ao sonho, à imaginação, à fantasia.

Os Três Momentos do Romantismo 

O primeiro momento do Romantismo português ainda apresenta reminiscências neoclássicas, como o uso de modelos preestabelecidos e o comedimento da expressão; na realidade, o romantismo dessa fase está nos ideais, no espírito libertário e no nacionalismo. Pertencem a este período os autores Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho.

O segundo momento, do qual fazem parte Camilo Castelo Branco e Soares de Passos, corresponde ao "ultra-romantismo", em que há o exagero e o reinado da emoção, a sensação de tédio, melancolia, desespero, morbidez em relação à vida e ao mundo.

O terceiro momento, que corresponde ao crepúsculo do Romantismo e às antecipações do realismo, é o de maior equilíbrio e está representado pela obra de Júlio Dinis e João de Deus.

Almeida Garrett

Almeida Garrett

João Batista Leitão de Almeida Garrett, o iniciador do Romantismo português, nasceu no Porto (1799) e morreu em Lisboa, em 1854. A denúncias das contradições ideológicas entre o pensamento conservador e a defesa das ideias liberais o levaram a ser exilado duas vezes de Portugal. Dedicou-se à vida pública, após a vitória liberal em Portugal, sendo diplomata, deputado, jornalista.

Sua vida amorosa foi agitada: casamento, divórcio, diversas paixões e escândalos, mas deixou obra vasta e variada: poesia, prosa, teatro, oratória parlamentar, pensamento doutrinário, jornalismo. Entre todas elas, as principais são: Flores sem fruto, Folhas caídas (poesia), Viagens na minha terra (prosa de ficção) e Frei Luís de Souza (teatro)

Sua poesia evoluiu em duas fases: a primeira, marcada por forte influência da poesia neoclássica, apresenta contenção emotiva e equilíbrio. A segunda, romântica, é a fase mais significativa de sua obra poética, embora ainda se note o comedimento clássico, com o controle da emoção, o que só seria quebrado em sua obra lírica maior, Folhas caídas. A linguagem de Garrett nos poemas é popular, o ritmo coloquial, e há o uso frequente de redondilhas.

Além das citadas, deixou, em poesia as seguintes obras: Camões, D. Branca, Romanceiro e Cancioneiro geral.

Viagens na minha terra é uma obra misto de jornalismo, diário íntimo e prosa de ficção; o estilo é rico, maleável, com grande plasticidade nas descrições e a abordagem de temas variados: do amor à política. Há, no livro, um certo autobiografismo, pois refere-se a uma viagem realmente feita por Garrett entre Lisboa e Santarém.

Frei Luís de Souza, peça teatral composta de três atos em prosa, é considerada a obra-prima da dramaturgia portuguesa; sua classificação situa-se entre a tragédia e o teatro romântico; foi inspirada no drama vivido, no século XVI, por Manuel de Souza Coutinho - o Frei Luís de Souza - e D. Madalena de Vilhena - viúva de D. João de Portugal, desaparecido com D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir.

Texto escolhido:

Jorge (cortando a conversação)
Bom velho, dissestes trazer um recado a esta dama: dai-lho já, que havereis mister de ir descansar...
Romeiro (sorrindo amargamente)
Quereis lembrar-me que estou abusando da paciência com que me tem ouvido? Fizeste bem, padre; eu ia-me esquecendo... talvez me esquecesse de toda a mensagem a que vim... estou tão velho e mudado do que fui!
Madalena
Deixai, deixai, não importa; eu folgo de vos ouvir; dir-me-eis vosso recado quando quiserdes... logo, amanhã...
Romeiro
Hoje há de ser. Há três dias que não durmo nem descanso, nem pousei esta cabeça, nem pararam estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu recado... e morrer depois... ainda que morresse depois; porque jurei... faz hoje um ano... quando me libertaram, dei juramento sobre a pedra do Sepulcro de Cristo...
Madalena
Pois éreis cativo em Jerusalém?
Romeiro
Era: não vos disse que vivi lá vinte anos?
Madalena
Sim, mas...
Romeiro
Mas o juramento que dei foi que, antes de um ano cumprido, estaria diante de vós e vos diria da parte de quem me mandou...
Frei Luís de Souza

Alexandre Herculano 

Alexandre Herculano

Alexandre Herculano nasceu em Lisboa (1810) e morreu em Val-de Lobos, em 1877; como participante das lutas liberais, foi exilado na França, onde conheceu o Romantismo. Sua carreira foi marcada por intensa atividade literária e prestígio intelectual, apesar da origem humilde; a adesão total às ideias liberais e a violenta reação do clero o levariam a escrever o opúsculo Questão Eu e o clero. Retirou-se da vida pública nos últimos 17 anos.

É o "criador do romance histórico português" e escreveu contos, romances, poesia, ensaios e obras históricas. Seu estilo é sóbrio, equilibrado, solene. Suas principais obras são as novelas históricas Eurico, o Presbítero e O Monge de Cister, reunidas no projeto Monasticon, em que se propunha a examinar o celibato clerical à luz do sentimento e a religião como arma e elemento complicador da vida sentimental das personagens. A ambientação histórica de suas obras é sempre a Idade Média.

Em seu conjunto de obras, destacam-se ainda O Bobo (romance histórico) e Lendas e narrativas (contos de inspiração medieval).

Texto escolhido:

A ventura das armas muçulmanas tinha chegado ao apogeu, e a sua declinação começava, finalmente. E na verdade, a ira celeste contra os godos parecia dever estar satisfeita. O solo da Espanha era como uma ara imensa, onde as chamas das cidades incendiadas serviam de fogo sagrado para consumir aos milhares as vítima humanas. O silêncio do desalento reinava por toda a parte, e os cristãos viam com aparente indiferença os seus vencedores poluírem as últimas cousas que, até sem esperança, ainda defende uma nação conquistada - as mulheres e os templos. Teodomiro pagava bem caro o procedimento que o desejo de salvar os seus súditos o movera a seguir. O pacto feito por ele com os árabes não tardou a ser por mil modos violado, e o ilustre guerreiro teve de se arrepender, mas já debalde, por haver deposto a espada aos pés dos infiéis, em vez de pelejar até a morte pela liberdade. Fora isto o que Pelágio preferira, e a vitória coroou o seu confiar no esforço dos verdadeiros godos e na piedade de Deus.
Os que têm lido a história daquela época sabem que a batalha das Cangas de Onis foi o primeiro elo dessa cadeia de combates que, prolongando-se através de quase oito séculos, fez recuar o Corão para as praias de África e restituir ao Evangelho esta boa terra de Espanha, terra, mais que nenhuma, de mártires. Na batalha de junto do Auseba foram vingados os valentes que pereceram nas margens do Chrysus; porque mais de vinte mil sarracenos viram pela última vez a luz do Sol naquelas tristes solidões. Mas, nesse dia de punição, esta devia abranger assim os infiéis, como os que lhes haviam vendido a pátria e que ainda vinham disputar a seus irmãos a dura liberdade de que gozavam nas brenhas intratáveis das Astúrias.
Eurico, o presbítero

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa (1825) e morreu em São Miguel de Seide, em 1890. Sua vida foi tumultuada e sofrida; órfão muito cedo, casou-se precocemente e logo sofreria diversas amarguras: separação, prisão, envolvimento com uma freira, paixão proibida, nova prisão, cegueira, suicídio.

É um autor copioso; sua obra é vasta e variada: novela, romance, conto, poesia, teatro, crônica, epistolografia, jornalismo, polêmica, folhetim, crítica literária, com destaque para as novelas passionais. Suas narrativas englobam paixões desenfreadas, mistérios, assuntos históricos, intenções satíricas, antecipações realistas, em linguagem direta, comunicativa, coloquial, às vezes irônica. A imaginação privilegiada e a sensibilidade emocional fazem deste um dos maiores autores do Romantismo português.

Suas principais obras são as novelas Amor de perdição, Amor de salvação, A queda dum anjo e Coração, cabeça e estômago, todas da segunda fase de sua produção literária, período em que se destacam as seguintes características:

  • linguagem criativa, coloquial, estilo direto;
  • suspense bem dosado;
  • enredo conciso, equilibrado;
  • projeções autobiográficas;
  • amor - sentimento dominante, absoluto.

Merece destaque também o romance Eusébio Macário, da terceira fase, em que o escritor se dedica à crítica social e à sátira da sociedade e na qual se observam certas antecipações realistas e naturalistas, com descrições minuciosas, abordagem de temas realistas como o adultério. Nessa fase, Camilo escreveu ainda A Corja e A Brasileira de Prazins.

Texto escolhido:

Minha mulher, ao abrir-me os tesouros da sua alma, revelou-me também os tesouros da fé, as delícias da religião, e a taça inexaurível dos sabores da caridade.
Mafalda desaparece-me às vezes com os filhos mais velhos: eu vou procurá-la fora de casa com os mais novos nos braços, e descubro a piedosa valedora no cardenho de algum jornalheiro, à cabeceira das palhas nuas do enfermo, ao qual ela foi levar a cobertura e o alimento. Outras vezes são os meus filhos que levam o seu fatinho velho às crianças, que estalejam de frio, sobre o lajedo duma cozinha sem lume.
Se alguma hora falei como marido austero a minha mulher, a doce criatura respondeu-me com um sorriso; os meus queixumes são sempre causados pela pertinácia de ela entender do governo da casa com zelo convizinho da mortificação. Mafalda é rica; mas tem uma máxima indestrutível: "poupar para os pobres".
Há dez anos que vivo em Ruivães. Neste longo espaço, apenas tenho acompanhado minha mulher a observar a cultura das suas quintas, que ela teima em chamar minhas. Mafalda tem vagas ideias do que é um baile, e eu pude esquecer as ideias que tinha. Dizem que a convivência de anos entre esposos, que muito se amam, traz consigo de seu natural uns silêncios significativos do esfriamento das almas. Eu não sei o que seja esse arrefecer. O céu e a terra estão continuamente abertos ante meus olhos; de cada vez que os contemplo, a cada alvorecer, e fim da tarde, os maravilhosos poemas dão-me sempre a ler uma página nova, e Mafalda traduz mais pronta que eu os hieroglíficos da Divindade. Falamos de Deus e dos filhos; contemplamos o boi que nos encara soberbo; a avezinha gemente que pipila; a fonte que suspira, e a catadupa do ribeiro que ruge. A natureza é a terceira voz dos nossos colóquios, umas vezes amor, outras vezes ciência, e sempre admiração e perfumes ao Eterno, que nos encheu de delícias, e enflorou o caminho da velhice.
Amor de salvação

Os outros autores

a) Antônio Feliciano de Castilho:

  • Primeiro Momento Romântico;
  • poeta, conservador - pensamento clássico, tradicionalista;
  • defendendo os ideais românticos, foi protagonista da Questão Coimbrã, polêmica que marcou o início do Realismo português.

b) Soares Passos:

  • Segundo Momento Romântico;
  • representa a poesia ultra-romântica;
  • destaque para o poema "O noivado no sepulcro".

c) Júlio Dinis:

  • Terceiro Momento Romântico;
  • autor de transição entre o Romantismo e o Realismo - ideal de contenção e racionalidade;
  • escreveu novelas campesinas, bucólicas;
  • destaque para As Pupilas do Senhor Reitor e A morgadinha dos canaviais.

d) João de Deus:

  • Terceiro Momento Romântico;
  • poeta de transição para o Realismo;
  • poesia satírica, metafísica e lírico-amorosa, marcada pela simplicidade, musicalidade e espontaneidade.

Sumário

- Romantismo em Portugal
i. Datas
ii. Contexto histórico
iii. Origens do Romantismo
iv. Características gerais do Romantismo
- Os Três Momentos do Romantismo
- Almeida Garrett
- Alexandre Herculano
- Camilo Castelo Branco
- Os outros autores

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