Discurso na Narrativa

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Discurso na narrativa

Há três tipos de discurso na narrativa: o discurso direto, o discurso indireto e o discurso indireto livre. Esses três tipos de discurso na narrativa podem aparecer juntos em um único texto.

Narrativas são texto que preveem uma associação de ocorrências. Há narrativas literárias e não literárias. As narrativas literárias procuram recriar a realidade observada no plano do real ou no plano do possível. Nelas o artista faz sua leitura do mundo, côa as possibilidades de um mundo especial. É aí que entra a questão da verossimilhança, isto é, a conformidade com o plausível, convincente.

As narrativas não literárias concentram-se, sobretudo nos relatos jornalísticos, no registro das ocorrências verídicas. Mas essas ocorrências verídicas podem ser motivo de textos literários em prosa ou em verso. O poeta Manuel Bandeira dá-nos belíssimos exemplos disso. Leiamos um deles!

TRAGÉDIA BRASILEIRA

Misael, funcionário da Fazenda, com sessenta e três anos de idade. Conheceu Maria Elvira na Lapa - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.

Viveram três anos assim.

Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...

Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Agora vejamos um exemplo de prosa narrativa não literária:

"No final o bom senso prevaleceu sobre a ganância. Na semana passada, 39 dos maiores laboratórios farmacêuticos desistiram do processo judicial contra o projeto da África do Sul de distribuir versões baratas de remédios antiaids. Na hora H, entenderam que o custo para a imagem seria maior que o lucro das patentes. Um em cada cinco adultos sul-africanos está infectado pelo vírus HIV. Com tantos doentes e pouco dinheiro, a África do Sul pretende copiar as receitas dos laboratórios ricos para repassar remédios aos pacientes pobres - daí a fúria dos fabricantes. O Brasil já faz pouco-caso de patentes na hora de preparar o coquetel antiaids, base de um tratamento que é referência para o mundo. Os Estados Unidos, que por causa disso se queixaram à Organização Mundial do Comércio, têm agora um bom exemplo a seguir."

FOCO NARRATIVO

Discurso é elocução. É fala dentro de um contexto. Na estrutura da narrativa há três maneiras de anunciar o discurso das personagens: o direto, o indireto e o indireto livre, além do próprio discurso do narrador. Comecemos por ele.

Numa narrativa, o narrador assume um ponto de vista (foco narrativo). Caso se constitua narrador-personagem (ou narrador-participante), haverá foco narrativo em primeira pessoa:

"O ponto crucial do meu problema é que eu não quero ser negro. Não me sinto negro a não ser quando uma palavra ou um ato discriminatório dum branco me lembra disso. (...) Envergonho-me  do sangue que me corre nas veias. É duro ter de admitir tudo isso, mas é o que sinto, o que sou. Não creio que o problema negro jamais tenha solução no meu país. As leis de integração são apenas... palavras, palavras, palavras. O ódio, o desprezo ou a repugnância que os brancos sentem pelos negros é uma ... uma doença herdada."

VERÍSSIMO. Érico, O prisioneiro.

Repare que o narrador relata sobre si mesmo: é simultaneamente narrador e personagem. Este é o foco narrativo em primeira pessoa.

Vejamos outro trecho:

"Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esboçando. Acomodar-se-iam num sítio pequeno, o que parecia difícil a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra. Mudar-se-iam depois para uma cidade, e os meninos frequentariam escolas, seriam diferentes deles. Sinhá Vitória esquentava-se. Fabiano ria, tinha desejo de esfregar as mãos agarradas à boca do saco, e à coronha da espingarda de pederneira." (...)

RAMOS. Graciliano, Vidas Secas.

Não é difícil perceber que o narrador, no trecho acima, não está incluído nos episódios narrados. Ele relata aquilo que sabe, conhece a respeito de outrem. É foco narrativo em terceira pessoa.

Nota-se, ainda que o narrador, aí, vai além dos fatos: conhece o íntimo, as vontades, desejos e ansiedades das personagens: "Cultivariam um pedaço de terra...""...os meninos frequentariam escolas...", isto indica um narrador-onisciente, ou seja, um narrador que ultrapassa os limites do tempo, do espaço e da ação, já que a orienta em conformidade com os elementos psicológicos das personagens. 

Tipos de Discurso

Além da elocução do narrador, há nos textos narrativos as falas das personagens. Isto produz três tipos de discurso: direto, indireto e indireto livre.

Discurso direto: É a elocução da personagem. É a fala da personagem por sua própria voz. O narrador não interfere nesse discurso. É o foco narrativo de primeira pessoa.

"Olhei, pela janela embaciada, as casotas pobres que se aninhavam do outro lado da cerca do hospital. Assim apertadas umas de encontro às outras, rasteiras e medrosas, pareciam-me velhinhas friorentas acocoradas a um raio de sol. Cidade de contrastes. Naquele descampado que as escavadoras tinham esquecido, viam-se ainda, às vezes, - e eu bem gostava de apreciá-los -, rebanhos de carneiros, assustados do burburinho à volta. Roíam a erva seca, já inseguros, o instinto a acautelá-los do açougue próximo."

NAMORA, Fernando 

Já se sabe que o discurso direto impõe a voz da personagem. Neste caso, o autor usa os chamados verbos de elocução ou verbos discendi. O discurso direto, geralmente constitui um diálogo e, neste caso, é importante atentar para a pontuação, como se observa:

"O professor coçou a cabeça e disse: - Foi o senhor quem fez a lição?"

São verbos discendi: falar, dizer, responder, perguntar e outros que introduzem a fala da personagem. Você notou  que normalmente o discurso direto se precede de dois-pontos e travessão.

Discurso indireto: É a fala da personagem trazida ao ar pela boca do narrador. É o foco narrativo em terceira pessoa.

"Martim Francisco não obedeceu. Disse ao imperador que não havia lei que pusesse a cargo do Estado os descuidos dos empregados públicos; que o ano tinha para todos doze meses e não treze para os protegidos; e, finalmente, pediu a Sua Majestade que retirasse a ordem, porque era exequível que ele, Martim Francisco, repartisse com seu irmão o seu ordenado e que viveriam ambos com mais parcimônia naquele mês, o que era melhor do que dar ao país o funesto exemplo de se pagar ao ministro duas vezes o ordenado de um só mês."

DRUMMOND, Vasconcelos

Discurso indireto livre: Espécie de "representação da fala interior da personagem" É a descoberta daquilo que a personagem não diz, mas poderia dizer, pois o discurso está articulado em seu interior.Expressa-se em terceira pessoa.

"Pois não estavam vendo que ele era de carne e osso? Tinha a obrigação de trabalhar para os outros, naturalmente conhecia o seu lugar. Bem. Nascera com esse destino, ninguém tinha culpa de ele haver nascido com um destino ruim Que fazer? Podia mudar a sorte? (...)"                                                                                                        

RAMOS. Graciliano, Vidas Secas.

Veja a estrutura do discurso indireto, ou seja, aquele em que o narrador "diz" o que "disse" a personagem: "O professor coçou a cabeça e perguntou se fora eu (ou ele) quem fizera a lição."

O discurso indireto se constrói com um verbo discendi seguido de conjunção integrante (que ou se). Tais conjunções são introdutoras da fala indireta, como se observou no exemplo dado. 

Transposição do discurso direto para o indireto

Que interessa na transposição de um discurso direto para um indireto?

a) uso da conjunção integrante após o verbo discendi. Exemplos: disse que.../perguntou se...

b) Os sinais de pontuação - dois-pontos, travessão, introdutores do discurso direto, e o ponto de interrogação - desaparecem.

c) O verbo do presente passa para o imperfeito do indicativo.

d) Há flexão de pessoa nos pronomes possessivos e nos demonstrativos.

e) Há mudança na orientação dos advérbios de lugar.

Exemplo de transposição:

Discurso direto:

O juiz perguntou ríspido: - Sua mãe, aqui presente, é a suspeita do crime?

Discurso indireto:

O juiz, ríspido, perguntou se minha mãe, ali presente, era a suspeita do crime.

ENREDO

Chama-se enredo à conjunção dos elementos constituintes da narrativa, tais como ação, tempo, espaço, discursos. Tal organização deve conduzir a um processo que, a partir de um prólogo, aos poucos se intensifica, chegando a um ponto de saturação (clímax). A partir do clímax o processo vai-se desenleando, trazendo solução dos conflitos até atingir o epílogo.

 

Sumário

- Foco Narrativo
- Tipos de Discurso
i. Transposição do discurso direto para o indireto

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