Governo de Prudente de Morais

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Governo de Prudente de Morais

O governo de Prudente de Morais marcou a transição do poder das mãos dos militares para os civis. O governo de Prudente de Morais se iniciou no dia 15 de novembro de 1894 e se encerrou em 15 de novembro de 1898, quando Campos Salles assumiu a presidência da República. Prudente de Morais foi o terceiro presidente do Brasil. Foi o primeiro civil a assumir o cargo. Contudo, houve em sua administração a forte presença de militares ligados a seu antecessor, o presidente Floriano Peixoto. Durante o governo de Prudente de Morais, o PIB brasileiro cresceu 18% (média de 4,5% por ano).

REPÚBLICA DAS OLIGARQUIAS

Prudente de Morais (1894/1898)

Ninguém o esperou na estação, no Rio de Janeiro. Nem mesmo no Senado, onde foi prestar juramento, havia alguém para abrir-lhe a porta do carro alugado. Ao entrar na sede do governo, no Palácio do Itamarati, não encontrou ninguém a quem entregar o chapéu. Apenas um ex-ministro do governo precedente estava a sua espera, não para assistir à posse, mas para dar-lhe um recado: O Marechal de Ferro desejava-lhe boa sorte. Esta foi a recepção que os florianistas deram ao primeiro presidente civil, o 3º da República do Brasil, Prudente de Morais.

No Palácio do Governo, o advogado de Sorocaba, o Biriba (apelido dado pelos rio-grandenses ao tropeiros sorocabanos e utilizado, em tom de chacota, pelos frequentadores da rua do Ouvidor), esperava que as notícias espalhadas pelo país não passassem de simples boatos. Dizia-se que Floriano Peixoto não daria posse ao presidente eleito. Às véspera das eleições, o Consolidador dissera a Francisco Glicério: “Com Prudente de Morais prevejo perseguições aos nossos amigos. Até você não será poupado e há de sofrer bastante. Mais tarde me dirá se tiver ou não razão; mas fique certo de que, qualquer que seja o eleito e proclamado pelo Congresso, eu o empossarei no poder...” Sincero ou não, Floriano, doente do fígado, retirou-se para a estação de águas de Cambuquira e daí para a sua fazenda do Paraíso, no município de Barra Mansa, no Estado do Rio, ignorando os planos dos que pretendiam mantê-lo no poder.

No ano de 1892, o problema da sucessão presidencial decidira os destinos da República. As forças conservadoras do país, lideradas pelos cafeicultores, haviam chegado a uma conclusão: a República da Espada não podia mais continuar. “Lugar de Militar é na caserna”, diziam: “O florianismo como ficou chamado o sentimento reformista, popular, jacobino e xenófobo (inspirado por Floriano) correspondia aos vagos anseios da classe média, difusa e heterogênea; mas era, antes de tudo, a reação violenta e radical a qualquer tipo de saudosismo político.

Em princípios de 1893, um velho propagandista da República e amigo pessoal de Floriano, Francisco Glicério, fundou um partido que era uma verdadeira “catedral” : o Partido Republicano Federal. Nele reuniram-se republicanos históricos, conservadores, florianistas exaltados, jacobinos intransigentes, federalistas e até monarquistas. A convenção do Partido escolheu Prudente de Morais e o senador baiano Manual Vitorino Pereira como candidatos à presidência e vice-presidência da República, respectivamente. Floriano Peixoto não gostou da escolha: indicou para candidatos Rangel Pestana e depois Lauro Sodré, em vão.

O Partido Republicano Federal agia com muita cautela, evitando apresentar qualquer programa que pudesse levantar polêmica com os florianistas. Estes aguardavam apenas a palavra de ordem de seu chefe, que não seria dada: Floriano decidira ser constitucional. Em março de 1894, Prudente de Morais e Manuel Vitorino foram eleitos com tranquilidade, inaugurando no Brasil República uma longa tradição de fraude eleitoral. Desfaziam-se os sonhos de uma República democrática e iniciava-se a Ditadura do Café, que duraria 36 anos.

Prudente de Morais Barros, advogado latifundiário paulista, membro da Convenção de Itu de 1873, foi deputado geral pelo Partido Republicano Paulista e Presidente da Assembleia Constituinte Republicana. Segundo seus biógrafos, possuía inteligência e magnetismo pessoal. Falava pouco, pausadamente; escolheu cautelosamente o Ministério, rodeando-se de republicanos históricos. Procurou executar as duas tarefas que lhe haviam sido confiadas pelas forças que o colocaram no poder: pacificar o Rio Grande do Sul e neutralizar a ação dos florianistas e reformistas no Brasil.

A oposição resistiu violentamente à ideia de anistia, adotada por Prudente como solução para a guerra civil sulista, que ainda fazia mortos e feridos nos Pampas. A ideia inicial partira de seu colega de faculdade, Campos Sales. A apresentação desta ao congresso o transformou num verdadeiro campo de batalha. A anistia não era somente uma solução militar; ao concedê-la, Prudente inauguraria nova linha política, que visava esvaziar o Florianismo e o Republicanismo. Francisco Glicério, grande figura da Câmara, chamado, por isso, de “General das 21 brigadas” (vinte estados e o Distrito Federal), opôs-se violentamente à solução pacífica. A rua do Ouvidor (centro político da época) converteu-se num palco de guerra, a imprensa em arma jacobina, os bailes de carnaval em manifestações antigovernistas.

No Sul, a situação era difícil devido à revolta iniciada no governo de Floriano, em 1893. O Castilhismo, aliado ao Florianismo, pedia a morte de 526 revoltosos exilados no Uruguai e na Argentina. Em Montevidéu, os conspiradores articulavam a reação: sob a liderança de Saldanha da Gama invadiram três vezes o Rio Grande e em todas elas foram derrotados, morrendo vários chefes federalistas, entre eles Gumercindo Saraiva. O governo ofereceu a paz: a 1º de janeiro de 1895, Prudente concedeu aos federalistas indulto e permissão para voltar, no prazo de noventa dias, e enviou missões de paz para tratar com os revoltosos as condições para a deposição das armas. As negociações se realizaram em Pelotas: o general Inocêncio Galvão de Queirós aceitou a paz, honrosa para os derrotados, mas incendiária para o governo de Prudente. A batalha de anistia foi ganha pelo Presidente e valeu-lhe o nome de Pacificador. Prudente venceu, pelo cansaço, o Congresso e os Federalistas; também contribuiu para sua vitória a morte de Saldanha da Gama e Floriano Peixoto. Com o primeiro morria a esperança restauradora; com o segundo, a esperança de volta ao poder e ao reformismo militar.

O médico diagnosticou: cirrose hepática hipertrófica. A 29 de junho de 1895, o fígado levou à morte o Consolidador. A República vestiu seu mais pesado luto: o povo acorreu às ruas. Muitos se dirigiram à sua fazenda do Paraíso, em trens especiais, para render-lhe a última homenagem. Quando o corpo chegou à capital, uma multidão compacta, calculada em 30.000 pessoas, acompanhou o féretro, que um cronista da época definiu como “uma verdadeira apoteose”. No cemitério São João Batista, Irineu Machado, Nicanor Nascimento e Raul Pompeia, seus mais fiéis seguidores, proferiram discursos que terminavam com as aclamações “Viva Floriano” , “Morra Prudente. ”(Raul Pompeia, florianista roxo, suicidou-se seis meses depois, como que solidário com seu herói).

Alguns dias depois divulgou-se a última carta de Floriano (que seus partidários chamaram de testamento político): “Diz-se e repete-se que ela (a República) está consolidada e não corre perigo. Não vos fieis nisso, nem vos deixeis apanhar de surpresa. O fermento da restauração agita-se em uma ação lenta, mas contínua e surda. Alerta, pois”.

Após a morte de Floriano, o movimento jacobino se desarticulou, mas as desordens aumentaram: jornais situacionistas foram empastelados e fundaram-se novos jornais florianistas, como O Nacional e O Jacobino, o mais virulento. Um verdadeiro grito de guerra foi a resposta dos florianistas à paz e à anistia concedidas no Sul; muitos vira-casacas ou homens de algumas, como José do Patrocínio, tiveram de fugir da cidade. A Escola Militar da Praia Vermelha, baluarte do Florianismo, manifestou-se contra o governo em março de 1895.

No mesmo mês, desafiando a onda de xenofobia, Prudente de Morais reatou as relações diplomáticas com Portugal, interrompidas por Floriano Peixoto, porque dois navios portugueses, o Mindelo e o Afonso de Albuquerque, haviam dado asilo a participantes da Revolta da Armada. O antilusitanismo dos cafés e das redações dos jornais xenófobos ameaçavam as casas e armazéns portugueses. Prudente de Morais decidiu, então, extinguir o Florianismo definitivamente. Desligou alunos e oficiais depois da Revolta da Escola Militar ; determinou completo remanejamento dos cargos públicos e vetou o aumento de quadros; exonerou oficiais e transferiu outros; dissolveu os batalhões patrióticos (criados no tempo de Floriano, durante a Revolta da Armada) e opôs-se a qualquer movimento favorável ao militar político. Com sua firmeza e decisão, Prudente esclareceu que o governo era civil e os militares deviam voltar definitivamente à caserna. Empenhado em sustentar esta opinião, chegou a cogitar um projeto que cancelaria o nome de Floriano do Almanaque Militar.

A situação econômico-financeira do Brasil, no quatriênio de Prudente de Morais, era péssima. A herança de um Império escravista, os dezessete empréstimos para pagar que ele legou à República recém-proclamada, a especulação dos bancos estrangeiros através da retenção dos estoques de ouro, o déficit crônico, os efeitos do encilhamento e os gastos com as guerras civis foram algumas das dificuldades que Rodrigues Alves, Ministro da Fazenda, teve de enfrentar. Mas o maior problema econômico-financeiro da época foi a crise do café de 1896. Três meses após o início da safra de 1895, 8 milhões de sacas abarrotavam os armazéns dos portos, sem condições de resistir ao clima úmido do litoral. A produção havia duplicado e o preço caído de quatro para meia libra por saca de sessenta quilos. A crise de superprodução aterrorizou os cafeicultores: eles pediram intervenção federal, exigiram projetos de queima de estoques e de auxílio ao lavrador, publicaram tratados sobre a economia de sobremesa. Os capitais estrangeiros refluíram devido à baixa do câmbio e às incertezas da guerra civil. O Jacobinismo afugentou famílias inglesas e portuguesas.

No exterior, o Brasil era considerado como mais uma "republiqueta" de bananas. Os cafeicultores e os meios financeiros internacionais exigiram do governo de Prudente o saneamento das finanças. Mas esta era tarefa impossível, que só o homeopata Joaquim Murtinho conseguiria executar durante a presidência de Campos Sales. Rodrigues Alves só pode recorrer ao velho remédio da nossa história financeira: em Londres, os Rothschilds, tradicionais credores do Brasil, concederam o primeiro empréstimo obtido pelo governo civil (e segundo da República) no valor de 7,5 milhões de libras, graças ao qual se adiou, por pouco tempo, uma crise de inusitadas proporções.

Devido aos interesses das forças que haviam estabelecido o Reinado do Café, o Ministério da Fazenda abandonou a linha nacionalista de seus titulares anteriores, Rui Barbosa e Serzedelo Correia. A ofensiva latifundiária e imperialista determinou um recuo na política de auxílio à indústria e de nacionalização das principais fontes de riqueza do país. A progressiva desnacionalização destes recursos (veementemente denunciada pelos dois governos anteriores) levou à alienação de empresas brasileiras por firmas estrangeiras que controlavam 87% das transações comerciais. Na Câmara, o Senador Alfredo Ellis declarava: “Antigamente, os exportadores de café, representantes dos trustes e sindicatos, contentavam-se em mungir vacas, dando-lhes, entretanto, o suficiente para não morrer de fome. Hoje não existe só o leite: querem o bife também, pouco lhes importando que a vaca pereça”.

Em novembro de 1896, cálculos biliares obrigaram o Presidente a se retirar de Teresópolis; Prudente entregou o governo, provisoriamente, ao vice-presidente Manuel Vitorino, ignorando que o Florianismo tramava sua deposição através de seu substituto. O Presidente interino, descendente de um marceneiro português, era baiano, republicano histórico, médico, jornalista e florianista. Fora se distanciando ideologicamente do Presidente, à medida que a aversão deste pelo Militarismo se traduzia em perseguição aos florianistas. Vitorino transformou-se no símbolo da exaltação republicana contra os reacionários, inclusive contra o frio e austero Prudente de Morais. Tornou-se o salvador, o homem forte que reergueria a República, “tão enferma no país quanto o Presidente em Teresópolis”.

A primeira providência de Vitorino foi transferir o governo para o Palácio do Catete, comprado ao barão de Nova Friburgo. Em seguida, modificou o Ministério: Bernardino de Campos, ex-governador de São Paulo, substituiu Rodrigues Alves na pasta da Fazenda, Joaquim Murtinho foi nomeado para a Viação, e Amaro Cavalcanti para a Justiça. O problema financeiro continuou na mesma: o novo ministro pediu mais dois empréstimos à Inglaterra, de 19 e de 2 milhões de libras. A situação parecia melhorar para os jacobinos, quando ocorreu o episódio de Canudos.

A Crise de Canudos

Canudos apresenta-se como uma crise que se desdobra em dois níveis: no primeiro deles, Canudos é um episódio local, motivado pela conjuntura específica do Nordeste no final do século 19; no segundo, Canudos, em função da “maré” florianista contra Prudente, torna-se uma crise política de âmbito nacional.

Enquanto crise localizada, Canudos é um dos mais típicos e característicos exemplos de uma “revolução arcaica” . Noutros termos, Canudos é uma contestação das estruturas prevalecentes no Nordeste, contestação esta inserida no quadro de uma visão ideológica passadista, reacionária, nostálgica e ultraconservadora. Expliquemos.

O Nordeste, região cujo sistema produtor latifundiário encontrava-se em decadência (com efeito, os tradicionais produtos da área - açúcar e algodão - tinham sido alijados dos mercados internacionais), fora abandonado pelos governos republicanos. No final do século XIX, a área nordestina já apresentava, de forma aguda, os seus, hoje, tradicionais problemas estruturais: seca, latifúndios em crise, hiperexploração da mão de obra, unidades minifundiárias miseráveis, etc. Num tal ambiente, a consciência, inevitavelmente primária, do homem que aí luta ingloriamente pela sobrevivência, tem diante de si, como opções ideológicas, o messianismo (a crença na salvação pelo milagre, o mito da superação religiosa dos problemas reais: “o sertão vai virar mar”) e/ou o cangaço (ação violenta, o saque, a solução pelo banditismo). Sem dúvida, o messianismo (a “visão sebastianista”) e a prática da violência são componentes essenciais de Canudos enquanto crise regional.

A simples presença da comunidade autônoma de Canudos, fundada por Antônio Conselheiro no interior da Bahia, desligada das formas de apropriação fundiária tradicionais do Nordeste, contestava o latifúndio; a religiosidade messiânica existente no famoso arraial punha em dúvida a efetiva assimilação do catolicismo por parte das massas sertanejas; ademais, desencontrados com a República (“a lei do cão”, no dizer de conselheiro), os moradores de Canudos, por impossibilidade de opções ideológicas radical-revolucionárias, apegaram-se a um monarquismo ingênuo e idealizado, o que negava o regime já então vigente no País.

Diante da negatividade revolucionária arcaica expressa por Canudos, o governo estadual da Bahia envia contra o arraial duas expedições policiais, que são, inapelavelmente, batidas. Destas derrotas decorreu o pedido, por parte da administração baiana, de apoio federal. O governo da República envia contra Canudos uma expedição do Exército comandada pelo coronel Moreira César, uma das mais representativas figuras do “jacobismo florianista”. Para a surpresa geral, Moreira César, o herói do esmagamento da revolução Federalista, é vencido e morto pelos Seguidores do Conselheiro. Chegada a notícia ao Sul do País, ocorrem manifestações “jacobinas”, ouve-se o suave e melífluo rumor da boataria: “a República está em perigo”, “o Brasil é vítima de uma conspiração “ , etc. Devemos, então, ressaltar: Canudos tornou-se uma questão nacional por força da morte do ídolo “florianista” Moreira César. Para se ver livre de qualquer suspeita de vinculação com eventuais restauradores, Prudente foi forçado a esmagar Canudos. Com efeito, as expedições dos generais Artur Oscar e Savaget contra Canudos e, notadamente, as forças militares, coordenadas pelo Ministro da Guerra Machado Bittencourt, que esmagaram o arraial, estavam, erroneamente, diga-se de passagem, crentes de que eram “guardiãs“ e mantenedoras da República, curadoras da herança do Marechal Floriano Peixoto.

Da Crise da Moção Seabra à Tentativa de Homicídio

No início de 1897, Prudente enfrenta, com energia, uma pequena crise envolvendo os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, tradicional reduto “jacobino”. Visando dar apoio parlamentar à administração Prudente, o deputado baiano J.J. Seabra propôs a aprovação de uma moção de solidariedade à enérgica atitude do supremo mandatário em face da sublevação dos jovens militares. Francisco Glicério, o “jacobino” líder do PRF, discursa no Congresso, ressaltando não poder apoiar uma moção em detrimento do que “há de melhor na juventude brasileira: a juventude militar”.

O presidente da Câmara, o governista Artur Rios, coloca seu cargo em jogo a favor da aprovação da Moção, mas esta, surpreendentemente, não foi aprovada, o que motivou a renúncia de Rios.

Objetivando não perder o suporte parlamentar, Prudente manobra no sentido de cindir o PRF. Com efeito, Glicério mantém a liderança sobre o PRF “senior” , o minoritário e “jacobino” grupo dos “concentrados”, enquanto as bases adesistas do “perrefismo” formam o grupo dos “Republicanos”. Em consequência da cisão, a “Moção Seabra” é aprovada e Rios volta à presidência da Câmara.

Afastados, os florianistas tomam a atitude extrema: o anspeçada Marcelino Bispo, em novembro de 1897, braço executante de um complô “jacobino”, tenta matar o Presidente da República, sendo salvo pelo Ministro da Guerra, Machado Bittencourt, que é morto em seu lugar. A malograda tentativa de homicídio desmoraliza a liderança de Glicério, abala o PRF “senior” e imobiliza o “florianismo”. Sem dúvida, Prudente vencera a “reação jacobina”, podendo eleger o seu sucessor: Campos Sales, o homem que irá significar a consolidação da República Oligárquica.

Sumário

- República das Oligarquias
i. Prudente de Morais
ii. A Crise de Canudos
iii. Da Crise da Moção Seabra à Tentativa de Homicídio