Governo de Hermes da Fonseca

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O governo de Hermes da Fonseca foi marcado pela crise da Política do Café-com-Leite. Militar e político republicano gaúcho que governou o Brasil entre 1910 e 1914, Hermes da Fonseca foi o oitavo presidente da República. O governo de Hermes da Fonseca enfrentou a Revolta da Chibata e a Guerra do Contestado. Hermes da Fonseca idealizou a política salvacionista: destituiu os governadores para substitui-los por outros que seriam nomeados pelo próprio presidente da República.

O Marechal Hermes da Fonseca assumiu o poder em uma atmosfera de discórdia; sua promessa de não realizar um governo de paixão foi desmentida nas primeiras semanas. A 22 de novembro de 1910, revoltaram-se as tripulações dos dois navios da Armada Brasileira, os encouraçados São Paulo e Minas Gerais. As causas remotas da revolta dos marinheiros são um pouco confusas, considera-se sua causa próxima a questão do uso da chibata, sintoma indisfarçável de anacronismo dos processos disciplinares da Armada. Além dos maus-tratos, os marinheiros queixavam-se da péssima alimentação e do trabalho pesado e excessivo. Os revoltosos, comandados por um simples marinheiro, o negro João Cândido, prenderam ou mataram alguns oficiais, suboficiais e marinheiros dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo e do scout Bahia. Os amotinados, após obterem a adesão da maioria dos navios encouraçados na Guanabara, ameaçaram bombardear as cidades e belonaves que não apoiassem o levante. O governo foi obrigado a parlamentar contrariando a opinião da maioria da oficialidade naval. José Carlos de Carvalho foi enviado, como emissário do governo, a bordo do Minas Gerais: verificou que os navios não tinham sido danificados e que o cofre de bordo estava intacto, e ouviu as reivindicações dos marujos. Enquanto a Câmara discutia o projeto de anistia aos amotinados, os oficiais da Marinha atacaram os navios sublevados com os destroyers Barroso e Timbira, mas foram rechaçados com facilidade. Novamente José Carlos de Carvalho foi a bordo dos navios revoltosos e propôs-lhes uma fórmula conciliatória para evitar a impressão de que o Congresso concederia a anistia pressionado pelo levante. Os marinheiros concordaram com o artifício e telegrafaram ao marechal Hermes: "Arrependidos do ato que praticamos, em nossa defesa, por amor da ordem, da justiça e da liberdade, depomos as armas confiando que nos seja concedida anistia pelo Congresso Nacional, abolindo, como manda a lei, o castigo corporal, aumentando o ordenado e o pessoal, para que o serviço de bordo possa ser feito sem o nosso sacrifício. Ficamos a bordo obedientes às ordens de V Sª, em quem muito confiamos. "Os marujos assinaram: "Os Reclamantes".

No dia 25, os revoltosos aceitaram a anistia e posteriormente entregaram os navios aos oficiais. Mas, a tensão e a hostilidade entre marinheiros e oficiais, resultantes da Revolta da Chibata, provocariam novo levante, a 09 de dezembro de 1910: às onze da noite, o scout Rio Grande do Sul e seiscentos marinheiros da Ilha das Cobras se revoltaram. No dia seguinte, os canhões do Exército e dos encouraçados, simultaneamente, bombardearam a ilha: Hermes da Fonseca aproveitou a ocasião para obter do Congresso a decretação do Estado de Sítio. Os líderes das revoltas foram executados ou aprisionados e mil marinheiros foram exonerados.

O ministério de Hermes da Fonseca foi o mais instável da República Velha. A maioria de seus membros servia-se de seus cargos para satisfazer suas ambições e as dos estados de onde provinham. Francisco Antônio de Sales (Fazenda), J.J. Seabra (Viação e Obras Públicas) , Rivadávia da Cunha Correa (Justiça e Negócios Interiores), Rio Branco (Exterior), Joaquim Marques Batista e Leão (Marinha), Emygdio Dantas Barreto (Guerra) e Pedro de Toledo (Agricultura, Comércio e Indústria) formavam o ministério do Marechal Hermes.

O verdadeiro orientador da política interna brasileira, durante a gestão presidencial de Hermes da Fonseca, foi o senador gaúcho Pinheiro Machado, que chegou a fundar uma agremiação partidária de âmbito nacional (o Partido Republicano Conservador) para pressionar o Presidente da República e os militares. Esses, por seu turno, fiéis ao Jacobinismo dos tempos de Floriano Peixoto, pretendiam eliminar as oligarquias políticas estaduais, na maioria favoráveis ao caudilho Pinheiro Machado.

Com efeito, a vitória de Hermes da Fonseca teve como consequência o reavivamento da disputa entre as facções oligárquicas e o Exército. Além disso, a acusação de Afonso Pena revelara o declínio relativo do poder das oligarquias, que foram obrigadas a escolher um oficial do Exército como seu candidato presidencial. Realmente, o marechal Hermes da Fonseca não fora eleito somente com o apoio militar, eram também responsáveis por seu sucesso eleitoral as oligarquias dominantes em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará e outros estados.

Dessa maneira, Hermes da Fonseca encontrava-se entre forças antagônicas: de um lado, estavam os que pretendiam a manutenção dos situacionistas estaduais, entre eles Pinheiro Machado e seu efêmero Partido Republicano Conservador e, de outro, os que ambicionavam conquistar o poder, ou seja, as oligarquias oposicionistas, quase sempre apoiadas pelo Exército. O Marechal hesitava, vendo-se muitas vezes frente a realidades das quais não podia fugir. A união das alas conflitantes, que o haviam conduzido ao poder, duraria pouco tempo. A revolta dos marinheiros permitia uma conciliação temporária, mas, passado o impacto do levante encabeçado por João Cândido, as divergências reapareceram. A luta entre o "pinheirismo" e os militares, elemento gerador da "política das salvações",  girou em torno das sucessões estaduais, iniciadas entre 1911 e 1912. Basicamente, as "salvações" consistiram em intervenções federais nos estados, garantidas pelo Exército, visando à derrubada das velhas oligarquias e à instalação, no poder, das "facções". Estas desempenharam o papel de mero mecanismo de substituição de oligarquias no poder, não representando qualquer modificação da estrutura social dos quadros políticos, pois os "salvadores" nada mais eram do que setores da classe dominante até então no ostracismo.

Inúmeras eram as técnicas de  intervenção utilizadas pelos "salvadores" e quase todas feriam preceitos constitucionais. Uma das fórmulas mais usadas consistia na formação, após as eleições estaduais, de duas assembleias legislativas, uma situacionista e outra oposicionista. Dessa maneira, eram empossados no cargo de governador do Estado tanto o candidato da situação quanto o da oposição, que tinham suas "vitórias" reconhecidas pelas respectivas assembleias. Nessa altura, alegando atuar em nome da "pureza das instituições democráticas", o governo federal intervinha, garantindo a posse do governador de sua preferência e dissolvendo a assembleia adversária.

Iniciado no Amazonas, o "salvacionismo", alastrando-se com extrema rapidez, abalou a estrutura política de todo o Norte e Nordeste. Na Bahia, após cerrado bombardeio da capital por canhões do Exército, instalou-se no poder o "salvador" J.J.  Seabra. Em Pernambuco, onde foram travadas sangrentas lutas entre as forças estaduais e federais, a "salvação do regimento republicano" coube ao general Dantas Barreto. Em seguida, também no Pará, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro, os "salvadores" depuseram as antigas oligarquias e instalaram as suas. Em Alagoas, tirando proveito do "salvacionismo",  um primo de Hermes assumiu o governo do Estado. Aliás, graças à política das salvações, toda a parentela do Presidente da República, a grande família Fonseca, estabeleceu-se nos principais cargos do país. Finalmente, no Ceará, o poder também seria entregue a um "salvador", o coronel Franco Rabelo.

Quase todas essas derrubadas de governo locais, entretanto, feriam os interesses de Pinheiro Machado, cuja base de apoio político era o velho coronelismo oligárquico. Pouco a pouco, agindo com muita habilidade, o caudilho gaúcho se desembaraçou dos familiares de Hermes, seus principais concorrentes políticos, conseguindo recuperar toda sua antiga ascendência sobre o Presidente da República. Em seguida, Pinheiro Machado usou o prestígio readquirido para ajustar contas com o "salvador" do Ceará, o já citado coronel Franco Rabelo. Nessa oportunidade, o político rio-grandense contou com o apoio do mais famoso líder místico do Nordeste, o Padre Cícero Romão Batista, que, encabeçando uma revolta de sertanejos de Juazeiro, cercou Fortaleza e declarou deposto o governador. Imediatamente, o Ceará foi vítima de uma intervenção federal que afastou o coronel Rabelo, dando ganho de causa a Pinheiro Machado.

Assim terminava a "política das salvações" que, após sacudir o país do Amazonas ao Rio de Janeiro, em nada alterava a essência da estrutura oligárquica vigente.

O marechal Hermes enfrentou um problema semelhante ao de Canudos, também marcado pelo messianismo e pelo fanatismo religioso, que ocorreu no Contestado, território em litígio, disputador por Paraná e Santa Catarina. Nessa região, um beato, o "monge" Zé Maria, reuniu em torno de si as populações pobres do interior, vítimas dos abusos de uma companhia madeireira britânica, dando início a uma série de assaltos e outros atos de violência.

Embora a questão do Contestado tivesse chegado ao conhecimento de Hermes da Fonseca, ela somente seria resolvida na gestão presidencial de Wenceslau Brás.

O governo de Marechal Hermes terminou melancolicamente. A instabilidade política gerada pelas "salvações" agravara a situação financeira do país. Além disso, na Amazônia, o período de ouro da borracha brasileira chegava ao fim. Finalmente, a diminuição das receitas públicas, a falta de produtos exportáveis e a retração dos capitais estrangeiros obrigaram a administração federal a negociar um empréstimo com moratória, um novo funding-loan que abalaria ainda mais as precárias estruturas financeiras do país. Complementando o fracasso da gestão, a reforma do ensino, fruto da atuação de Rivadávia Correia no Ministério do Interior e Justiça, trouxe consequências catastróficas para o setor  educacional brasileiro. Com efeito, as unidades universitárias, beneficiadas pela ampla liberdade a elas concedida, multiplicaram-se desordenadamente, agravando-se o problema de profissionais incompetentes.

Ao terminar o quadriênio presidencial de Hermes da Fonseca, irrompeu a guerra na Europa. Dias difíceis estariam reservados ao Brasil.

No início de 1913, Pinheiro Machado, após ter readquirido sua ascendência sobre Hermes da Fonseca, era o virtual candidato governista à Presidência da República. Entretanto, muitas oligarquias dominantes em estados poderosos eram contrárias às pretensões do político gaúcho. São Paulo, por exemplo, temendo ser atingida por um movimento "salvacionista",  via na candidatura de Pinheiro Machado um perigo para seu governo de feições "civilistas". Também os governos de Pernambuco e Bahia, ainda em mãos de "salvadores",  eram inimigos do senador rio-grandense. Progressivamente, o Rio de Janeiro e políticos dissidentes do PRM (Partido Republicano Mineiro) aderiram ao "antipinheirismo".

Em abril de 1913, São Paulo e os dissidentes mineiros recompunham o "café com leite",  assinando o Pacto de Ouro Fino, pelo qual era vetada a candidatura de Pinheiro Machado. Em seguida, na Câmara Federal, formou-se um agrupamento político cerrado ao Partido Republicano Conservador.

Pinheiro Machado, ciente de que "caíra em desgraça",  sugeriu então o nome de Campos Sales para a sucessão presidencial. Prontamente, os coligados aceitaram a indicação do senador gaúcho. Entretanto, em janeiro de 1914, falecia o político paulista, era o momento propício para uma candidatura de conciliação. Aproveitando-se da situação, os dissidentes mineiros, apoiados pelos "ortodoxos" do PRM, lançaram Wenceslau Brás à sucessão presidencial.

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