Expansão marítima portuguesa

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Ao estudarmos o significado e os mecanismos básicos do antigo sistema colonial, procuramos traçar o esquema teórico do colonialismo moderno. Com efeito, em função da existência de um sentido comum a todos os empreendimentos colonizatórios europeus, pudemos elaborar o modelo da colonização mercantilista. Sabemos, no entanto, que um simples quadro dos traços fundamentais do antigo sistema colonial não consegue explicar, em toda a sua complexidade, a colonização de cada uma das regiões extraeuropeias descobertas no curso da expansão ultramarina.

Realmente, o processo de ocupação e povoamento das diversas zonas coloniais, embora inserido nas linhas mestras do colonialismo mercantilista, envolveu uma gama rica e variada de situações e eventos originais e atípicos. Noutros termos, cada esforço colonizatório , apesar de obedecer ao plano maior das necessidades de desenvolvimento do capitalismo mercantil, tem sua própria história, apresentando inevitavelmente facetas específicas. Em consequência, o estudo da formação de um núcleo de colonização numa área periférica supera os limites de um esboço teórico, necessariamente empobrecedor, de todo o sistema colonial mercantilista.

Assim também, o movimento colonizador do Brasil, apesar de plenamente integrado no cenário do colonialismo moderno, deve ser entendido como um esforço particular de uma nação europeia detentora de características originais: Portugal.

Formação de Portugal

A Península Ibérica, berço geográfico da pátria portuguesa, foi primitivamente habitada por um povo cuja procedência é envolta numa complicada teia de lendas - os iberos. A partir do ano 2000 a.C., um novo grupo étnico - os celtíberos, formado com a assimilação dos iberos pelos celtas - povoaria a região.

Por volta do século XII a.C., gregos e fenícios estabeleceram feitorias no recortado litoral da península, notadamente em Cádis, Málaga e Sevilha. Tempos depois, também os cartagineses penetraram no disputado solo ibérico.

Toda a Ibéria foi a seguir subjugada pelos romanos, ao serem derrotados os heroicos combatentes do pastor Viriato, líder da resistência da antiga Lusitânia. Logo transformado em província do Império Romano, o território sofreria um processo de total romanização.

No século V, com o desmantelamento do Império Romano, ondas sucessivas de bárbaros germânicos - vândalos, alanos e suevos - assolaram a península.

Sob o comando de Ataulfo, depois instalaram-se na conturbada área os visigodos, unificando-a politicamente e dando, desta maneira, início a um processo de civilização.

Entretanto, no século VIII, o panorama peninsular seria radicalmente alterado: atravessando o estreito das Colunas de Hércules (hoje Gibraltar), os árabes ocuparam quase totalmente as terras ibéricas. Muitos descendentes dos antigos visigodos, recusando-se a aceitar o jugo muçulmano, refugiaram-se nas Astúrias e, comandados por Pelágio, iniciaram um conflito que iria durar oito séculos: a Guerra da Reconquista. Gradualmente, no decorrer dessa prolongada e sangrenta luta - reflexo das Cruzadas, na Península Ibérica - , por todo o território hispânico começaram a surgir pequenos reinos cristãos. No século XI, três deles - os de Leão, Castela e Galiza - unificaram-se sob a égide de Afonso VI. Este, empenhado na luta contra os árabes, buscou o auxílio de fidalgos estrangeiros interessados em participar do esforço militar ibérico.

Dois nobres franceses, Raimundo e Henrique de Borgonha, atenderam ao apelo do rei. Em recompensa pelos serviços prestados à causa espanhola, Raimundo recebeu em casamento Dona Urraca - filha mais velha de Afonso VI - e, a título de dote, a suserania do Condado da Galiza. Henrique casou-se com Dona Teresa, filha bastarda do soberano leonês, e ganhou as terras localizadas ao sul do rio Minho: o Condado Portucalense. Com a morte de Afonso VI, uma grave crise abalou a Península Ibérica. Os acontecimentos precipitaram quando Dona Urraca, reconhecida como legítima sucessora, exigiu a vassalagem do Condado Portucalense. Entretanto, D. Teresa, então viúva e ligada a um nobre galego, o Conde Fernando Peres de Trava, recusou-se a reconhecer a autoridade da irmã. D. Afonso Henriques, filho de Henrique de Borgonha e Teresa, irritado com a influência exercida pelo Conde de Trava sobre sua mãe, rebelou-se contra esta, vencendo seus partidários na Batalha de São Mamede. Em seguida, buscando livrar o Condado Portucalense de qualquer presença estrangeira, o jovem nobre lusitano enfrentou sucessivamente Afonso VII em Cerneja e os mouros em Ourique. Vitorioso e politicamente fortalecido, Afonso Henrique proclamou a independência do condado, intitulando-se rei de Portugal, em 1139.

Quatro anos depois, com o reconhecimento da autonomia portuguesa na Conferência de Zamora, estaria consolidada a primeira dinastia do novo reino: a dinastia de Borgonha.

Como vimos, ao assinalarmos os principais eventos de sua formação, Portugal era a princípio um simples condado resultante do fracionamento da Galiza e foi forjado no calor de violentas lutas contra espanhóis e árabes. Em decorrência das necessidades militares impostas por essa situação, o reino luso, antecipando-se às demais nações europeias, apresentou um rápido fortalecimento do poder real, em detrimento da descentralização política própria às formas feudais. De fato, a Reconquista e a constante ameaça leonesa, exigindo a manutenção de um exército permanente, levaram a monarquia lusitana a concentrar o poder em suas mãos. Dessa forma, embora ainda predominassem relações de vassalagem no campo, a nobreza lusa não era detentora de grandes privilégios políticos. A inexistência em território português de uma Idade Média, no sentido sociológico, acarretou duas consequências fundamentais. Primeiramente, Portugal conheceria o desenvolvimento de um nacionalismo prematuro, ao tempo em que, noutras regiões da Europa, o conceito de nacionalidade ainda se encontrava num estágio embrionário. Em segundo lugar, a guerra portuguesa contra os mouros, ao contrário do que ocorreu no resto da Península Ibérica, não seria travada em nome do Ocidente cristão, assumindo um caráter acentuadamente nacionalista.

Ainda nos momentos iniciais da formação lusitana, sob a dinastia de Borgonha, surgiu o contraste, que perduraria por longos anos, entre o litoral e o interior. O primeiro, onde a pesca, a navegação e o comércio conheceram grande desenvolvimento, era marcado por grandes flutuações sociais, mobilidade populacional, lucrativas trocas e amplos contatos com mercadores estrangeiros. No interior, pelo contrário, a atividade agrícola, realizada em bases feudais, vivia em permanente crise, responsável pelo êxodo de populações inteiras.

De modo geral; pode-se dizer que os grupos interessados na preservação da autonomia portuguesa e no crescimento econômico habitavam a faixa litorânea. Os senhores feudais do interior, por outro lado, colocavam-se claramente a favor do domínio castelhano. Por todos esse fatores, coube à camada mercantil, cuja ascensão se deveu principalmente à crescente importância dos portos portugueses, o principal papel da consolidação da autonomia e na integração territorial da nação lusitana, esta última efetivada com a progressiva expulsão dos árabes para o Continente Africano.

A reconquista cristã do Mediterrâneo, levada a cabo pelo movimento das Cruzadas, iniciado no século XI, causou profundas transformações no modo de vida europeu. Com efeito, aberta essa nova rota marítima, proveitosas transações comerciais passariam a ser realizadas com o mundo oriental. Assim, graças à existência de prósperos mercados no Levante, o Velho Mundo, dando início a um acelerado processo de acumulação de riquezas, acabou por superar as barreiras que até aquele momento entravavam seu desenvolvimento econômico. Inúmeras foram também as alterações sociais então provocadas. Diversas cidades europeias, notadamente em Flandres e na Itália, tornaram-se verdadeiros baluartes da luta dos grupos mercantis emergentes contra as velhas estruturas agrícolas da ordem feudal.

Pouco a pouco, a presença dos comerciantes foi transformando os modos de produção e, em consequência, as relações sociais do Velho Continente. Esses ambiciosos mercadores trouxeram consigo a produção livre e assalariada, a ampliação da economia de mercado e a proliferação dos núcleos urbanos.

Por longo período, a Europa conheceu notável surto de prosperidade. O crescimento da força de trabalho, em razão da existência de enormes contingentes disponíveis de mão de obra, e o aumento do mercado consumidor, em função do incremento da produção agrícola e artesanal sob o regime de assalariamento, provocaram a elevação dos preços das mercadorias, garantindo uma grande margem de lucro para os comerciantes e produtores medievais. No entanto, todas essas enormes mudanças sofridas pela sociedade ocidental continham as sementes das convulsões sociais e econômicas que abalariam o Continente Europeu nas primeiras décadas do século XIV. Com efeito, o renascimento comercial gerara novas formas de acumulação de riqueza, baseadas na exploração do simples produtor e na ruína progressiva dos proprietários rurais.

Cada vez mais, os grandes mercadores e banqueiros, detentores de enormes fortunas privadas, esmagavam os pequenos e médios artesãos e negociantes. Logo, por toda parte, grassava a intranquilidade social. A instabilidade, motivada pelas rápidas e profundas mudanças socioeconômicas, delineava nos campos e nas cidades assustadoras perspectivas para a maior parte da população europeia. Agravando a crise, o rei, interessado em saldar as dívidas decorrentes das constantes guerras em que se envolvia, desvalorizava a moeda. Essa medida encarecia os gêneros básicos e, em consequência, inúmeras famílias europeias, com a diminuição do seu poder aquisitivo, encontraram-se subitamente em enormes dificuldades.

Em contrapartida, as reivindicações dos trabalhadores urbanos e rurais, em matéria salarial, não obtinham mais ressonância. A inflação desorganizava a produção e as trocas, fomentando um grande número de crises de crédito e inseguranças monetárias.

No início do século XIV, o “Velho Continente” foi vítima de sucessivas crises de subsistência. Realmente, a insuficiência alimentar, gerada pela contínua escassez de trigo, causou a morte de milhares de camponeses e citadinos em todos os lugares da Europa. Por outro lado, a Guerra dos Cem Anos (1337/1453) tornaria a situação ainda mais crítica, fazendo-se acompanhar de peste e carência de alimentos. A falta de cereais tornou-se uma constante na vida econômica do século XIV, notadamente na Península Ibérica.

Em consequência, a Europa passou a viver um atribulado período de revoluções. Tensões sociais e inquietações econômicas surgiam de todos os lados, gerando insegurança. As revoltas que partiam das cidades flamengas, onde as grandes comunas tomaram a direção do movimento político, eram movimentos semelhantes na França, na Itália, na Inglaterra, em Portugal, em toda parte. As rebeliões populares destronaram a oligarquia burguesa dos postos de comando, sem contudo conseguirem estabelecer uma ordem durável. A guerra, por seu lado, tornava cada vez mais crítica a situação dos pequenos e dos pobres. A Europa do século XIV apresentava o triste espetáculo de uma civilização em crise.

Essas revoluções democráticas atestam as profundas transformações da vida econômica e da estrutura social do Ocidente cristão no decorrer da Baixa Idade Média. Nessas lutas, a burguesia conjugava todas as suas forças para arrebatar à nobreza o poder político. Para isso, aproveitava as explosões de desespero das classes populares, permanentemente sacrificadas. À medida que minguavam os rendimentos do senhor rural, comprimindo-se a aristocracia da terra entre a ameaça da centralização do poder real e as novas forças econômicas emergidas da reconquista cristã do Mediterrâneo, desagregava-se o prestígio da tradicional sociedade campesina, para dar lugar a uma nova classe composta de comerciantes, marinheiros e armadores, amparada pelo trono. Nessa classe via-se, cada vez mais nitidamente , a base em que se erguia o edifício da nova Europa. As estruturas econômico-sociais sentiam, então, a urgente necessidade de se libertarem das tradicionais sujeições impostas pelos “consórcios” ítalo-muçulmanos da orla mediterrânea.

Investindo contra esse monopólio conservador, o incipiente capitalismo comercial do Continente Europeu poderia sobreviver e desenvolver-se. Para isso necessitava, antes de tudo, quebrar as amarras que o prendiam, desprezando os problemas ligados ao Mediterrâneo e alargando sua expansão econômica até os ricos mercados de ouro, dos escravos e das especiarias afro-asiáticas. Foi quando se colocou à Europa Ocidental a questão da conquista do Atlântico desconhecido. Solução arriscada e dispendiosa, mas única.

Divisão da História Portuguesa até a Época dos Descobrimentos

  • Primeiro Período: da autonomia (1139) à revolução do Mestre de Aviz (1383)
  • Segundo Período: da revolução do Mestre de Aviz (1383) aos descobrimentos oceânicos ( 1497 - viagem de Vasco da Gama à Índia).

Caracterização dos Períodos Históricos Portugueses

Primeiro período

  • Autonomia e centralização monárquica
  • Conquista Territorial (progressiva expulsão dos árabes)
  • Aumento da importância dos portos
  • Ascensão do grupo mercantil
  • Primeiras técnicas de comércio
  • Avultamento da importância da navegação
  • Distribuição das especiarias
  • Acumulação de capital comercial

Segundo período

  • Marcha ascendente da expansão mercantil
  • Concentração em Portugal de recursos e técnicas de comércio e navegação
  • Descobrimento das Ilhas Atlânticas
  • Acirramento da luta entre o grupo mercantil (litoral) e a classe feudal (interior)
  • Edificação da empresa das navegações
  • Aumento da importância das operações financeiras (capital usuário)

Fatores do Pioneirismo Português

A crise portuguesa de 1383/1385, conhecida como Revolução de Aviz, foi o reflexo ibérico da tragédia econômico-social europeia do século XIV. Nos primeiros séculos de sua história, Portugal tornara-se, graças à sua localização atlântica, um dos mais movimentados pontos de passagem marítima do Ocidente. Por esse motivo, em suas cidades litorâneas, bases do comércio luso a longa distância, um ousado grupo de mercadores rapidamente enriquecidos adquiria crescente poder. Por sua vez, a dinastia de Borgonha tudo fizera para amparar as aspirações da burguesia portuária lusitana, cujo raio de ação se estendia do mar do Norte ao Mediterrâneo Ocidental. Entretanto, em 1383, com a morte do rei D. Fernando I, o último dos Borgonha, uma grave ameaça pairou sobre a classe mercantil.

O falecimento do monarca levou a nação portuguesa a terrível impasse. D. Fernando não deixara descendentes varões, e Beatriz, única filha de seu matrimônio com Dona Leonor Teles, estava casada com João I de Castela. Assim, conforme acordo assinado em 02 de abril de 1383, o trono português caberia ao primeiro filho que viesse nascer do enlace de Beatriz com D. João.

No entanto, nessa fase de espera, a viúva de D. Fernando exerceria a regência. Somente no caso de Beatriz morrer sem filhos e de não haver outro sucessor legítimo é que a coroa portuguesa passaria ao príncipe castelhano. Como já vimos em tópico anterior, à nobreza lusa, desprovida de privilégios políticos no reino de Portugal, interessava a União Ibérica. Entretanto, para a classe mercantil, ciosa da autonomia nacional, e também para as massas populares - a arraia miúda -, temerosas do jogo senhorial, o domínio espanhol era intolerável.

Álvaro Pais, burguês intelectual com grande influência sobre o povo, principalmente nas camadas mais humildes de Lisboa, conclamou as massas à rebelião. No seu modo de ver, o primeiro passa para a salvação de Portugal seria a eliminação do conde Andeiro, amante de Dona Leonor Teles e líder dos setores hispanófilos. Nuno Álvares Pereira, porta-voz do grupo mercantil, indicou D. João, Mestre de Aviz, meio irmão de D. Fernando, para assumir o governo lusitano. Logo após a morte do conde Andeiro ocorreu a sublevação popular que destituiu Leonor Teles da regência e colocou no trono o Mestre de Aviz. A rainha fugiu para Santarém, de onde marcou um encontro com seu genro castelhano, que aguardava um pretexto para invadir o território português. Realmente, ansioso por tomar conta da herança de sua mulher, D. João de Castela mobilizara os seus exércitos.

A situação era crítica, pois a causa nacional e patriótica vinha sendo defendida apenas por uns poucos nobres, apoiados na arraia miúda. Tudo lhes faltava: dinheiro, armas, prestígio e soldados. Somente a burguesia portuária, sobretudo de Lisboa e Porto, tinha condições materiais para a defesa da soberania lusa. Com efeito, foi nas riquezas dos mercadores do reino que o Mestre de Aviz encontrou o amparo financeiro. Com a adesão da classe mercantil, a revolução perdeu seu caráter popular, transformando-se num movimento burguês. Dessa forma, as massas populares passaram para segundo plano, revelando-se então o interesse do grupo mercantil . A burguesia comercial e marítima, comandando agora a insurreição, tinha um objetivo específico: dirigir os negócios do reino.

Em 1385, graças à hábil argumentação do jurista João das Regras, o Mestre de Aviz foi aclamado rei sob a denominação de D. João I. Ainda nesse ano, a independência portuguesa seria consolidada após as vitórias obtidas pelos exércitos de Nuno Álvares Pereira contra os castelhanos, nas batalhas de Aljubarrota e Valverde.

Finalmente, depois de um longo período de intranquilidade, encerrava-se a Idade Média para o povo lusitano. A nação, agora sob a liderança burguesa, podia traçar novos rumos, tomando consciência dos seus destinos. Portugal voltava ao trabalho e a revolução tornava-se, aos poucos, apenas uma lembrança gloriosa. Com os Aviz no trono, a pátria portuguesa, um Estado livre e coeso, atingira sua maioridade política. Portugal estava agora pronto para a grande tarefa: a conquista do Atlântico.

Etapas dos Descobrimentos Portugueses

No início do século XV, a burguesia mercantil da Europa ocidental sentiu que, para superar a crise que então abalava a vida econômica, era necessário libertar o comércio das restrições impostas pelo bloco ítalo-muçulmano da orla mediterrânea. Com efeito, as trocas realizadas com o Oriente proporcionavam lucros fabulosos aos intermediários árabes e italianos - detentores do monopólio do comércio mediterrâneo, - acarretando, em contrapartida, sérios déficits para os mercadores do Atlântico europeu. Impunha-se, portanto, às classes mercantis do Ocidente, suprimir essa onerosa concorrência.

Somente a conquista do Atlântico, rota alternativa para os ricos mercados do Levante, poderia quebrar as amarras que prendiam a economia da Europa do Norte ao monopólio dos comerciantes da área do Mediterrâneo. As sucessivas crises de mão de obra e de metais preciosos, que assolavam o mundo europeu desde o século XIV, exigiam uma rápida solução para o problema. Essa delicada conjuntura da realidade econômica do Velho Continente forçaria a procura do ouro e de escravos em regiões extraeuropeias. De fato, a Guerra dos Cem Anos e as pestes que haviam vitimado o Continente Europeu provocaram uma diminuição na extração de metais preciosos. O minguado meio circulante, em boa parte retido pelas cidades italianas, passou a não atender mais às crescentes exigências de numerário do comércio a longa distância. A queda da mineração do cobre e da prata na Europa central (Hungria, Tirol e Boêmia) precipitou as crises do crédito e da moeda. A inexistência de estoques de minérios preciosos gerou um clima de insegurança em toda a vida econômico-financeira. Em fins do século XV, a Europa estava profundamente doente. O diagnóstico da enfermidade, no entanto, era bastante simples: carência de ouro e prata, ou seja, uma progressiva desmetalização que acarretava o congelamento do comércio e a paralisação das trocas comerciais. Além disso, com a redução da massa metálica, nenhum dos artigos habitualmente comercializados pelo capitalismo europeu conseguiria equilibrar uma balança de pagamentos totalmente deficitária. Os tecidos e os produtos agrícolas não eram suficientes para cobrir as importações provenientes dos mercados orientais. Sem ouro, as trocas eram impossíveis e toda a estrutura comercial europeia estava em perigo.

Todos os meio disponíveis foram utilizados para se contornar a crise. Com a finalidade de corrigir a depressão, os reis, num primeiro momento, recorreram à depreciação das moedas. Sem dúvida, a desvalorização do numerário era um modo fácil de enriquecer - e também de empobrecer - , ao qual a realeza, maravilhada com a simplicidade do processo, não conseguiu resistir. Assim os monarcas europeus abusaram desse poder de elevar ou enfraquecer o valor monetário conforme fossem devedores ou credores. Em breve, cada depreciação monetária dava lugar a outra. Na realidade, os ganhos daí advindos eram bastante ilusórios, pois quando as contribuições devidas ao Estado eram pagas em moeda desvalorizada, os benefícios logo se transformavam em pesados prejuízos. Em consequência, as quebras monetárias revelaram-se um pobre e quase ineficaz paliativo. Além disso, o enfraquecimento do numerário acarretou a elevação dos preços, gerando ampla intranquilidade social.

As inúmeras complicações então surgidas no campo econômico, no setor financeiro e no quadro social representaram graves obstáculos à totalidade da população europeia, entravando especialmente o desenvolvimento da burguesia comercial e marítima. Outro fator contribuía para tornar a situação ainda mais crítica: a Europa ocidental, apesar de desprovida de meios de pagamento, tinha necessidade de goma e de tintas, reclamadas pela florescente indústria têxtil. Isso forçava as camadas proprietárias de Flandres, da Inglaterra e de Portugal a efetuar vastas compras de substâncias tintureiras e de gomas nos mercados da orla mediterrânea. Obviamente tais transações provocaram uma transferência, cada vez maior, de metal precioso para os cofres italianos e árabes.

A camada mercantil e os Estados Nacionais não podiam assistir de braços cruzados à tragédia econômica que se abatera sobre a Europa ocidental. Na verdade, a superação da grande crise era a meta de todo o corpo social. A Igreja Católica, por exemplo, via na expansão ultramarina - única solução possível para o problema europeu - um prolongamento da luta contra o Islão e, também, uma forma de cristianização de enormes contingentes humanos. Para a nobreza, arruinada pelo enfraquecimento das estruturas feudais, a aventura marítima seria uma maneira de recuperar o prestígio e o poder perdidos. O povo, principal vítima da guerra, das pestes e da carestia, ansiava por novas oportunidades de emprego e meios de enriquecimento. A realeza, por sua vez, encarava o empreendimento marítimo como a fonte dos recursos essenciais à centralização da estrutura administrativa estatal. Todos, pois, mostravam-se interessados na conquista do Ultramar. Assim, a Europa ocidental, por inteiro, atirou-se decidida em direção ao Oceano Atlântico.

A vanguarda da epopeia dos descobrimentos coube a Portugal. Colocado numa encruzilhada de dois mundos - o Mediterrâneo e o mar do Norte - , o pequeno reino seria a formidável porta da Europa. Pobre, apertada contra o mar por um vizinho ambicioso e prepotente - a Espanha - , a pátria lusitana encontrou no Atlântico o espaço para crescer. Inúmeros foram os fatores que levaram Portugal a exercer um papel pioneiro nas grandes navegações:

Estado Nacional precocemente centralizado

Portugal, graças à Revolução do Mestre de Aviz, foi a primeira nação europeia a conhecer a união dos interesses da camada mercantil aos do Trono, sob a inspiração do Mercantilismo.

Posição geográfica privilegiada

A localização do reino português permitia que as rotas de comércio do mar do Norte, do Báltico e do Mediterrâneo convergissem regularmente para seus portos. A organização da via marítima de Flandres, desviando o eixo mercantil europeu do Reno para o Atlântico, favoreceu Portugal. Por isso, as transações à distância adquiriram tal amplitude, que mercadores portugueses frequentavam com regularidade os entrepostos da Inglaterra, de Castela, de Marrocos e da própria Flandres .

Longa prática de atividades pesqueiras

Já nos tempos do pastor Viriato, herói da resistência lusa às hordas romanas, o homem do litoral português vivia fundamentalmente da pesca - o mar era a sua segunda morada.

Notável aperfeiçoamento técnico da navegação

Contando com o apoio da Coroa e da burguesia comercial, D. Henrique - filho de D. João I, o iniciador da dinastia de Aviz - fundou a Escola de Sagres, reunindo os melhores especialistas e estudiosos de navegação de toda a Europa.

A cidade de Ceuta, cuja origem não foi bem determinada, localiza-se à frente do estreito de Gibraltar. Ocupada pelos árabes merímidas, Ceuta era o principal porto na zona ibero—africana e ponto de cruzamento de diversas vias de comércio. Para lá convergiam ouro, seda, especiarias orientais, marfim e escravos. Além disso, a bela cidade era considerada uma das melhores bases para a navegação entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Dispondo de um clima agradável, possuindo um solo fertilíssimo para a agricultura, Ceuta, cujo nome significa “cidade bem cercada”, era uma presa das mais atraentes.

Em 1415, data inicial da aventura marítima portuguesa, Ceuta foi conquistada pelos navegadores e soldados do rei D. João I. Inúmeras razões levaram Portugal à tomada da importante cidade. Imperativos de toda ordem - políticos, religiosos e econômicos - atuaram como elementos motores do empreendimento. Cada razão, cada estímulo, agiria mais fortemente neste ou naquele setor da sociedade lusa. Os motivos eram diversos, mas ninguém se mostrava insensível às aspirações de natureza econômica ou religiosa. Realmente, a conquista de Ceuta foi uma empresa nacional e cosmopolita, englobando os mais díspares interesses. A aventura convinha ao Rei, à nobreza, à burguesia dos portos, ao “povo miúdo”, enfim, à nação. A necessidade comum de superar os males decorrentes das crises do século XIV aglutinava todos os ânimos em torno do objetivo de levar avante a temerária expedição. Ceuta, conquistada em função de um complexo de motivos, arremessaria os Aviz para o Atlântico.

O assalto a Ceuta agradava ao rei e aos fidalgos, servos da fé católica. A ocupação da cidade moura estava profundamente ligada ao velho impulso medieval da Reconquista. O espírito cruzadista animava a realeza e a aristocracia. A fidalguia, fiel aos seus votos, sacrificou a vida com o nobre propósito de “servir a Deus”. Com efeito, para a nobreza, toda expansão ultramarina seria um esforço sagrado para a dilatação dos preceitos católicos. A conquista oceânica, no entender do aristocrata, seria a última cruzada, a maior e mais frutífera das quantas até então se tinham realizado para esmagar o infiel muçulmano e propagar o dogma católico. Possuir Ceuta, portanto, significava, acima de tudo, fazer recuar o Islão.

Além do fervor religioso, outro fator da entusiástica adesão da nobreza ao saque de Ceuta foi sua difícil situação financeira. Na realidade, boa parte dos fidalgos era pensionista da Coroa. Vendo os proventos da terra diminuírem cada vez mais em virtude da desvalorização monetária, a aristocracia portuguesa achava-se num impasse econômico, não sabendo qual o melhor caminho a seguir. Para impedir a constante diminuição de seus já parcos recursos, ela só tinha um remédio: alargar por meio da conquista a sua magra bolsa. Atacar Castela, hegemônica na Península Ibérica, seria uma imprudência que não interessava à Casa de Aviz, ainda imatura no trono. Restava, pois, uma saída: desviar a impetuosa porém necessitada nobreza lusitana para o Marrocos.

Paralelamente aos já citados, outro fator, este estritamente militar, levaria o pequeno reino ibérico à conquista do porto muçulmano de Ceuta. A navegação do estreito de Gibraltar vivia em sobressaltos. Os navios que faziam a rota de Flandres corriam o risco permanente de serem pilhados pela pirataria mourisca, que tinha por base de operações o logradouro de Ceuta. As embarcações ocidentais eram obrigadas a navegar em comboios fortemente armados, o que elevava de maneira assustadora os fretes marítimos. Por conseguinte, a posse de Ceuta acarretaria o controle político-militar de Gibraltar e a segurança da navegação mercantil entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

Também os mercadores portugueses estavam interessados no assalto a Ceuta. Esta rica cidade marroquina era um abundante empório de metais preciosos e de escravos africanos. Além disso, a região norte do “Continente negro” tornou-se extremamente importante quando as frotas mercantis italianas passaram a buscar o Atlântico. Os percalços das rotas terrestres transalpinas davam à via marítima veneziana de Flandres um grande vigor econômico. As naus italianas chegavam aos portos napolitanos e sicilianos abarrotadas de vinhos, frutas, azeite, especiarias, lãs e algodão.

Após o desembarque, eram carregadas com açúcar e outros gêneros, seguindo para os entrepostos de Trípoli, Tânger, Constantina e Ceuta, onde os produtos de origem europeia constituíam ótima forma de pagamento para as mercadorias do Sudão, transportadas para o norte da África pelas caravanas dos nômades cameleiros.

Certamente, a burguesia portuguesa estabeleceu como meta cortar as grossas correntes do tráfico mediterrânico dominado pelos italianos. Portugal, carente de artigos do Sudão, realizaria uma penetração mercantil no Marrocos, onde era fácil a aquisição de bens da “Terra dos Negros” e do Oriente. A conquista de Ceuta permitiria, no entender do alto comércio luso, desviar as rotas do ouro e dos escravos para o Atlântico ibérico, e era isso que estimulava os comerciantes do reino a participar do empreendimento ultramarino dos Aviz.

No entanto, uma surpresa terrível abalaria as esperanças mercantilistas do homem português. Ao saque seguiu-se a desilusão econômica. O estado permanente de tensão militar na área de Ceuta desviou o comércio. Com efeito, a cidade portuária, até então ponto de convergência de rotas mercantis, transformou-se numa onerosa praça de guerra. Malogravam, assim os sonhos de enriquecimento acalentados pelos mercadores lusos.

Fazia-se, pois, necessário o estudo de novos planos expansionistas. Avançar pelo Mediterrâneo iria ferir os interesses do bloco ítalo-árabe. A luta pela partilha econômica e política da África mediterrânea não interessava a Portugal. Só restava uma saída: bordejar o Continente Africano, desviando as rotas transarianas para o Oceano Atlântico. Iniciava-se, desta forma, a conquista e exploração do “Mar Tenebroso”. Tendo aprendido a lição de Ceuta, a burguesia mercantil portuguesa voltava-se agora para o Atlântico, o grande forjador de seus destinos.

Após a conquista de Ceuta, a navegação portuguesa conheceria o apogeu. Para D. Henrique, o Navegador, teórico da aventura ultramarina lusitana, o objetivo maior era chegar ao cabo Bojador, centro do ouro e dos escravos africanos. O próprio Vaticano, por meio das bulas dos papas Eugênio IV, Nicolau V e Calixto III, autorizara a aplicação dos fundos da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, presidida por D. Henrique, na execução do périplo africano.

Em 1425, as ilhas de Madeira e Porto Santo eram atingidas por naus portuguesas, dois anos depois, chegava-se aos Açores. Em 1434, Gil Eanes, discípulo de D. Henrique, avistaria o cabo Bojador. No ano seguinte, Baldaia ultrapassaria o cabo, desembarcando na região do rio do Ouro. Dava-se, assim, o primeiro passo para a conquista da Guiné. Em 1443, Nuno Tristão, navegando além do Cabo Branco, descobriu o arquipélago de Arguim. O feito comoveu a nação portuguesa. As ilhas de Arguim, povoadas por mouros e mestiços, eram abundantes em água doce, fator natural que facilitava a instalação de feitorias destinadas ao resgate de escravos e ao tráfico de especiarias. Arguim tornou-se logo o primeiro grande marco da expansão pelo litoral africano: núcleo do comércio com o “Continente Negro” e, ao mesmo tempo, a colônia pioneira da Europa cristã no misterioso “país dos selvagens”.

Em 1460, quando da morte do Infante D. Henrique, o Senegal, o Cabo Verde, Gâmbia, Serra Leoa e o Cabo das Palmas eram territórios amplamente percorridos por negociantes portugueses. A aventura africana já começara a dar os seus primeiro frutos: metais preciosos e braços escravos. Em 1º de setembro de 1481, D. João II subia ao trono português. O novo governo logo traçaria novas diretrizes. Nesse momento, Portugal, a única potência colonial da Europa, conheceria o austero programa de ação política do “Príncipe Perfeito”. Com D. João II, o Estado passava a monopolizar a expansão ultramarina. O rei tornava-se assim, o grande empresário da aventura colonial. O governo dos domínios africanos e o tráfico comercial passaram, então, a ser atributos da Coroa. O militar, o administrativo e o mercantil formariam uma só realidade.

A partir daí foi dado um maior impulso à presença lusa na costa oeste da África. Diogo de Azambuja fundaria a fortaleza de São Jorge da Mina. Depois, Diogo Cão e Bartolomeu Dias alcançaram respectivamente, localidades situadas além do Congo e do cabo das Tormentas, que após esta expedição receberia o nome de cabo da Boa Esperança. Finalmente, estava aberto o caminho marítimo para a Índia: em 1497, Vasco da Gama, completando o périplo do “Continente Negro”, atravessaria o Oceano Índico , chegando a Calicute. Com isso, as drogas e especiarias orientais estavam ao alcance direto do mercantilismo português. A Europa ocidental rompia as cadeias mediterrâneas que até então entravavam o seu desenvolvimento.

Os Tratados Ibéricos

Com a abertura da rota atlântica para o Oriente, o Mediterrâneo perdeu sua tradicional importância como via comercial. A capital portuguesa, a cosmopolita cidade de Lisboa, tornou-se o empório da Europa, verdadeira ponte entre mundos econômicos diversos. O Oceano Atlântico surgiu, então como formidável moldura geográfica do capitalismo moderno. De fato, a conquista e integração do Atlântico no complexo da civilização ocidental inauguraram uma nova época: a capitalista e, com ela, a europeização do mundo.

Essa revolução seria, posteriormente, completada com o estabelecimento das rotas do Atlântico americano, abaixo e acima da linha do Equador. A montagem do grande império ultramarino da dinastia de Aviz, proporcionalmente gigantesco, foi um processo lento, cheio de riscos e dispendioso. Nesse extraordinário painel devemos situar a descoberta do Brasil. Não seria inútil, portanto, a experiência adquirida pelos nautas e comerciantes lusitanos na construção de uma majestosa civilização atlântica. O Atlântico, caminho duramente percorrido pelo desbravador português, estava, no início de século XVI, aberto a novas aventuras. Ao monopolizar o tráfico das especiarias asiáticas, Portugal atingiu o ponto crítico da expansão marítima, que abriria ao reino novas rotas, inclusive a do Brasil.

Os marinheiros portugueses certamente não ignoravam a existência de terras nos mares do ocidente. A descoberta dos Açores pelas naus henriquianas era o primeiro sinal de que Portugal deveria navegar em mar largo para oeste. Com efeito, o arquipélago açoriano, em virtude de sua privilegiada localização, tornar-se-ia, em breve, o nó dramático da expansão-base de operações da investida portuguesa no Atlântico ocidental. Entretanto, os eventuais descobrimentos lusitanos de territórios ocidentais, possivelmente realizados no final do século XV, achavam-se envoltos em mistério. Podemos dizer que fazem parte da mitologia geográfica. Se efetivamente aconteceram, ficaram circunscritos ao norte do Equador, à costa setentrional da América do Sul ou ao mar das Antilhas. Não obstante, podemos afirmar com certeza que o marinheiro português conhecia razoavelmente os caminhos atlânticos, ainda no período pré-colombiano.

Nos últimos anos do século XV, em razão do antagonismo entre as potências marítimas, surgiriam as disputas ultramarinas. A Europa imperialista era, então, representada por Portugal de D. João II e pela Espanha de Fernando e Isabel, os “Reis Católicos”. Pela sua situação especial de importante via marítima, o Atlântico se tornou o principal foco de atenções dos interesses políticos da duas grandes monarquias ibéricas. A estratégia de D. João II, no plano da competição ultramarina, consistiu em desviar a atenção da Espanha do empreendimento português no ocidente africano, com o claro objetivo de garantir para Portugal a passagem marítima do cabo da Boa Esperança para as Índias. A obsessão do “Príncipe Perfeito” era o Levante, rico de especiarias e outros gêneros comerciáveis, não o ocidente desconhecido, para onde Portugal procurava induzir os seus competidores peninsulares. Tal estratagema levaria Castela a buscar o caminho para a Índia através do mares ocidentais. Portugal tinha, seguramente, a convicção do erro de rumo do empreendimento ultramarino espanhol, fato patenteado após o retorno de Colombo das regiões insulares da América Central.

Regressando das Antilhas, que ele identificava com a ilha Cipango, guarda avançada do Oriente, Colombo chegou a Lisboa a 06 de março de 1493. A capital lusitana foi, assim, a primeira terra do Continente Europeu visitada por Colombo na sua viagem de volta da América. No dia 09, à noite, Colombo avistou-se com D. João II, que se encontrava no mosteiro de Nossa Senhora das Virtudes, em Santarém.

Na verdade, conforme as cláusulas do tratado celebrado em Toledo, a 06 de março de 1480, entre Afonso V, de Portugal, e Fernando e Isabel de Castela, as terras situadas ao sul das Canárias seriam exclusivamente de exploração lusitana. Apesar da existência do referido Tratado de Toledo, a viagem de Colombo fez renascer a competição ultramarina entre as duas coroas ibéricas. D. João II, apoiando-se no acordo de 1480, procurou garantir os direitos portugueses. Com essa finalidade, realizou uma demonstração de poderio naval, mandando aprontar uma armada com o firme propósito de enviá-la aos territórios visitados por Cristóvão Colombo, pois achava o soberano que essas linhas descobertas lhe pertenciam.

Em resposta, Isabel e Fernando ampliaram a polêmica, buscando em seu favor a sanção do Papado, para assegurar a posse das águas e terras descobertas por Colombo.

Tranquilizando a monarquia espanhola, o papa Alexandre VI expediu uma bula, a 04 de maio de maio de 1493, atribuindo a Castela o domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes, já descobertas ou por descobrir, situadas ao ocidente de uma linha meridiana traçada de polo a polo, que passasse cem léguas a oeste dos Açores e Cabo Verde (bula Inter Coetera).

Apesar dessa demarcação, efetuada com base nas concepções empíricas de Colombo, garantir a hegemonia lusa na área do Atlântico africano, semelhante disposição contrariava os interesses de Portugal. Por essa razão, D. João II recusou-se a aceitá-la. Os “Reis Católicos”, receosos de uma guerra peninsular, entraram em negociações com a coroa portuguesa. O “Príncipe Perfeito”, em resposta a um convite espanhol, mandou para Madri, como embaixadores, o doutor Pedro Dias e Rui de Pina. Os desentendimentos entre as duas monarquias rivais prolongaram-se por bastante tempo.

Os emissários lusos, dispensando a Santa Sé como mediadora, propuseram a divisão do ultramar por meio de um paralelo traçado ao sul das Canárias, ficando para Portugal as terras descobertas situadas na parte austral, e, para Castela, as da porção setentrional. A contra proposta do monarca português não agradou a Fernando e Isabel. A política lusitana mostrava mais uma vez a sagacidade de seus estadistas. Diante da iminência de uma sangrenta luta armada na Península Ibérica, os “Reis Católicos” encontraram-se num dilema crucial: defender as posições intransigentemente ou entrar no terreno das concessões. Preferiram esta última solução.

Após o recuo da diplomacia castelhana, o soberano de Portugal enviou à Espanha diversos embaixadores encabeçados por Rui de Souza. Depois de cansativas e morosas deliberações, as duas coroas chegaram a um acordo, ultimando-se em Tordesilhas, a 07 de junho de 1494, o tratado entre Fernando e Isabel, reis de Castela, e João II sobre a parte que passaria a pertencer a cada nação, das terras que se descobrissem no ultramar. Conforme a cláusula fundamental do documento, as duas monarquias estabeleciam uma linha de demarcação - o meridiano traçado a 370 léguas a oeste de Cabo Verde - dividindo o Atlântico em duas zonas de influência: as terras descobertas ou ainda por descobrir no hemisfério oriental ficariam sob domínio da coroa portuguesa; as do hemisfério ocidental caberiam à Espanha.

Essa linha de demarcação cortava o litoral brasileiro de Belém do Pará a Laguna, em Santa Catarina, dando a Portugal o controle de quase todo o Atlântico Sul. Na verdade, chega a surpreender a precisão do traçado do meridiano a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde.

Semelhante partilha do universo ultramarino deixava Portugal na posse do Atlântico afro-brasileiro, privilegiada linha marítima que assegurava, de um lado, a rota para o Oriente, e, de outro, a navegação para o oeste, onde eventualmente poderiam ser encontradas terras, que enriqueceriam, de alguma forma, o patrimônio da coroa portuguesa. A costa ocidental da África e o desconhecido Brasil passariam a ser as regiões mais defendidas pela monarquia lusitana.

Pelo Tratado de Tordesilhas, portanto, o “Príncipe Perfeito” não procurou proteger somente o caminho marítimo da Índia. Buscou também assegurar a posse de eventuais terras existentes no ocidente, ao sul do Equador, algumas provavelmente já avistadas por Pero da Cunha, na sua viagem de retorno do Senegal, em 1488. Sabe-se, por outro lado, que as duas coroas ibéricas enviaram, pouco antes de 1500, expedições ao ocidente, com a finalidade de conhecer pormenorizadamente a área demarcada em Tordesilhas. Vicente Pinzón, Diego de Lepe e Alonso de Hojeda viajaram a mando de Castela. Por sua vez, protegido pela armada de Vasco da Gama, partiria clandestinamente, em 1498, Duarte Pacheco Pereira, com a incumbência de descobrir o que porventura houvesse além do meridiano de Tordesilhas.

A empresa ultramarina dos navegantes lusos distinguia-se da sua congênere espanhola por um conhecimento bem maior do Atlântico. Quando os “Reis Católicos” ultimaram a Reconquista cristã da Ibéria - com a queda de Granada, em 1492 - os Aviz já haviam organizado em sólidas linhas o tráfico comercial com o litoral africano.

A maturidade da navegação lusa, em contraste com as suas similares europeias, era incontestável . Portugal não confundia os mares do ocidente com a rota do Cabo. O empreendimento dos Aviz no Oceano Atlântico diferenciava-se fundamentalmente da empresa de Colombo, que buscava a Ásia pelo oeste. Ilhas e terras do ocidente, para Portugal, eram consideradas como regiões inteiramente distintas da Índia, zona das especiarias e metais nobres.

A concepção cosmográfica de D. João II, amplamente evidenciada em Tordesilhas e nas expedições às águas ocidentais, levou à descoberta do Atlântico brasileiro, ótimo ancoradouro para as naus que buscavam a Índia. O Brasil figuraria, em consequência, como precioso elo da corrente expansionista do “Príncipe Perfeito”.

Em Tordesilhas, Fernando e Isabel , interessados em salvaguardar as ilhas descobertas por Cristóvão Colombo, ignorando completamente a geografia atlântica, acreditaram que estavam concedendo a Portugal simplesmente águas. A mudança do meridiano de 100 para 370 léguas a oeste de Cabo Verde não atingia os interesses de Castela nas Antilhas. Por isso, os soberanos espanhóis concordaram em abdicar dos limites propostos pela bula Inter Coetera, cedendo diante da insistência de D. João II em afastar a sua fronteira atlântica. Em suma, Castela não sabia o que dava. Por seu lado, Portugal tinha sérias razões para desejar a transferência da raia de partilha do Atlântico, de enorme valor estratégico, para o domínio de ambas as margens do Atlântico sul.

No entanto, havia uma lacuna no Tratado de Tordesilhas. Realmente, nele não estava assinalado o lugar de Cabo Verde que tomaria como ponto inicial para a medição de 370 léguas, apesar de os pontos extremos do arquipélago distarem de si aproximadamente 2 graus de longitude. Concluímos daí que os plenipotenciários lusos e castelhanos, presentes na localidade de Tordesilhas, jamais acreditaram no exato cumprimento do ajuste entre as duas coroas litigantes. Ninguém confiava na execução do tratado. O acordo nunca foi respeitado.

O meridiano de partilha nem chegou a ser demarcado. Vinte e oito anos após a assinatura do convênio, D. João III, de Portugal, e Carlos V, soberano espanhol, ainda discutiam a divisão do oceano, problema agravado pelo conflito ibérico pela posse das Molucas.

Com efeito, no início do século XVI, não convinha ao reino português que o limite ocidental do Brasil se aprofundasse pelo continente. Como vimos, as novas terras então descobertas estavam divididas entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas. Porém, havia um território em pendência: as ilhas Molucas, nossas antípodas, região rica em especiarias, eram disputadas pelas duas nações ibéricas. Se o meridiano divisor entrasse em demasia pelo Continente Americano, as Molucas passariam a fazer parte do semi-hemisfério espanhol. Daí a estranha atitude dos delegados portugueses, procurando, nesse tempo, fazer com que as 370 léguas, que assinalariam a localização do referido meridiano, não fossem contadas a partir do lado mais ocidental das ilhas de Cabo Verde , como era desejo dos espanhóis. Na verdade, as Molucas foram, durante anos, muito mais estimadas por Portugal do que as regiões aparentemente estéreis do Brasil. Por fim, em 1529, na cidade de Saragoça, as duas coroas chegariam a um acordo, ficando as Molucas sob controle lusitano mediante indenização.

As reivindicações de D. João II, que conduziam a partilha do Atlântico em Tordesilhas, eram indício indubitável de que em Portugal se admitia, com risonha esperança, a existência de terras no ocidente, entre a Europa e a Ásia. Além disso, a atitude do “Príncipe Perfeito”, em relação a Colombo, as intrigas que acompanharam nas duas cortes peninsulares a controvertida questão das soberanias, o ajuste de Tordesilhas, a viagem de Duarte Pacheco, em 1498, a expedição de reconhecimento do Atlântico Sul capitaneada por Gaspar Corte Real sob a égide do trono luso, bem como o afastamento premeditado de Pedro Álvares Cabral para o oeste são, na realidade, fatos reveladores da íntima ligação entre a aventura ultramarina de D. João II e a descoberta do Brasil.

É nesse quadro que devemos inserir a chegada de Pedro Álvares Cabral a Bahia. São elos de um mesmo processo na dura competição pela partilha econômica e política do Atlântico. Organizavam-se no oceano as vias de passagem para as regiões coloniais do Novo Mundo, ligadas às suas congêneres, as vias afro-asiáticas, que o reino já vinha, havia tempo, edificando em bases sólidas. Essa concorrência denunciava o aparecimento histórico do moderno imperialismo, posteriormente caracterizado por um agravamento das tendências das nações capitalistas para a conquista de mercados e matérias-primas coloniais.

A disputa entre as potências conduziria a novos empreendimento. A abertura da rota atlântica das especiarias asiáticas oferecia a Portugal enormes possibilidades de expansão. Lisboa ligava-se à Índia sem perda de continuidade do meio de comunicação: o mar. Logo, o incipiente capitalismo lusitano apresentaria, no alvorecer do século XVI, novas exigências, mas também os meios técnicos e materiais para atendê-las.

QUADRO RESUMO

Tratado de Toledo (1480) - O acordo determinava o traçado de um paralelo ao sul das Canárias, cabendo a Portugal a exploração do ocidente africano.

Bula Inter Coetera (1493) - Expedida pelo papa Alexandre VI, atribuindo a Castela o domínio de todas as ilhas e terras firmes, descobertas ou por descobrir, situadas a oeste de uma linha meridiana traçada de polo a polo, que passasse 100 léguas a ocidente das ilhas dos Açores e Cabo Verde.

Tratado de Tordesilhas (1494) - Estabelecia uma linha de demarcação - o meridiano traçado a 370 léguas a oeste de Cabo Verde - dividindo o Atlântico em duas áreas de hegemonia: o hemisfério oriental seria português; o ocidental, espanhol.

Tratado ou Capitulação de Saragoça (1529) - Determinava a entrega das Molucas a Portugal, mediante a indenização de 350.000 ducados

Sumário

- Formação de Portugal
- Divisão da História Portuguesa até a Época dos Descobrimentos
- Fatores do Pioneirismo Português
- Etapas dos Descobrimentos Portugueses
- Os Tratados Ibéricos

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