A crise do sistema colonial no Brasil

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A crise do sistema colonial no Brasil ocorreu a partir do século XVIII, quando movimentos passaram a reivindicar a separação política em relação a Portugal. Uma das causas da crise do sistema colonial no Brasil foi a influência dos ideais do Iluminismo, que motivaram muitos brasileiros a lutarem pela independência do Brasil.

CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DA CRISE DO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL

A colonização da América Portuguesa, isto é, o processo de montagem de unidades produtoras do tipo ''plantation'' e o esforço da conquista territorial do Brasil, só adquire sentido global quando situada como uma fase do colonialismo mercantilista. Da mesma forma, a independência do Brasil dever ser compreendida como  um instante do movimento mais amplo que resultou a crise do antigo sistema  colonial.  

Antes, porém, de examinarmos o fenômeno específico do desmantelamento do sistema colonial da era mercantilista, procederemos a uma apreciação crítica dos mecanismos de funcionamento dos elementos políticos, econômicos e sociais que compunham esse sistema de colonização.

O desenvolvimento do colonialismo moderno  promoveu a  acumulação de capital nas economias metropolitanas europeias.  Para que isso se tornasse possível, ou seja, para assegurar o bom andamento da exploração colonial, implantou-se nos territórios  ultramarinos um modelo de sociedade senhorial-escravista. Os valores e relações internas dessa sociedade se oporiam, de maneira cada vez mais acentuada, aos da sociedade burguesa então ascendente na Europa. Em consequência, tornou-se inevitável uma confrontação entre o universo metropolitano e o mundo colonial.

Em  primeiro  lugar,  ao observarmos a realidade  das  colônias periféricas,  distinguimos  claramente dois setores básicos de produção: o  de exploração, organizado  em grandes  unidades  baseadas  no trabalho  escravo  e  voltado   exclusivamente   para   a  criação  de  mercadorias destinadas  ao  consumo  europeu  -  considerado  setor  primordial  por  atender  ao  caráter capitalista do próprio  movimento de colonização - e o de subsistência, orientado para a produção de gêneros de consumo local, baseado na pequena propriedade e no trabalho do produtor independente, implantado para possibilitar o funcionamento do mecanismo exportador, ao qual estava totalmente subordinado.

A economia colonial dos tempos modernos, considerada em seu conjunto, era definida pelo setor exportador. No  Brasil, em certas circunstâncias e áreas determinadas, as atividades ligadas à subsistência chegaram a adquirir relativa importância. Por exemplo, a pecuária, numa etapa avançada de seu desenvolvimento, esteve associada ao regime da grande propriedade.

No entanto, a dinâmica global de todas as economias periféricas dependeu sempre do influxo externo, pois elas tinham como seu centro dominante último o capitalismo europeu.

Em  outras  palavras,  o  antigo  sistema  colonial  determinava  inevitavelmente,  em todas as áreas por ele abrangidas, a existência de uma produção dependente. O setor exportador dependia diretamente desse sistema; e o de subsistência, de importância secundária, indiretamente.

Ao  examinarmos  as relações socioeconômicas vigentes nas colônias de exploração mercantilista, percebemos que, devido à estrutura escravista, toda a renda se concentra nas mãos dos senhores de escravos. Isto porque eles eram, ao mesmo tempo, os proprietários da mão de obra e das unidades produtoras de bens para o mercado europeu. O produtor direto - o homem escravo e reduzido à simples condição de instrumento de trabalho - não tinha renda própria; a renda do comércio colonial canalizava-se, portanto, exclusivamente para a camada senhorial.

Nessas relações de produção, reside um dos elementos essenciais ao entendimento dos mecanismos do antigo sistema colonial.

Era exatamente essa  concentração de renda, fundamental para as sociedades do mundo periférico, que permitia o funcionamento do sistema colonial, articulando as diversas peças de sua engrenagem.

A  renda global gerada nas economias periféricas só se realizava, em última instância, nos mercados da economia europeia. Sua maior parte se transferia, por imposição do pacto colonial, para as metrópoles e grupos burgueses metropolitanos ligados às transações ultramarinas.

Uma parcela menor da renda gerada nas economias periféricas permanecia nas colônias, nas mãos da pequena camada senhorial. Era essa parte da renda que permitia o funcionamento da própria exploração colonial.

A concentração  de  renda  possibilitava à classe  dominante colonial manter a continuidade do processo produtivo e mesmo levar uma vida luxuosa. Simultaneamente, proporcionava recursos para que os colonos tivessem condições de importar os produtos da economia europeia.

A renda provinha, pois, das exportações e se consumia nas importações.  Essas transações se realizavam sob a égide do regime colonial de comércio, que tinha como finalidade precípua transferir para a metrópole a maior parte dos  lucros auferidos pela camada senhorial das zonas periféricas.

Assim, conforme a rígida mecânica do colonialismo mercantilista, a produção do mundo colonial promovia a acumulação de capital nas metrópoles europeias. A  sociedade colonial sofria, portanto, incessante espoliação por parte das burguesias metropolitanas.

Em  contrapartida,  no  micro-universo  da  colônia, a camada proprietária mantinha sua posição privilegiada, por meio de outra ação espoliativa, ou seja, a exploração arbitrária do braço escravo. O escravismo transformou-se em elemento essencial à articulação das diversas peças do sistema colonial da Era Moderna. Isto porque, basicamente,  exploração colonial  significava  exploração  do trabalho cativo.

O  modo  mercantil-escravista, assumido pela  produção  colonial,  determinou  uma  série  de  consequências. Em primeiro  lugar, a própria realidade escravocrata tornava inviáveis grandes inversões tecnológicas. Era condição indispensável para a continuidade  da dominação  escravista  que  se  mantivesse o escravo em níveis  culturais  subumanos.  Pretendia-se,  assim,  evitar a  tomada de consciência, por parte do cativo, da realidade do trabalho compulsório.

Por isso, o africano, submetido ao jugo escravocrata, não estava apto a assimilar processos tecnológicos mais sofisticados.

Outro fator responsável pelo primitivo estágio técnico das economias periféricas era a inexistência de grandes capitais disponíveis no interior da própria colônia, devido à permanente espoliação desta por sua respectiva metrópole.

O retardamento técnico da economia colonial trouxe como resultado a baixa produtividade.

Em decorrência disso, as economias periféricas cresciam, como observou Celso Furtado, de forma extensiva, ou seja, pela mera proliferação de unidades produtoras arcaicas e incapazes, em virtude de sua própria estagnação tecnológica, de obter qualquer aumento de potencial de produtividade.

O desenvolvimento das economias coloniais era estritamente quantitativo, isto é, a simples soma de um número cada vez maior de unidades de produção.

Nelas se desconhecia qualquer transformação qualitativa, como, por exemplo, alterações ou melhoramentos na própria unidade produtora. O modo de produção colonial se ressentia também da falta de reinvestimento em escala crescente. A camada senhorial, distante do processo competitivo capitalista, limitava-se à manutenção de seu sistema produtor, pela simples reposição do material que fora desgastado no decorrer das operações produtivas.

Consequentemente, a economia colonial, restrita ao processo de autoconservação, tornava-se predatória, dilapidando a natureza. Essa caracterização evidencia o sentido básico da colonização da Era Moderna. A conquista da América  - mero desdobramento da expansão comercial europeia - tivera início com a exploração pura e simples de produtos naturais.  Em seguida, com a implantação de um esquema de produção periférica, o colonialismo mercantilista adquiriu relativa complexidade, mantendo, porém, o sentido originário de depredação da paisagem natural.

Assim, a expansão colonial tinha como limite natural o esgotamento dos recursos do território sistematicamente dilapidados pelo modo colonial de produção. Impôs-se, então, ao desenvolvimento do modo colonial de produção um limite extremo, devido à sua própria realidade essencial de atividade predatória.  Disso  originou-se uma contradição interna ao antigo sistema colonial:  a forma de produção periférica do tipo mercantilista provocaria sua própria destruição.

A montagem do antigo sistema colonial da Era Mercantilista atendera às exigências expansionistas do capital comercial europeu. Esse sistema gerou um modo de produção ultramarino de características contraditórias: era, ao mesmo tempo, mercantil e escravista. Devido a essa contradição, o antigo sistema colonial - que  na fase embrionária do capitalismo (acumulação de capital) fora uma de suas principais forças matrizes - passou a entravar o desenvolvimento do próprio capitalismo.

A contradição entre o modo de produção instalado nas zonas periféricas e o ulterior progresso do capitalismo residia, pois, na própria natureza da produção colonial. Esta se resumia à produção de gêneros para os mercados europeus, com a utilização do braço escravo. No decorrer do processo colonizatório, os dois componentes que definiam a economia colonial (o binômio mercantilismo/escravismo) passaram a se configurar como realidades opostas. O antagonismo de ambos provocaria tensões no interior de todo o antigo sistema colonial.

O escravismo determinava o baixo grau de produtividade e, consequentemente, de rentabilidade na produção colonial. Os proprietários das unidades produtoras ultramarinas estavam impossibilitados de  minimizar os custos de produção de suas empresas por meio do progresso técnico. Essa situação forçou-os a reduzir a níveis ínfimos os gastos de manutenção da força de trabalho escravizada. Entre outras medidas, passaram a obrigar os escravos a produzir boa parte dos gêneros destinados à sua subsistência dentro da própria unidade produtora mercantilista. Formou-se assim, no âmago de uma economia basicamente mercantil, toda uma faixa de produção de subsistência, que utilizava processos marginais à economia de mercado.

A sorte das atividades destinadas à subsistência, nas economias coloniais, estava inteiramente ligada às  flutuações do mercado consumidor europeu. Nas épocas de expansão da procura, mobilizavam-se todos os fatores produtivos coloniais para a criação de bens destinados aos mercados externos.

Nessas ocasiões, fortalecia-se a produção de subsistência autônoma realizada fora dos domínios do latifúndio mercantilista, graças à venda de seus excedentes ao setor exportador.

Porém, em condições de estabilidade ou durante as cíclicas crises de depressão, nas grandes unidades produtivas exportadoras, os fatores de produção mercantil se deslocavam para a de subsistência.  Assim se preservava essa estrutura num nível baixíssimo de produtividade. Além disso, o sistema colonial mercantil-escravista previa que parte da remuneração do fator trabalho empregado no processo produtivo se realizasse fora do parque produtor: os proprietários pagavam uma parte - o preço dos escravos - aos mercadores; a outra parte - destinada à manutenção do escravo processava-se por meio da produção de subsistência, não dando, pois, lugar às operações mercantis. Logo, nenhuma das duas parcelas em que, na economia colonial, se dividia a remuneração do trabalho estimulava o desenvolvimento econômico autônomo.

A realidade colonial mercantil-escravista tinha necessariamente um mercado interno de proporções diminutas. Isto significava, de início, que a economia colonial se tornaria cada vez mais dependente da economia metropolitana. Em virtude de seu mercado interno reduzidíssimo, a colônia não tinha condições de desenvolvimento autônomo. Ela ficava sempre na dependência dos impulsos e flutuações do centro dinâmico, isto é, do capital comercial europeu. Nesse sentido, o fenômeno se adequava à própria lógica interna do sistema colonial mercantilista, não ocorrendo, portanto, contradições. Entretanto, como já vimos, na raiz do expansionismo moderno estavam as tensões geradas pelo desenvolvimento do capitalismo mercantil. A expansão europeia significou, basicamente, uma expansão comercial, isto é, uma empresa destinada a abrir novos e vantajosos mercados. Também a colonização, enquanto desdobramento da expansão comercial, teve o sentido de um movimento dilatador da economia de mercado. Portanto, em relação à economia europeia, as economias coloniais periféricas  situavam-se como fatores de ampliação da economia de mercado. Em sua estrutura mercantil-escravista, contudo, as economias coloniais configuravam um modo de produção caracterizado pela quase inexistência de mercado interno. O consumo de boa parte da população colonial, os produtores diretos, efetuava-se à margem das transações mercantis..

Em consequência, a estrutura escravista da economia colonial, embora resultante de um empreendimento voltado à expansão comercial, limitava, na prática, o crescimento da economia de mercado.

Na  economia colonial padrão, isto é, escravista-mercantil, o universo das relações mercantis atingiu apenas a camada social dominante dos proprietários de terras e senhores de escravos. Somente este tinha condições de importar das economias centrais mercadorias para seu consumo próprio: produtos alimentares, manufaturas para  seu conforto pessoal e implementos para a  atividade agrícola. Uma análise mais profunda demonstra que as colônias ultramarinas apresentavam uma realidade social mais complexa do que o esquemático binômio senhor-escravo. O desenvolvimento do processo colonizatório propiciou o surgimento de categorias sociais intermediárias fundamentalmente compostas por funcionários, mineradores, alguns comerciantes, padres, militares e administradores. Entretanto, na sociedade colonial, todos esses contingentes sociais tinham importância secundária: sua presença no ultramar decorria da economia escravista e da produção para o capitalismo europeu. Portanto, em última análise, toda a atividade econômica existente no âmbito da colônia girava em torno da camada senhorial e a economia mercantil se expandia em função dela.

A existência de categorias sociais médias não alterava, pois, o esquema fundamental: o universo das relações mercantis continuava sob o domínio da camada senhorial  e, subsidiariamente, de seus dependentes.

A maior parte da população da colônia - a massa de produtores diretos escravizados - permanecia à margem das relações comerciais, o que obstava a formação de um mercado interno. Essa estruturação do mundo colonial estava inteiramente adequada aos momentos iniciais do sistema capitalista, isto é, à fase das economias metropolitanas europeias, marcada pela acumulação de capitais e pela produção artesanal e manufatureira.

Com a Revolução Industrial - que trouxe a mecanização e a consequente intensificação da produção - o capitalismo iniciou uma nova etapa de seu desenvolvimento, passando a exigir a ampliação das faixas de consumo localizadas no ultramar.

Impunha-se, forçosamente, nesse momento, a democratização da capacidade de consumo das populações coloniais, o que só se tornaria possível com a generalização das relações mercantis. A partir de então, o antigo sistema colonial, baseado no modo de produção mercantil-escravista, sofreu um processo de agudização de suas contradições internas, entrando, irremediavelmente, em crise.

A promover a primitiva acumulação capitalista nas economias centrais europeias, o sistema colonial mercantilista exerceu o papel de instrumento fundamental da transição para o capitalismo industrial. As economias periféricas, organizadas dentro do antigo sistema colonial, desenvolveram seus modos de produção, seguindo a tendência de complementar a economia central: forneciam-lhes os produtos de que ela carecia e matérias-primas para a sua produção artesanal e maquinofatureira. Assumiram, assim, a forma de autênticas economias de apoio, tendentes a dar às metrópoles condições de autossuficiência em face das demais potências mercantilistas.

Além disso, submetidas às restrições monopolistas do exclusivo metropolitano, as economias periféricas constituíam mercados monopolizados pelos produtos manufaturados de suas respectivas metrópoles. à medida que preenchiam as lacunas das economias centrais, as colônias dos tempos modernos  favoreceram o desenvolvimento econômico capitalista que, nessa fase mercantil, tinha como elemento essencial a acumulação primitiva, indispensável à futura transição para o industrialismo.

Esses elementos nos permitem analisar a verdadeira contribuição do antigo sistema colonial à formação do capitalismo. A colonização da América (ou melhor da exploração colonial ultramarina organizada nas linhas do sistema colonial da Era Moderna) representou um poderoso instrumento de aceleração da acumulação primitiva de capitais no contexto do capitalismo europeu.

Essa colonização envolveu, efetivamente, um processo de transferência de rendas das colônias para as metrópoles, ou, mais exatamente, das economias periféricas para os centros dinâmicos da economia europeia. Essa renda concentrou-se nas mãos da camada empresarial ligada ao comércio ultramarino.

Num plano mais geral, assumindo a forma de economia complementar e de respaldo das economias metropolitanas, a colonização mercantilista contribuiu poderosamente para o desenvolvimento das economias nacionais europeias em seu período de acumulação capitalista.

À luz dos conceitos emitidos anteriormente, a propósito do capitalismo comercial como etapa intermediária entre o desmantelamento do feudalismo e a Revolução Industrial, o sistema colonial moderno se caracteriza por sua atuação sobre os dois pré-requisitos básicos da passagem para o capitalismo industrial. A exploração colonial ultramarina fomentou, de um lado, a primitiva acumulação capitalista por parte  da camada empresarial; e, do outro, alargou o mercado consumidor de manufaturados.

Portanto, o sistema colonial moderno atuou paralelamente ao criar a possibilidade (acumulação capitalista) e a necessidade (expansão da procura dos manufaturados) do surto maquinofatureiro.  Surgiram,  então, graças a essa atuação em paralelo, as condições essenciais à Revolução Industrial, processo histórico de nascimento do capitalismo. Assim, localizamos o núcleo dinâmico da crise do antigo sistema colonial: ao funcionar plenamente, ele engrenou tensões de toda ordem, criando, ao mesmo tempo, as condições de sua destruição e consequente superação.

O antigo sistema colonial, ao acelerar a acumulação de capital nas economias centrais e ao incrementar a demanda de produtos manufaturados, simultaneamente, provocou a eclosão da Revolução Industrial. A seguir, o mesmo antigo sistema colonial, condicionado ao modo de produção escravista, entrou em contradição com os efeitos da Revolução Industrial, que ajudara a gerar.

A aceleração da produção capitalista, possibilitada pelo advento da máquina, exigiu a brusca ampliação dos mercados ultramarinos a um ponto tão elevado que o sistema colonial da Era Moderna, caracterizado pelas restrições monopolistas dos pactos  coloniais e pelo trabalho compulsório, não teve condições de atender.  A  realidade capitalista-industrial, parcialmente gerada e possibilitada pelo colonialismo mercantilista, foi o fator principal do desmantelamento desse modelo de colonização.

Antes, porém, de se esgotarem todas as possibilidades do sistema colonial mercantilista, isto é, antes que se atingissem os limites de ruptura definitiva da exploração colonial, as tensões geradas pelos primeiros avanços do industrialismo impuseram progressivas alterações e reajustes, que acabariam por abalar todo o sistema colonial.

Não houve necessidade de  que o capitalismo industrial chegasse a seus mais sofisticados graus de desenvolvimento e expansão para que o colonialismo mercantil escravista entrasse em depressão e crise.

Os primeiros passos da Revolução Industrial foram suficientes para provocar as rupturas iniciais do pacto colonial.

A partir da época em que a Insurreição Pernambucana expulsou os holandeses do Nordeste, o Brasil passou a sofrer com grande intensidade os reflexos da difícil situação econômico-financeira por que passava, então, o reino português.

Desde a Restauração de sua monarquia nacional, Portugal - severamente afetado pelo surgimento de potências concorrentes no mercado internacional de produtos tropicais - viu-se progressivamente relegado a segundo plano no cenário econômico-político europeu. Em decorrência dessa crescente debilidade, a Metrópole Lusitana teve de assinar sucessivos e desvantajosos acordos com a Inglaterra, para conseguir sobreviver como nação colonialista. A tônica desses tratados não apresentava variações: Portugal fazia concessões econômicas e a Inglaterra respondia com promessas ou garantias políticas. Pouco a pouco, Portugal se transformou virtualmente em simples vassalo econômico da grande potência em que se transformara a Grã-Bretanha. No século XVIII, dois fatores agravariam ainda mais essa situação de dependência de Portugal em relação aos interesses da burguesia britânica.

Em primeiro lugar, a eclosão da Revolução Industrial em terras inglesas acelerou vertiginosamente  a capacidade de produção capitalista. A Inglaterra passou, então, a necessitar de amplos mercados. Isso a levou a adotar uma política de  combate frontal ao protecionismo vigente nas colônias ibéricas. Em termos práticos, a Grã-Bretanha, em função de seu surto maquinofatureiro, passou a postular a substituição dos rígidos mecanismos de proteção mercantilista pelo livre-cambismo.

Também o êxito dos esforços de mineração, realizados pelos portugueses na região das Minas Gerais, contribuiu para acentuar a subordinação econômica de Portugal ao imperialismo britânico. O ''grande ciclo do ouro'' criou no Centro-Sul do Brasil um mercado consumidor de grandes dimensões. Isso estimulou a cobiça do capitalismo inglês, interessado em introduzir suas manufaturas em tão rica área.

Em 1703, pelo Tratado de  Methuen, Portugal transformou-se num simples apêndice econômico-comercial da Inglaterra. De acordo com as cláusulas desse acordo diplomático, Portugal receberia tarifas preferenciais para seus vinhos nas alfândegas inglesas.

Em troca dessa concessão de duvidoso valor econômico, Portugal praticamente autorizou a livre entrada de tecidos e outras maquinofaturas britânicas em seu território.

As disposições do discutido tratado, além de asfixiarem as indústrias portuguesas, transferiram o impulso dinâmico da mineração brasileira para a Inglaterra. A Coroa lisboeta teve de recorrer ao ouro brasileiro para cobrir seus crônicos déficits orçamentários. Disso resultou a rápida acumulação do metal precioso de sua colônia nos, cada vez mais sólidos, bancos ingleses. Dependente da Grã-Bretanha no plano internacional, a metrópole portuguesa passou a ocupar,  no século XVIII, uma posição delicada em relação à colônia brasileira, pelos  seguinte motivos:

  • mostrava-se incapaz de operar na esfera de circulação dos produtos primários que, graças às restrições do pacto colonial, dominava inteiramente.
  • tornava-se cada vez mais onerosa ao consumidor colonial, em função do regime de monopólio de comércio que exercia, e que fazia aumentar o preço das mercadorias importadas.

O primeiro aspecto começou a se manifestar desde a Restauração (1640) e se agravou com a concorrência do açúcar antilhano; o segundo principiou a se definir com a mineração, que ampliou o poder aquisitivo e a capacidade de consumo da população colonial. Na verdade, com o ''grande ciclo do ouro'', o Brasil passou de mercado apenas produtor a mercado produtor e consumidor. As rendas que a Metrópole auferia da exploração colonial provinham principalmente de três fontes:

  • do domínio da circulação do açúcar.
  • do domínio da produção e da circulação do ouro.
  • do domínio da distribuição à colônia das mercadorias que esta necessitava importar.

A Metrópole onerava a produção colonial pelas taxas impostas ao açúcar, que se refletiam negativamente em seu preço,  dificultando a concorrência; pela invasão total da área das atividades privadas, como no caso do ouro; pela pesada tributação que lançava sobre as importações. Esta última, em particular, pesava sobre toda a população consumidora. Mais uma vez, a Metrópole descarregava o ônus de suas crises na população colonial (atitude peculiar ao domínio econômico que caracteriza o colonialismo).

As alterações efetuadas no campo econômico refletiram-se no campo social. Entre a sociedade açucareira do século XVI e a sociedade mineradora do século XVIII, havia uma grande diferença. Nos primeiros tempos, a classe dominante colonial, que se considerava representante da Coroa no Brasil, exercia poderes em seu nome. Paulatinamente, no entanto, teve início um processo de afrouxamento da comunhão de interesses entre a camada dominante colonial e sua correspondente metropolitana.

No final do século XVIII, esses interesses começaram a divergir, tornando-se antagônicos. A economia periférica de exportação, que gerara  e mantinha a classe dominante colonial, sofria graves e recorrentes flutuações. De titular absoluto do mercado, o açúcar brasileiro passara à posição de competidor, desde que a área colonial holandesa nas Antilhas começara a contestar esse domínio. A metrópole, em virtude de sua condição de país dependente, não tinha capacidade para assegurar mercados e preços estáveis à produção colonial.

As  flutuações  econômicas  debilitavam a classe dominante colonial. No aspecto político, elas contribuíram decisivamente para abalar o prestígio da metrópole junto aos ressentidos latifundiários brasileiros.  Gradativamente, a crise econômica vivida por  Portugal e a crescente insatisfação da classe senhorial começaram a abrir  caminho para o movimento de separação política do Brasil. Entretanto, só se deram os primeiros passos de importância em direção à efetiva ruptura do pacto colonial das Nações Ibéricas, após as alterações provocadas no cenário internacional pela Revolução Industrial.

Situação da Metrópole (Séc. XVIII)

  • sem meios para fazer circular os produtos coloniais.
  • o monopólio comercial encarecia o consumo no Brasil.

As Rendas que o Brasil dava à metrópole vinham :

  • do monopólio da produção e da circulação do ouro.
  • do monopólio da circulação do açúcar.
  • do monopólio das mercadorias importadas.

Convencionou-se chamar de Revolução Industrial a última fase do prolongado processo de transformação que transferiu a supremacia econômica do capital comercial ao capital industrial. As novas técnicas, então surgidas, indicavam o término do demorado movimento de extinção do modo de produção manufatureiro. Este, porém, demonstrou, em todos os lugares onde ainda exercia papel de relevo, grande resistência à introdução das técnicas de produção.

Isso ocorreu porque estas novas modalidades de produção vinham encerrar a fase em que havia espaço e oportunidade para a habilidade manual . Combinando movimentos simples, a máquina multiplicava o número de produtos. Acionando as fontes de energia, assumiam um papel cada vez mais relevante na ordem capitalista, agora caracterizada por uma unidade produtora: a fábrica.

As novidades técnicas introduzidas pela Revolução Industrial não foram suficientes, por si só, para provocar grandes alterações nos hábitos de consumo das populações do século XVIII. Na realidade, passara a ter importância somente a nova forma de produção e não o que se produzia, ou seja, o modo de produzir, não o produto. A Revolução Industrial começou com a elaboração de produtos conhecidos, aqueles de que o homem necessitava na época e se habituara a consumir, e que já haviam, também, conquistado seus respectivos mercados.

Os tecidos constituíam a principal "mercadoria elaborada", na fase das manufaturas. Em consequência, uma das primeiras etapas da Revolução Industrial foi a passagem da manufatura têxtil para a produção de tecidos.

Só mais tarde, em fase mais adiantada, a mecanização industrial penetraria em outros campos. Os planos se tornaram objeto principal de seu impulso, no momento em que a implantação de indústrias fez desaparecerem as manufaturas.

Nessa transformação do modo de produção, entretanto, não se modificaram apenas as técnicas produtivas, também a matéria-prima sofreu alterações: o algodão, pouco a pouco, tomaria o lugar da lã. Nessa época, a lã era um produto primário europeu; algodão, ao contrário, era matéria-prima tropical e estava entre os chamados gêneros coloniais (fornecidos por zonas ultramarinas das quais os europeus se haviam apossado a partir da expansão mercantilista do século XVI). O antigo sistema colonial, ao criar o mercado mundial e dividi-lo em áreas, determinara a especialização de cada uma das regiões periféricas, articulando-as econômica e politicamente. Não foi, contudo, o fornecimento de matéria-prima destinada à indústria têxtil a única forma de vinculação entre as áreas coloniais e a Revolução Industrial.

O aparecimento do algodão como produto primário fundamental ao surto maquinofatureiro influiu nas diferenças de desenvolvimento das zonas coloniais. à oferta ascendente de mercadoria industrializada correspondia a oferta ascendente de matéria-prima; isto é, o surto da tecelagem mecanizada correspondeu ao surto algodoeiro. Esse aumento no consumo do algodão e, consequentemente, da produção de tecidos aniquilou as manufaturas, ainda acorrentadas ao "Panos de lã". Os  artesãos, ao perderem a propriedade de seus instrumentos de trabalho, encaminharam-se para as usinas, agora transformados em trabalhadores assalariados.

O afluxo de metais preciosos  -  e do ouro brasileiro em particular  -  forneceu  aos  proprietários  das  máquinas  o capital em dinheiro para atender às exigências financeiras inerente ao regime de trabalho assalariado. Não foi essa, entretanto, a única consequência do aumento da aplicação do ouro na industrialização: sua acumulação em território europeu gerou um volume de moeda suficientemente grande para acompanhar o aumento da rapidez de circulação proporcionado pelas novas técnicas de transporte.

A conversão da mercadoria em dinheiro - a partir de então, realizada em prazo mais curto graças à maior rapidez dos meios físicos de comunicação - exigia a presença de maior quantidade de numerário no mercado.  Esse encurtamento de prazo acelerava a acumulação de capital nas mãos dos detentores dos meios de produção mecanizados, fomentando a ampliação dos efeitos causados pela Revolução Industrial.

Finalmente, as relações entre as metrópoles e as colônias e os próprios laços de domínio, subordinação exigente entre elas, não podiam ficar imunes às consequências da Revolução Industrial. O aparecimento dos metais preciosos no Novo Mundo deu origem a um mercado ultramarino de proporções consideráveis, como ocorreu na área de hegemonia espanhola.

Na América portuguesa, essa situação acarretou consequências econômicas ainda maiores, pois o movimento da mineração brasileira se realizou na mesma época da Revolução Industrial. Consequentemente, voltaram-se para o mercado brasileiro as atenções dos produtores europeus. O consumidor colonial brasileiro não tinha, contudo, acesso ao bens maquinofaturados e aos mercados europeus em expansão, devido às restrições impostas pela Metrópole, levadas a seus limites extremos justamente em consequência da mineração.

As pressões externas para a eliminação do pacto colonial aumentariam, à medida que prosseguisse o desenvolvimento da Revolução Industrial. Os acordos firmados entre Portugal e a Inglaterra após a Restauração demonstravam inequivocamente o interesse britânico pelos mercados lusos metropolitanos e coloniais. Naquela ocasião, contudo, esse interesse havia se manifestado de maneira ainda não premente.

Em fins do século XVIII, porém, essa situação chegou à sua fase crítica: o processo da Revolução Industrial entrou abertamente em contradição com o sistema de áreas fechadas pelo monopólio colonialista.

Ao catalisar o movimento de transição do capitalismo mercantil ao capitalismo do tipo contemporâneo, a Revolução Industrial provocou profundas alterações na estrutura social europeia. Velhas forças, até então dominantes, declinaram; paralelamente, novas forças ascenderam. Do conflito entre elas, surgiu uma sociedade diferente.

Em função do progresso da Revolução Industrial, a burguesia chegou ao poder, substituindo, como classe dominante, a decadente aristocracia ainda parcialmente ligada ao modo de produção feudal. Força  motora das lutas que caracterizam o período da Revolução Industrial, a contradição entre a burguesia e a nobreza feudalizada tornou-se o grande fator responsável pela destruição do Antigo Regime (marcado no plano político pelo absolutismo e, no plano econômico, pelas diretrizes mercantilistas).

Dominante nas regiões em que o capital industrial assumira a supremacia econômica, a burguesia ocupava, contudo, plano secundário (em relação à nobreza) nas áreas ainda submetidas ao capital comercial. A burguesia comandava o surto industrial inglês; a nobreza ibérica, amarrada aos escombros do modo feudal de produção, comandava o regime de monopólio comercial característico das áreas coloniais americanas. De modo geral, na Inglaterra predominava o modo capitalista de produção; na Península Ibérica, a feudalidade, alimentada pela espoliação das áreas coloniais; no Brasil, o modo mercantil-escravista de produção.

Como se pode perceber por esses elementos, houve reciprocidade de efeitos entre o ciclo da mineração no Brasil e a transformação econômico-social que se processou no Ocidente europeu no transcorrer do século XVIII. De um lado, o ouro teve papel decisivo na criação do mercado interno brasileiro e impulsionou o progresso do capitalismo inglês; de outro, esse desenvolvimento estimulou os capitalistas britânicos a disputarem o mercado brasileiro criado pelo ouro.

Entre duas realidades, a capitalista e a colonial, havia como obstáculo somente o regime do monopólio comercial.

Nas últimas décadas do século XVIII, a dominação colonialista portuguesa reduziu-se praticamente ao exclusivismo (monopólio) metropolitano. Portugal passara a exercer o papel de mero entreposto situado em meio aos produtores europeus e aos consumidores coloniais. A transformação do Brasil de colônia apenas produtora a consumidora estava consumada.

A posição intermediária da Metrópole onerava a mercadoria colonial, agora em condições de concorrer por melhores mercados, e agravava também a mercadoria europeia. Dessa forma, o reino lusitano passara a desempenhar uma função estritamente parasitária. A partir do momento em que o capital comercial passou a depender do industrial, a situação de atravessador intermediário, típica de Portugal, tornou-se anacrônica. A coroa lusa entrava no desenvolvimento do capitalismo e das áreas coloniais.

A correlação das forças no cenário internacional configurava, pois, a existência de uma contradição entre a expansão capitalista inglesa e  a resistência monopolista-feudalizada das monarquias portuguesa e espanhola. Essa contradição, transplantada para o cenário colonial brasileiro, colocava em confronto:

  • os proprietários coloniais dos meios de produção, de um lado, e a Metrópole , monopolizadora da circulação, de outro.
  • os proprietários coloniais dos meios de produção de um lado, e os não possuidores desses meios, de outro.

O desenvolvimento das forças produtivas no Brasil, apesar da espoliação de caráter mercantilista da Metrópole, provocara o aparecimento de componentes sociais novos. Esse progresso fez avultar e aprofundar a contradição entre os proprietários e os não proprietários dos meios de produção, na sociedade colonial. Na realidade, esse antagonismo existia desde  o início da própria colonização, sob a forma de lutas entre colonizadores e indígenas, senhores e escravos.

Para que ocorresse a ruptura do sistema monopolista ibérico, era necessário:

  • que a expansão capitalista encabeçada pela Inglaterra sobrepujasse a resistência mercantilista-feudal dos reinos português e espanhol.
  • que a contradição entre os proprietários coloniais dos meios de produção e a Metrópole monopolista se aprofundasse e superasse a contradição entre a classe senhorial e os não proprietários dos meios de produção.

A velha contradição interna entre a classe senhorial (dos proprietários de terras e escravos) e a camada de cidadãos sem posses, da Colônia, agravou-se por ter sido aquela, inicialmente, mandatária da Metrópole.

Por isso, as primeiras manifestações de rebeldia política no Brasil ocorreram em maior número entre os setores não senhorais, isto é, no interior das camadas privadas da posse dos meios de produção.

Contradições que operaram no processo de Independência

1º Nível 

Modo Capitalista de Produção
(Inglaterra)

Mercantilismo em crise
(Portugal)

2º Nível

Proprietários Coloniais
Metrópole Monopolizadora

3º Nível

Proprietários Coloniais
Não proprietários

Para que ocorresse o rompimento entre Colônia e Metrópole era preciso que:

  • o surto industrial superasse o mercantilismo.
  • a contradição entre proprietários coloniais e a Metrópole superasse a contradição entre proprietários e não proprietários.

Por essas razões, ou seja, por não interessarem à classe senhorial ou por afrontarem a ideologia conservadora da camada proprietária, esses levantes pioneiros não tiveram maior expressão e não obtiveram nenhum êxito. O poder da camada latifundiária era tão grande no século XVIII que nenhum movimento autonomista antimetropolitano tinha condições de triunfar sem seu apoio.

A independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa estimularam os anseios de libertação coloniais. A ideologia preconizada por tais movimentos libertadores encontrou ressonância nas camadas menos favorecidas do Brasil-Colônia. Esses reflexos do pensamento liberal iluminista se transformariam abertamente nas formulações libertárias dos inconfidentes mineiros e baianos.

Entretanto, tais postulados ideológicos não encontraram  receptividade junto à classe proprietária. Isto porque só lhe interessava, acima de tudo, a conservação de seus privilégios, que eram derivados da estrutura mercantil-escravista do processo de colonização do Brasil.

O liberalismo europeu realmente não traduzia os anseios, nem tampouco atendia aos interesses dos proprietários.

Mais tarde, ao tomar plena consciência dos antagonismos entre seus interesses e as restrições do pacto colonial, a classe proprietária dos meios de produção coloniais lideraria o movimento de separação política do Brasil, abstendo-se, entretanto, de qualquer pretensão reformista quanto à realidade interna do País.

A classe dominante colonial tomou consciência da incompatibilidade total entre seus interesses e as disposições monopolistas do pacto colonial por meio de um processo custoso, prolongado e, por vezes, dramático. Na verdade, a completa dissociação entre a camada senhorial da Colônia e  a Metrópole portuguesa foi forjada, ao longo dos séculos XVII e XVIII, na manifestação de pequenos conflitos regionais, aparentemente destituídos de importância. Essas lutas acanhadas, que colocaram frente a frente  consumidores e monopolizadores, latifundiários e comerciantes reinóis, mineradores e fiscais do Real Erário, constituíram os momentos iniciais da formação da consciência nacional brasileira.

A essas manifestações, como estudaremos pormenoriza­damente, a historiografia do Brasil dá o nome de Movimentos Nativistas.

A partir de 1640, já livre do domínio espanhol, Portugal procurou fazer do Brasil - única colônia importante que restara de seu, outrora imponente, império ultramarino - a peça fundamental de seu esforço de recuperação econômica. Nesse sentido, as autoridades lusas tomaram duas medidas básicas:

  • centralização da administração pública do Brasil, em benefício da Metrópole e em detrimento da autonomia da Colônia (arrocho administrativo).
  • adoção de nova política econômica, fundada no esforço do regime de monopólio e no aumento das restrições às atividades produtivas coloniais (arrocho do Pacto Colonial).

Após a Restauração, acentuou-se consideravelmente o fortalecimento do poder real no tocante à administração do Brasil. Uma das primeiras medidas de D. João IV, monarca coroado em 1600, foi a criação do poderoso Conselho Ultramarino, com a finalidade precípua de estabelecer um rigoroso centralismo administrativo no Brasil. Para complementar essas diretrizes, o rei transferiu o controle da maioria das capitanias brasileiras para administradores governamentais diretamente ligados a Lisboa.

Outra determinação real agravou ainda mais o processo de decadência das autoridades locais da Colônia. As Câmaras Municipais - investidas de considerável poder durante o primeiro século da colonização - foram sendo progressivamente submetidas à autoridade dos representantes reais. Privadas aos poucos de suas antigas prerrogativas, elas se transformaram em meras executoras de ordens e resoluções dos agentes da Coroa. O primeiro grande golpe desferido contra a autonomia local foi a criação, em 1696, dos juízes de fora (na Bahia, no Rio de Janeiro e em Pernambuco). A eles caberia a presidência das Câmaras, antes exercidas pelos Juízes ordinários, eleitos pelo povo.

Durante o primeiro século da colonização, a política econômica portuguesa para o Brasil, apesar de obedecer às normas do Antigo Sistema  Colonial, caracterizou-se, na prática, por um certo "liberalismo".  Embora sob a tutela teórica do "exclusivo" metropolitano, os colonos não enfrentaram grandes restrições de ordem econômica. Seu trabalho e seu comércio, tanto internos quanto externos, eram relativamente livres.

Um dos aspectos mais interessantes e significativos desse "liberalismo" foi o tratamento tolerante dispensado pela Coroa aos estrangeiros. A estes, a Coroa permitia não só se estabeleceram livremente na Colônia como também exercerem nela quaisquer atividades. Além disso, as transações comerciais diretas entre o Brasil e países estrangeiros não sofriam embargos ou restrições.

Após a Restauração, no entanto, Portugal reformou sua orientação anterior, adotando uma severa política monopolista em relação ao Brasil. Inicialmente, impuseram-se rigorosas penas àqueles que facilitassem a presença e o comércio de navios alienígenas em território colonial. Depois, em 1665, proibiu-se a produção de sal, reservando-se a importação do produto exclusivamente a determinados comerciantes (a proibição tornou-se conhecida como "estanco do sal"). Essas medidas - aliadas à criação das Companhias Privilegiadas de Comércio e às restrições impostas à produção de aguardentes, ao cultivo da oliveira  e da vinha - indicavam que Portugal, abandonando a tolerância do passado, procurava implantar um regime de interdições e monopólios destinado a fazer do Brasil um simples apêndice de uma Metrópole enfraquecida.

Sumário

- Características Estruturais da Crise
- Situação da Metrópole (Séc. XVIII)

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