O período da República da Espada
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Os governos militares dos cinco primeiros anos da República Velha (o Governo Provisório, o Governo da Constitucional de Deodoro e o governo de Floriano Peixoto) apresentam especialidades bastante marcantes que os diferenciam dos demais governos da Primeira República.
Esses governos militares, que optamos por designar de República da Espada, marcam um período de transição, no qual ainda não estava perfeitamente definida a questão da hegemonia dentro do novo regime, e nem se haviam resolvido as contradições entre os antigos aliados do 15 de novembro (os militares, os representantes das classes médias e a nova aristocracia cafeeira do oeste de São Paulo ) . Mesmo em meio a esses grupos havia sensíveis divergências: o Exército não sustentava as mesmas posições que a Marinha; nos círculos civis, por sua feita, não era menor a divisão, expressa ou latente, ente os “republicanos históricos”, os “positivistas”, os “republicanos radicais”, os “adesistas” e outros grupos menores.
Como primeiro passo para a compreensão do significado da instauração do regime republicano entre nós, devemos assinalar que, no fim do Império, parte da classe dominante brasileira (notadamente as elites nordestinas), permanecia ligada à velha estrutura colonial e escravocrata, ansiando a outra parte por reformas que o antiquado e emperrado aparelho de Estado Monárquico não lhe podia dar. Esta última fração da classe dominante, que se voltara para novos setores da economia - o café - e que partilhava também do poder, precisava apoderar-se desse aparelho de Estado para pô-lo inteiramente a seu serviço.
Por outro lado, também a classe média desejava mudanças na estrutura política então vigente, de modo a obter maior participação no poder. Porém, estas reformas pretendidas pela classe média só poderiam ser alcançadas mediante uma aliança dos grupos mais atuantes dela com uma das frações da classe social dominante: os proprietários da lavoura cafeeira de exportação. A classe média nascente, cristalizada em torno das Forças Armadas, encontraria nestas seu instrumento, e a instalação do regime republicano, como ressalta o líder republicano Aristides Lobo, “foi obra dos militares, deles só “.
O novo regime foi, portanto, mais uma transformação de cúpula; resultou de uma composição da burguesia com uma parte da plutocracia rural. Foi, em suma, a ascensão de um governo burguês oligárquico.
“Nessa transição consistirá a história do poder político nos primeiros trinta ou quarenta anos de República. A declaração do novo regime político, por certo, não tivera o condão de transformar a ordem política do país, nas suas bases sociais, e, nem sequer, nas suas bases jurídicas, já que grande parte da legislação e das instituições governamentais que a nação criara durante o Império especialmente durante o segundo Reinado, continua na República. Os clãs rurais que se vinham transformando em organizações políticas mais amplas, de domínio regional, sob o beneplácito, se não do estímulo, do governo monárquico, prosseguem sua evolução durante a Primeira República (1889/1930). A alteração sensível é no sentido de romper o véu do patriarcalismo monárquico que se escondia, e de certo modo, atenuava o poder dessas oligarquias regionais nascidas dos clãs rurais. A República tem o cordão de reconhecer mais abertamente o poder destes. De certo modo, o federalismo, tal como entendido e efetivamente praticado durante a Primeira República, significou processo pelo qual se fortaleceu e surgiu à plena luz o poder das oligarquias regionais”( Mário Wagner Vieira da Cunha, in O Sistema Administrativo Brasileiro).
Apesar de seu caráter de mero remanejamento institucional, a República, rompendo o antiquado cenário político da monarquia, abriu novas perspectivas mais consoantes com o período de prosperidade material em que a nação entrara nos últimos anos do século XIX. Os sistemas produtores, que desde então se vinham desenvolvendo, atingiram o apogeu de uma “economia para a criação extensiva e em larga escala de gêneros tropicais destinados à exportação“ (Caio Prado Jr.) . Para isso concorreram fatores externos e internos, tais como :
- a prosperidade, então experimentada pelas principais nações capitalistas, e consequentemente incremento do comércio internacional.
- a abolição da escravatura, que permitirá remover os obstáculos até então opostos ao desenvolvimento do trabalho livre e à vinda de grandes levas de imigrantes.
- a adoção de técnicas novas, que possibilitaram o aumento extraordinário da mais importante produção brasileira da época: o café.
Dessa maneira, se não observamos, com o advento do regime republicano, o aparecimento de uma realidade socioeconômico política totalmente nova, verificamos, no entanto, uma ânsia relativamente inexistente e que nunca havia sido considerada legítima, ao menos na aparência, durante a monarquia, que sempre fora, sob o ponto de vista econômico, uma espécie de “fazenda senhorial, modesta e bem ordenada” (José Maria Belo).
A primeira fase da história republicana (que abrange desde os acontecimentos relacionados à proclamação do novo regime, a 15 de novembro de 1889, até a posse do primeiro presidente civil, o paulista Prudente de Morais, em 1894) é chamada de República da Espada, por haverem ocupados a chefia do governo dois marechais de grande prestígio: Manoel Deodoro da Fonseca e Floriano Vieira Peixoto.
Este momento da República significou a tentativa do Exército, apoiado em setores da pequena-burguesia, de manter o controle do aparelho de Estado, visando à implantação de uma república modernizadora, reformista, nacionalista e antioligárquica. Sem condições de obter amplas bases sociais de apoio, o exército logo viu frustrado o seu projeto “jacobino”.
O Governo Provisório e a Constituição de 1891
Na noite de 15 de novembro de 1889, na casa do “republicano histórico“ Aristides Lobo, realizou-se uma reunião das principais lideranças republicanas, cujo objetivo principal era a formação de um governo provisório. Este, sob a chefia do marechal Deodoro da Fonseca, ficou constituído da seguinte maneira: Aristides Lobo, ministro do Interior; Rui Barbosa, ministro da Fazenda; Manuel Ferraz de Campos Sales, ministro da Justiça; tenente-coronel Benjamin Constant, ministro da Guerra; chefe de esquadra Eduardo Wandenkolk, ministro da Marinha; Quintino Bocaiuva, ministro das relações Exteriores; e Demétrio Ribeiro, ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Terminada a tarefa de preenchimento dos ministérios, as lideranças republicanas redigiram, ainda nessa reunião do dia 15, uma proclamação ao povo brasileiro, que seria denominada Decreto nº 1 do Governo Provisório. Neste documento, decretava-se a deposição da dinastia imperial e, consequentemente a extinção do sistema monárquico; garantia-se a segurança da vida e da propriedade a todos os cidadãos brasileiros: assegurava-se o respeito aos direitos individuais e políticos; ficavam abolidos o Conselho de Estado e a vitaliciedade do Senado, e dissolvida a Câmara dos Deputados; finalmente, eram acatados e reconhecidos os compromissos nacionais contraídos pelo Império, tais como tratados, dívida pública e contratos ainda vigentes. Nesta reunião, firmou-se o princípio da “responsabilidade solidária”: todos os ministros decidiram todos os assuntos, diretrizes e políticas cabendo a execução a cada pasta específica.
Um dos primeiros atos do governo Provisório, após sua posse, realizada no Salão Nobre da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na manhã de 16 de novembro, foi o banimento da família imperial. Às 10 horas desse mesmo dia, já o palácio estava interditado e à tarde, D. Pedro II recebia das mãos do major Sólon Sampaio Ribeiro a mensagem do novo governo mandando-o sair do país. Serena e melancolicamente o Imperador deposto ditou sua resposta: À vista da representação escrita que me foi entregue hoje, às 3 horas da tarde resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir, com toda a minha família para a Europa, amanhã, deixando esta pátria, de nós tão estremecida, à qual me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação, durante quase meio século em que desempenhei o cargo de chefe do Estado.
Na madrugada de 17 de novembro de 1889, após recusar o auxílio financeiro que lhe fora oferecido pelo Governo Provisório, seguiu para o exílio, sendo transportado pelo navio mercante Alagoas e comboiado pelo couraçado Riachuelo.
Nesse mesmo dia, os chefes do apostolado Positivista, núcleo dos setores ortodoxos da corrente brasileira filiada ao comtismo, foram levar sua adesão à República, encabeçando uma passeata de intelectuais precedida por um estandarte, onde pela primeira vez aparecia a legenda “Ordem e Progresso”, que o novo regime inscreveria posteriormente no Pavilhão Nacional. O apostolado acreditava poder contar com os dois positivistas que faziam parte do Ministério - Benjamin Constant e Demétrio Ribeiro, para exercer decisiva influência sobre o Governo Provisório.
Na realidade, porém, afora a adoção do lema positivista na bandeira nacional e a introdução da fórmula “Saúde e Fraternidade” e do “Vós” na correspondência oficial (formas de escrita abolidas poucos anos depois), o papel desempenhado pelos adeptos do pensamento comtiano na história republicana foi de pouca importância, exceto no Rio Grande do Sul, como veremos em tópico posterior. Com efeito, foram recusadas suas sugestões, como a “ditadura republicana permanente”; a Câmara única, voltada exclusivamente para a discussão de problemas orçamentários; a abolição do ensino oficial e o projeto constitucional sujeito a plebiscito.
Em linhas gerais, a atuação do Governo Provisório foi marcada por desacordos constantes, derivados da composição heterogênea do seu Ministério e da inexperiência de Deodoro, que não possuía capacidade para, por si só, governar ou impor a sua vontade aos companheiros de administração. Durante as reuniões governamentais, o marechal quase não se manifestava e quando o fazia, era para forçar a aprovação de um parecer ou ameaçar demitir-se . Seu temperamento autoritário e sua quase total ingenuidade política, que possibilitava manobras ilícitas e compromissos escusos por parte dos membros de sua família e de sua assessoria, criaram sérios empecilhos à ação governamental. Foi principalmente para remediar esses males que resolveu o Governo Provisório tirar do seu chefe supremo a responsabilidade única de administração, tornando-a coletiva e estabelecendo que todos os titulares de pastas ministeriais deliberassem sempre nas questões mais graves por maioria de votos. Adotada, inicialmente, de forma natural, a “responsabilidade coletiva” ou solidária acabou sendo formalizada por Campos Sales nos primeiros meses de 1890.
No aspecto administrativo, destacaram-se as seguintes medidas do Governo Provisório:
- a decretação da grande naturalização, assim chamada em virtude de passarem à condição de brasileiros todos os estrangeiros aqui residentes que não manifestassem desejo de permanecer com a antiga nacionalidade.
- a Igreja separa-se do Estado, ocorrendo, em consequência, a regulamentação do casamento e do registro civil e a secularização dos cemitérios.
- a reforma do Código Criminal e da organização judiciária do país.
- a reforma do sistema bancário.
Não foram fáceis e tranquilos os primeiros meses da República. Em novembro de 1889, o Governo Provisório foi obrigado a enfrentar o levante de algumas guarnições militares sediadas na cidade de Desterro, capital de Santa Catarina. No mês seguinte, explodiu um motim na corveta Niterói, então ancorada no porto do Rio de Janeiro. Ainda em dezembro, sublevaram-se os oficiais e soldados do 2º Regimento de Artilharia Montada. Esmagadas essas insurreições, o Governo Provisório, em represália, ordenou a deportação para o estrangeiro de inúmeros líderes monarquistas, entre eles Ouro Preto e Silveira Martins, embora não tivesse ficado demonstrada a participação de elementos restauradores nos movimentos sediciosos acima referidos. Além disso, a 23 de dezembro de 1889, foi organizado um tribunal excepcional, para julgar toda e qualquer forma de insubordinação ao novo regime. A partir daí, até mesmo jornalistas que criticassem o governo seriam submetidos a esse tribunal militar na qualidade de “perigosos agentes interessados na subversão da República”. Dessa maneira, melancólica e tristemente, terminava a liberdade de imprensa no Brasil, direito que fora zelosamente assegurado pela administração pública ao longo de todo o império.
A questão das missões diz respeito à região de Palmas, situada a oeste do Paraná e Santa Catarina, cuja posse era ambicionada pela Argentina. Interessado em resolver rapidamente a pendência, o Governo Provisório, dispensando a solução por arbitramento, resolveu chegar a um entendimento direto com as autoridades argentinas. Assim, no início de 1890, Quintino Bocaiuva, ministro das Relações Exteriores do Brasil, foi enviado, a bordo do couraçado Riachuelo, para Montevidéu, onde conferenciaria com representantes do governo argentino. Nessa ocasião, ficou decidida a divisão da área contestada em duas partes: uma para o Brasil, outra para a Argentina. Em nosso país, a repercussão desse tratado foi péssima , tendo início uma campanha de ataques pessoais a Quintino Bocaiuva, acusado de “profissionalmente incompetente” e de “dilapidador do dinheiro público” de vez que levara à capital uruguaia uma comitiva de quatorze pessoas e mais sua família e ficara “passeando no rio da Prata”.
Tendo sido vetado o acordo pelo congresso Nacional, o governo brasileiro recorreu ao arbitramento, que foi confiado ao presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland. Em 1895, com uma sentença inteiramente favorável ao Brasil, o mandatário norte-americano resolvia a questão da posse da região de Palmas, impropriamente chamada de “região das Missões”.
A República herdou do Império uma delicada situação financeira segundo Rui Barbosa, o passivo imperial orçava em 1 milhão de contos de réis: 200.000 contos de papel moeda em circulação sem lastro algum e o resto representado pelas dívidas externa e interna. Os direitos sobre a importação forneciam 50 % da receita pública geral, o que colocava o governo à mercê das flutuações da balança comercial. Durante o Segundo Reinado, os déficits orçamentários tinham-se sucedido quase todos os anos, sendo cobertos artificialmente por emissões contínuas de papel-moeda.
O Gabinete Ouro Preto conseguira a conversão de parte da dívida externa em um empréstimo interno. O ministro concedeu então, a bancos do Rio de Janeiro e de São Paulo, a faculdade de emitir, mas sobre lastro-ouro, ficando um deles encarregado de resgatar o papel-moeda emitido pelo Tesouro Público. Assim, o governo imperial comprometia-se a não mais emitir e pretendia retirar da circulação o dinheiro inconversível, garantindo ao banco particular que fizesse apólices a juros anuais no valor de 5 %.
Entretanto, o movimento militar de 15 de novembro e a consequente implantação do regime republicano provocaram a depreciação dos fundos brasileiros em Londres, tanto dos títulos da divida externa brasileira quanto das nossas ações. Noutros termos, o Governo Provisório foi obrigado a enfrentar uma espécie de boicote financeiro contra o Brasil.
Para fazer frente à crise, Rui Barbosa, sem consulta aos colegas de governo, obteve de Deodoro o decreto de 17 de janeiro de 1890, pelo qual se realizava uma ampla reforma bancária. Em primeiro lugar, os títulos da dívida federal substituíram o ouro como lastro das emissões dos bancos particulares. Além disso, o Brasil ficava dividido em sete regiões, cada qual com seu banco emissor. Esses estabelecimentos teriam também o encargo de amortizar a dívida pública: nos primeiros sete anos seriam eliminados os juros: a dívida pública seria resgatada ao cabo de cinquenta anos, graças a um fundo de 10 % sobre os lucros brutos dos bancos.
Com o emissionismo possibilitado pelo decreto de Rui Barbosa, a onda inflacionária cresceu assustadoramente, dobrando em pouco tempo o meio circulante. Empresas fantasmas, com fins inverossímeis, eram incorporadas diariamente, com garantia de juros pelo governo, e suas ações aumentavam vertiginosamente de valor na Bolsa. Em breve, o país estaria em pleno caos financeiro.
Ciente do fracasso de sua política financeira, Rui Barbosa voltou, inicialmente, às emissões sobre lastro-ouro. Mais tarde, no entanto, extinguiu a pluralidade emissionista, passando à emissão única sem lastro. A taxa cambial desceu de 27 d. (27 pence por mil réis) em 1889, a 11 d. (11 pence por mil réis), 1891. Em consequência, objetivando resguardar o governo da depreciação cambial, Rui Barbosa foi obrigado, então, a instituir o pagamento de parte dos direitos alfandegários em ouro.
O fato é que Rui Barbosa não soube, ou não pôde, avaliar corretamente a verdadeira situação econômica brasileira dos primeiros tempos republicanos. Apostando no futuro da industrialização, esqueceu-se de que éramos um país recém-egresso do escravismo; de que os reduzidos capitais acumulados estavam basicamente restritos à lavoura cafeeira que afinal de contas respondia por cerca de 75% das nossas exportações; de que nosso mercado interno era precariamente desenvolvido e insuficiente para suportar um verdadeiro processo de industrialização; esqueceu-se, acima de tudo, da nossa dependência externa, em função da qual os grandes países exportadores de produtos industrializados jamais permitiriam a perda de seus fregueses, lançando mão de todos os expedientes para impedir o crescimento de um setor manufatureiro nacional.
Um exemplo claro deste último aspecto é o Acordo Comercial Brasil-Estados Unidos, assinado em 1891, que isentava de taxas de importação os manufaturados norte-americanos entrados no país, em troca de açúcar, café e outros produtos primários, desestimulando claramente a indústria brasileira que porventura conseguisse estabelecer-se.
Uma outra medida de Rui Barbosa foi a anulação das indenizações pagas pelo extinto regime imperial aos latifundiários escravistas, para compensar as perdas de seus escravos. Como é claro, isto suscitou uma violenta oposição ao Ministro da Fazenda por parte dos velhos escravocratas.
O Decreto do Encilhamento provocou, como não podia deixar de fazê-lo, a veemente oposição da maioria dos ministros do Governo Provisório. Na reunião governamental de 30 de janeiro de 1890, o marechal Deodoro, sobre quem Rui Barbosa tinha uma notável ascendência, tentou encerrar os debates, declarando que “a lei bancária era um fato consumado, a cujo respeito julgava inconveniente qualquer insistência sob pena de abandonar o poder”. Em virtude do apoio presidencial, a medida de Rui Barbosa foi levada a efeito, de nada adiantando as ponderações de Campos Sales e de Demétrio Ribeiro e o verdadeiro clamor nacional contra a reforma bancária. Por seu turno, Rui justificava seu descaso pelos colegas, alegando que tomava essa atitude “para evitar agitações perigosas e infundadas no público e no próprio Ministério”. Reagindo contra as atitudes do titular da pasta da Fazenda, Demétrio Ribeiro demitia-se do Ministério da Agricultura, sendo imediatamente substituído por Francisco Glicério, hábil político republicano paulista.
A questão das Missões, o Encilhamento e as divergências entre os membros do Ministério do Interior motivaram a renúncia de Aristides Lobo, logo substituído por Cesário Alvim. Outros desentendimentos com Deodoro levaram Benjamin Constant a deixar o Ministério da guerra para Floriano Peixoto. Por qualquer motivo os ministros pediam demissão e, paulatinamente, “a responsabilidade solidária ou coletiva“ tornava-se o grande empecilho à condução dos negócios públicos federais.
Em novembro de 1890, houve um relaxamento na censura à imprensa e o antigo jornal monarquista, A Tribuna Liberal, voltou a circular. Em seu primeiro número, a folha restauradora publicou um artigo assinado por um tal de Frederico de S. (na realidade, pseudônimo de Eduardo Prado), com violentos ataques aos militares. Estes, revoltados, juraram destruir o jornal. Deodoro prometeu tomar providências, mas nada fez. A 30 de novembro, a redação de A Tribuna Liberal era atacada, tendo sido, na ocasião, morto um gráfico. Imediatamente, o Ministério ameaçou pedir demissão coletiva.
Entretanto, essa demissão só se efetivaria em 20 de janeiro de 1890. A crise final deu-se três dias antes dessa data, quando Deodoro se recusou a assinar qualquer coisa, se não fosse dada a concessão das obras do porto de Torres, no Rio Grande do Sul, com garantia de juros de 8% ao ano, para a empresa de um amigo seu. O ministério recusou-se a se submeter a esse tipo de chantagem, renunciando coletivamente. Deodoro, sem o menor escrúpulo político, chamou o Barão de Lucena, seu velho amigo, e deu-lhe o encargo de formar o novo ministério, à semelhança dos gabinetes monárquicos.
O governo Provisório nomeou uma comissão encarregada de elaborar o projeto da Constituição que seria apresentado, posteriormente, a uma Assembleia Constituinte. Compunham-na Saldanha Marinho, Américo Brasiliense, Santos Werneck, Magalhães Castro e Rangel Pestana. Em maio de 1890, esta comissão encerrou seus trabalhos, entregando ao governo um projeto constitucional, que ainda seria levemente alterado por Rui Barbosa, Benjamin Constant e pelo próprio Deodoro.
As eleições para a Constituinte processaram-se a 15 de setembro de 1890, assegurando ampla maioria aos republicanos. O Congresso instalou-se a 15 de novembro de 1890 - um ano portanto depois da proclamação da República - sob a presidência de Prudente de Morais, elemento de oposição ao governo. Com efeito, as medidas autoritárias de Deodoro e a preterição de grupos partidários nos Estados, por parte do presidente da República, interessado em nomear governadores de confiança, geram uma sólida oposição ao Executivo na Assembleia constituinte. Em consequência de sua política, Deodoro ficara em minoria parlamentar.
Desde a abertura de seus trabalhos, a constituinte insinuou seu papel preponderante, ressaltou o caráter temporário da chefia de Deodoro e pretendeu reexaminar os atos passados do governo. Além disso, pequenas modificações foram introduzidas pelos congressistas no projeto constitucional do Governo Provisório, atenuando a centralização defendida por Deodoro. Na sua redação final, o projeto modelava-se pelas Constituições dos Estados Unidos, da Argentina e da Suíça, tendo por coordenadas fundamentais o federalismo, o presidencialismo e a ampliação do regime representativo.
A 24 de fevereiro de 1891, era promulgada a segunda Constituição brasileira e a primeira da República, redigida em 91 artigos. Suas principais disposições eram:
- a suprema autoridade do país seria o presidente da República, com um mandato de 4 anos e eleito diretamente pelo povo.
- os ministros seriam da livre escolha do presidente da República.
- os senadores e deputados também seriam eleitos pelo povo. Os Estados e o Distrito Federal seriam representados por três senadores, com mandatos de nove anos, e por deputados em número proporcional às suas respectivas populações, com mandatos de três anos.
De maneira geral, a Constituição de 1891 era presidencialista, liberal e de espírito democrático.
A Crise da “República da Espada”
O Domínio Oligárquico
A “República da Espada” foi vítima de uma crise em dois níveis:
- uma crise de cúpula - os conflitos entre o “Modelo oligárquico liberal” da República (expressão da oligarquia cafeeira e dos subsistemas oligárquicos e ela atrelados) e o “modelo jacobino autoritário” de República (expressão dos interesses reformistas do Exército, estes apoiados pelos segmentos mais politizados da pequena burguesia).
- uma crise de remanejamento e rodízio das bases oligárquicas locais - o convento do regime republicano provocou disputas pelo poder local entre as diversas oligarquias que controlavam ou pretendiam controlar o domínio político das diversas regiões componentes deste país.
A Crise do Governo Deodoro
A Carta Constitucional de 1891 determinava, por meio de uma “disposição transitória” que, imediatamente após sua promulgação, caberia ao Congresso, em caráter excepcional, eleger o presidente e o vice-presidente da República. Deodoro da Fonseca, em virtude do prestígio de que ainda gozava nas fileiras militares, surgia como o candidato mais cotado ao supremo cargo da nação. Entretanto, o velho marechal não tinha o apoio da maioria dos deputados da Assembleia Constituinte, agora transformada em Congresso Nacional. Em consequência, uma chapa oposicionista, encabeçada pelo presidente da Constituinte Prudente de Morais, foi articulada. Paralelamente, concorreram à vice-presidência o companheiro de chapa de Deodoro, o vice-Almirante Eduardo Wandenkolk e o ex-ministro da guerra, Floriano Vieira Peixoto, este completando a chapa de Prudente de Morais.
Semanas antes do pleito presidencial, marcado para o dia seguinte à promulgação da Constituição, já corriam, nos círculos políticos do Rio de Janeiro, insistentes rumores de que, se Deodoro fosse derrotado, o Congresso Nacional seria fechado e o marechal aclamado ditador pelos militares. Alguns parlamentares paulistas, liderados por Campos Sales, temendo as nefastas consequências que adviriam de uma possível vitória de Prudente de Morais, aconselharam-no a retirar-se da disputa presidencial. Este, no entanto, recusou-se a fazê-lo, alegando que sua candidatura não lhe pertencia, mas sim à bancada majoritária do Congresso Constituinte.
Numa atmosfera bastante intranquila, foi realizado, a 25 de fevereiro de 1891, o primeiro pleito presidencial da jovem república brasileira. Inegavelmente, as pressões exercidas pelos militares sobre os deputados surtiram o efeito desejado: Deodoro, com 129 votos, era eleito Presidente da República. Apesar da ameaça da dissolução que pairava sobre o Congresso, Prudente de Morais obteve o elevado número de 97 sufrágios. Essa expressiva votação conseguida pelo candidato oposicionista deixava transparecer que muitos congressistas estavam dispostos a reagir contra o clima de coação militar que possibilitara a vitória de Deodoro. Isto prenunciara, sem dúvida, que o presidente eleito teria de enfrentar, ao longo de sua gestão, uma forte oposição parlamentar. O sentido restrito do êxito eleitoral de Deodoro foi ainda mais acentuado pela estrondosa vitória do companheiro de chapa de Prudente de Morais para a vice-presidência. Com efeito, enquanto o “deodorista” Wandenkolk obteve 57 minguados votos, o marechal Floriano Peixoto recebeu 153 sufrágios.
Encerrado o pleito, foi procedida a leitura dos resultados oficiais. Nesse momento, o Congresso demonstraria acintosamente a sua animosidade em relação a Deodoro: ao entrar no plenário, para ser empossado, o presidente eleito foi acolhido com uma frieza glacial não merecendo, sequer, uma comitiva de recepção. Instantes depois, entretanto, o vice-presidente Floriano Peixoto seria contemplado com uma apoteótica salva de palmas pelos deputados presentes à cerimônia de posse.
Completada a transformação do Congresso Constituinte em Nacional com o estabelecimento do Senado e da Câmara dos Deputados, verificou-se o rápido fortalecimento das correntes políticas contrárias a Deodoro. Este, que chamara o Barão de Lucena, velho servidor da monarquia, para organizar o Ministério, irritava-se profundamente com as iniciativas dos parlamentos oposicionistas, que julgava ofensivas à sua autoridade. Por seu turno, Lucena, ciente da falta de apoio político para a administração de Deodoro, tentou formar um governo de coalizão, convidando o paulista Campos Salles para ocupar um Ministério Secundário. Este, ofendido, rejeitou agressivamente a proposta. Em consequência dessa recusa, o PRP (Partido Republicano Paulista) foi vítima de uma grave dissidência, pois em oposição à maioria dos seus companheiros de agremiação partidária, Rangel Pestana e Américo Brasilienses manifestaram-se favoráveis a uma aliança com Deodoro.
Carente do apoio da bancada paulista, Lucena formou um Ministério composto por pessoas sem qualquer expressão política, em sua maioria velhos e desprestigiados monarquistas. Em breve, a gestão presidencial de Deodoro ver-se-ia publicamente desmoralizada, graças à revelação de algumas negociatas patrocinadas pelo próprio Barão de Lucena, notadamente a venda de parte das reservas metálicas da República a especuladores amigos do ministro. Assim, o governo sofreu um progressivo desgaste, passando a ser criticado até por elementos do Exército, seu principal setor de sustentação política.
Em março de 1891, as relações entre Deodoro e o PRP agravaram-se sobremaneira, pois o presidente, deixando clara toda a sua insensibilidade política, interferiu nos negócios públicos paulistas, afastando o “perrepista” Jorge Tibiriçá do Governo do Estado e nomeando, para substituí-lo o “dissidente” Américo Brasiliense.
Em junho de 1891, com a reabertura dos trabalhos do Congresso Nacional, em recesso desde a posse de Deodoro, tornaram-se ainda mais profundas as divergências entre os “deodoristas” , interessados na implantação de uma república autoritária e centralizada, e as correntes parlamentares oposicionistas, estas apegadas ao ideal federativo. Aos poucos, esse clima de conflito contaminaria as Forças Armadas, o que provocaria a desarticulação do dispositivo militar que sustentava o governo.
Em setembro, a bancada oposicionista, majoritária no Congresso, conseguiu a aprovação de um projeto-lei sobre a “responsabilidade do Presidente da República”. Imediatamente, Deodoro vetou a medida, acreditando tratar-se do primeiro passo para um eventual processo de impeachment. Finalmente, a 03 de novembro de 1891, disposto a eliminar toda e qualquer contestação ao seu governo, Deodoro desfechou o “golpe Lucena” , dissolvendo o Congresso Nacional, embora não tivesse poderes constitucionais.
Em seguida, contando com o apoio de todos os presidentes dos Estados, com exceção de Lauro Sodré, do Pará, Deodoro proclamou o estado de sítio. Contra essas medidas arbitrárias do governo federal, rebelou-se no Rio de Janeiro, a 23 de novembro, a esquadra comandada pelo contra-almirante Custódio de Melo. Embora dispusesse de elementos para resistir a essa rebelião, Deodoro preferiu renunciar ao poder, a fim de evitar uma guerra civil de consequências imprevisíveis. Na forma estabelecida pela Constituição, transferiu, então, o governo a seu substituto legal, ou seja, o vice-presidente Floriano Peixoto.
Para entendermos melhor o significado das crises e da queda do Governo Constitucional Deodoro, vale a pena citar um texto de Leôncio Basbaum, extraído da História Sincera da República:
“O Estado é sempre a expressão de uma classe mais ou menos homogênea apoiada em sólidas bases econômicas: a posse dos meios de produção. E estes se achavam nas mãos do grupo que não estava no poder. O governo republicano deveria pertencer, como seria lógico, aos donos das terras..., isto é, aos fazendeiros de café de São Paulo. Entretanto, por causas fortuitas, uma complicação militar de interesse secundário, caiu o poder nas mãos do Exército. Tal governo, apesar de efêmero apoio de uma parte das classes médias, somente poderia manter-se no poder pela força das armas. Esse antagonismo imediato entre a maioria do Congresso e o governo do Marechal Deodoro só podia ser liquidado pela destruição de um ao outro.”
Sumário
- O Governo Provisório e a Constituição de 1891- A Crise da “República da Espada”
i. O Domínio Oligárquico
ii. A Crise do Governo Deodoro
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